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A mostrar mensagens de fevereiro, 2015

E o tempo acelera…

Mesmo que o dia insista em pintar-se do tom cinzento de nuvens muito carregadas, nós sabemos que o tempo acelera já irreversivelmente para a primavera; e até Fevereiro trai e mata a previsível duração que têm os meses. Por todo o inverno, a chuva semeou flores rebeldes que por estes dias rasgarão de amarelo, o verde intenso das ervas do caminho. Até os choupos se despiram para que as águas chegassem mais depressa ao leito das ribeiras, fazendo com que estas ganhassem uma renovada voz e se revestissem de um intenso e indisfarçável aroma de poejo. Por todo o inverno… Senti a chuva a bater forte na vidraça da casa aonde moro, e me aqueci das lembranças dos beijos que de ti trago sempre comigo. E tantas vezes adormeci escutando o vento, e decifrando no seu sopro as palavras de amor que por ti desejei sussurradas no íntimo mais íntimo do meu ouvido. Hoje enquanto tomo o café e espreito lá fora o cinza de um dia de inverno em agonia, quase que tenho a certeza que o vaso de amor

PORTO

Entre nós há um rio que de ti tomou nobreza e nome E de mim a sina que faz correr para o azul O tom que tu carregas nos olhos tal qual o mar... Douro E num degrau de granito que a cidade me oferece lá para os lados da Ribeira Eu espero por ti ao pôr-do-sol entre todas as pontes Sabendo que a vida é como o Porto Um rio que fala de nós Uma escada de granito que sobe ao Céu Uma encruzilhada traçada pela sorte à esquina do tempo para que eu te encontrar  

Há muito me habituei a não desperdiçar quaisquer palavras…

Há muito me habituei a não desperdiçar quaisquer palavras, e se não estás à minha frente para que de viva voz as possa transmitir, registo-as e guardo-as escritas no caderno vermelho que anda sempre comigo e que um dia um querido amigo me ofereceu num pequeno-almoço no Chiado. Sobre o restaurante paira em tom baixo, a banda sonora que acaba por resultar numa jangada ou bote salva-vidas para os solitários, salvação a que nos agarramos por pensamento para nos abstrairmos e sobrevivermos ao mar de gritos dos grupos de gente que estão sentados ao nosso lado. E de repente por entre algumas melodias mais ou menos conhecidas e interpretações mais ou menos “de elevador”… África Minha, um voo de Redford e Streep no Quénia enquanto dão corpo às palavras e à paixão de Karen Blixen; e aí estou eu indiferente às ruidosas gargalhadas que culminam as piadas da gente presente na sala, a voar contigo naqueles territórios tão generosos em palavras pela intensidade do que se sente. O vento bate

A luta continua…

O Homem é um ser competitivo e não há território que esteja isento de luta; reconheço-o desde que assistia às discussões entre as minhas tias-avós Maria e Joaquina relativamente ao estatuto de mais doente. - Toda a semana me tem doído um dedo. - Um dedo… A mim há meses que me dói um braço. E aprendi desde cedo que a vida é uma competição… Ainda na Escola Secundária de Vila Viçosa, e porque no 11º Ano e na disciplina de Socorrismo, tanto eu como os meus dois competidores para o título de melhor aluno, tínhamos vinte; disputávamos quem é que conseguia o vinte em menos tempo. E um dia quando o primeiro acabou e o comunicou a toda a turma: - Já acabei! Ouviu-se: - Puxa o autoclismo. E hoje… Assistimos quase diariamente às disputas entre pais ou entre avós relativamente às performances escolares dos filhos ou netos naquilo que parece a eleição do Mr. Einstein 2015; as mulheres competem relativamente à eficácia dos drenantes e outros produtos dietéticos que utilizam, do

O que é a saudade de um beijo quando comparada com o mar de girassóis que tu semeias em todos os silêncios de uma noite escura?

A lua sulca veredas no breu da noite, e é hoje um imenso e prateado gomo de laranja entretida a brincar com as nuvens no céu por cima do meu caminho. O rádio do carro emite palavras envoltas no toque de fado de uma lusa guitarra, mas esta noite pede-me silêncio para que dele possam emergir as minhas próprias palavras, as palavras todas que tu me ofereces. Desligo o rádio. Quase ao mesmo tempo a lua vence a cortina de nuvens, e assim nesta posição, parece sorrir-me sem o mínimo detalhe de pudor. E o silêncio já é por esta altura, o campo imenso onde palavra a palavra, eu vejo brilhar girassóis, e onde numa clareira aberta à cumplicidade de uma fonte, eu te abraço à sombra de um choupo enquanto teço versos de amor. A lua esconde-se novamente atrás do biombo que as nuvens lhe oferecem, talvez por não querer espreitar o momento em que eu não disfarço a saudade de um beijo. Mas depois aparece de novo e vejo que continua a sorrir. Eu também sorrio. Afinal, o que é a saudade

Segunda-feira

Abrir a tábua, ligar o ferro e eliminar algumas rugas na camisa; retirar o fato do roupeiro e ver se as calças têm o vinco em condições ou se necessitam passar também pela tábua onde antes esteve a camisa; retirar o cinto que melhor se adequa à cor do dito fato e ao tamanho dos passadores do cós; engraxar e dar brilho aos mocassins que estiveram em descanso… E a Segunda-feira nasce muito antes da meia-noite, entrando pela tarde de domingo e trazendo com ela aquele estado semi-depressivo que se pode considerar a ressaca da Sexta e do Sábado à noite, estado que tentamos tratar ao serão com um infinito Zapping entre programas de TV que revelam talentos musicais, de dança ou outros, painéis de debate sobre foras de jogo e golos de futebol, os comentários do Prof. Rebelo de Sousa e os programas da RTP Memória em que o Júlio Isidro revisita talentos tão antigos que ficamos ainda mais deprimidos quando nos apercebemos que já passaram décadas desde os tempos em que nos deliciávamos com a

O nosso pensamento será sempre a casa fiel de quem amamos

O vento soprou forte durante toda a noite, mas muito mais forte num instante em que sacudiu violentamente a persiana e pronunciou algo imperceptível durante a sua passagem por entre as frestas apertadíssimas das vidraças. Acordou-me então o vento, e atirou-me irreversivelmente para os braços da memória sob o olhar cúmplice e o patrocínio da saudade. O vento como louco, e em mim a abrir-se um terreiro iluminado pela lua, um chão cúmplice do querer e sem limites para a fantasia, uma praça onde as fontes em vez de água, vertem as palavras que sustentam a própria poesia. E dancei contigo sentindo o teu cheiro e o teu olhar fazenda da música o pretexto para a festa de mil beijos. O nosso pensamento será sempre a casa fiel de quem amamos... E o dono das nossas noites é quem resgatamos da memória para nos preencher a magia de sonhar acordado. Às vezes numa noite escura quando o vento nos acorda. Depois... Já não me recordo de ter voltado a adormecer, mas fi-lo certamente por

Eu, irmão de Lisboa.

O Tejo saiu para ir visitar o mar, e no Terreiro, bem junto às colunas do cais, há uma nesga de areal a que não resistimos e entregamos os nossos passos. E o cais é hoje e assim, um chão que Lisboa atapetou de areia para o regresso do seu amado rio que num só e primeiro abraço a cobrirá dos aromas e de tudo o que o mar tem. A noite caiu há pouco... Mas entre a lua e o candeeiro eu encontro a luz que alumia a carta que escrevi para ti e te leio agora. Um tapete tecido de letras alinhadas para dizer que te amo, ao jeito da areia de Lisboa. No final damo-nos um beijo por entre um longo abraço. E o poeta colhe desse instante os aromas e tudo aquilo que a vida tem. Eu, irmão de Lisboa.

“Há ou à”

Há janelas no teu prédio Mas à janela tu não estás Vem cá buscar um remédio Para esta “coisa” dos “á’s”? Há couves frescas na praça Que à panela vão parar Há a fome que nunca passa Até à hora de almoçar À hora de ponta no Chiado Ali à porta da Brasileira Há gente por todo o lado A tomar café “à maneira” Há que ter sorte para pousar Numa foto à beira do Pessoa Há sempre gente a passar Ah que bom ver-te assim Lisboa Se tem algo leva agá O mesmo no imperativo Se não tem nada vai só o “a” Com ar solene e altivo E se já há tempo, com jeito, Não te esqueças, tu és capaz Para quê repetir o conceito E acrescentar que foi atrás? Não é nada complicado E nunca mais te vais esquecer Com agá, verbo haver conjugado Não tem nada que saber

Um fado maior…

Sobe o pano, acendem-se as luzes, soa o primeiro acorde da guitarra… mas o fado é sentir-te aqui tão perto matizando o meu perfume com os aromas todos e perfeitos que carregas em ti. Um fado maior… O melhor fado num tom colhido directamente do sonho mais persistente em mim. E há tantos fados que eu esperava que viesses… Tristes fados que eu tanto insisti temperar de esperança. A minha perna já namora com a tua e as duas seguem o ritmo da guitarra quando a voz do cantor solta as primeiras palavras, as letras alinhadas no testemunho de uma intensa paixão; mas já há muito a poesia se soltara livre e louca da tua mão no instante em que procurou e se colou à minha. A rima de pele com pele, a poesia dos versos sem letras que têm o mesmo toque de todos os nossos beijos, a nossa paixão. Não tardará o momento em que o público se rende, entregando-se a um grande aplauso. A noite trouxe-nos hoje ao Coliseu para ouvir o fado, mas por entre toda esta gente, aqui sentados e envolto

Começou a terceira guerra mundial ou a segunda ainda não acabou?

Legítimos herdeiros do imperador Nero Claudius Cæsar Augustus Germanicus e agarrados às suas liras enquanto “Roma” arde, os Portugueses divertem-se ao redor das cervejas Sagres e dos “frangos”, enquanto as Portuguesas sussurram entre amigas os segredos que as “Sombras de Grey” lhes revelaram relativamente ao inóspito universo guardado por detrás da sua genitália. Eu avanço por entre eles, amigo do ambiente, com as mãos ocupadas pelas compras do supermercado e inspirado pela recusa em pagar dez cêntimos por cada saco de plástico. “Roma” arde… e a Grécia também. Quando os homens de Esparta chegaram a Tróia para resgatar Helena que fugira para lá na companhia de Páris, a batalha foi dura. Mas um certo dia os Troianos descobriram que o acampamento dos seus inimigos estava vazio e no meio dele brilhava um enorme cavalo de madeira que pensaram ser um presente. Assumiram assim que a guerra estava ganha e empurraram o cavalo para dentro das suas muralhas sem saber que transportavam

A laje de onde varremos as cinzas é a mesma que servirá de chão ao lume aceso que nos aquece

Gosto deste abraço que me oferece o teu cheiro, deste informal repouso do meu olhar sobre o teu ombro, a escuridão com que pinto o mundo para melhor espreitar o melhor de mim. Ficaria assim a vida inteira... Mas há um som agudo que me desperta, o prenúncio do movimento de um comboio, e eu entrego-te as mãos para caminhar contigo; estas mesmas mãos, tantas vezes mães do gesto de um adeus As mãos são como um cais e um cais é como qualquer dia. O mesmo espaço, uma indefinida sina, um destino solto e à mercê do tempo. A partida? A chegada? A laje de onde varremos as cinzas é a mesma que servirá de chão ao lume aceso que nos aquece. O cais de onde parte um amor é o mesmo aonde chega outro bem maior e mais feliz. A laje, o cais… e os dias. Até as lágrimas parecem coerentes e sempre iguais; sendo afinal tão diferentes como parágrafos líquidos e sem letras na expressão de estar triste ou ser feliz. Hoje… Entrego-te as minhas mãos para caminhar contigo enquanto lentame

Hoje eu sei que o teu amor semeou em mim um tesouro …

Os teus abraços têm o dom de me colocar irreversivelmente na rota do melhor sonho, aquele caminho onde as árvores, as flores e toda a gente, testemunham o sorriso de quem segue feliz, fazendo valer a pena o tempo que a vida lhe dá. O sorriso e a música. Por entre um céu que tempera de azul a água da generosidade das ribeiras e das fontes, os teus abraços e os teus beijos são o meu caminho e também o alimento e o condimento de que a alma precisa… E por ti, eu gosto muito mais de mim. Muito mais do que apenas gostar de alguém, o amor é gostarmos imensamente de nós próprios por entre o doce abraço desse alguém cujo nome só a alma nos segreda. Hoje eu sei que o teu amor semeou em mim um tesouro, e nestes dias que cumprem o veloz ciclo do tempo, eu apago e pago todos os medos com essa riqueza que há tanto tempo esperava pelo toque de Midas dos teus abraços… e dos teus beijos. Esperava por ti para a confiança que mata todas as máscaras na festa de ser eu, a festa de muito mais

Parque temático em versão genérico sem bioequivalência

Num processo de pulverização de qualquer parque temático infantil em versão genérico sem bioequivalência produzido em vão de escada na Índia, o Carnaval semeia pelas nossas ruas uma prole de figuras estranhas e medonhas. Já não falo das crianças que para estes dias prepararam uma invasão de Violettas, princesas ou Invizimals; e eu na Sexta-feira de manhã fui desde logo atacado no elevador por uma menina envolta em cor-de-rosa, com tiara de plástico prateado na cabeça e um casaco de penas por cima do vestido algo amarrotado, e também por um guerreiro medieval com espada a condizer com uns óculos “ super fashion ” transparentes… Mas falo dos adultos. Assim, na peixaria do Pingo Doce fui atendido por uma senhora que envergava uma bandolete de Coelhinha da Playboy, o que juntamente com o seu avental de borracha ensanguentado pelos Robalos, e também o buço mal aparado, lhe dava um ar de fugir. Ela própria naquele estado parece ter fugido de algum hospital psiquiátrico onde tratava

Desembrulhei o teu presente quando cheguei a casa e depois espreitei para o melhor de mim

Desembrulhei o teu presente quando cheguei a casa, com muito cuidado para não rasgar o papel, tal qual me recomendaste um pouco antes do "até já". O perfume ficará guardado na gaveta onde tenho as relíquias da minha história e os meus segredos, lado a lado com o fantástico papel de embrulho onde no verso escreveste uma mensagem de amor. Palavras escritas iguais às que toda a tarde senti soltarem-se do teu olhar, junto a uma das fontes do Rossio, na Rua Augusta, na Casa dos Cafés, no Tejo, na Ribeira... no abraço sob o chapéu-de-chuva com que subimos a Rua do Alecrim. Eu nunca te saberei dizer àquilo a que sabem os teus beijos. Mas talvez se somares todas as letras dos meus versos consigas espreitar por entre esta vida que me dás, e perceber que os teus beijos, como o demais que é teu, são e sabem à própria vida. A minha vida feliz. Destapo o perfume, releio amor no papel de embrulho, vejo a selfie que tirámos os dois e a que chamo o paraíso, acaricio os lábios

Há manhãs de onde colhemos as palavras e o perfume para uma carta de amor

Meu querido amor, Sinto aromas infinitos de indecifráveis flores por entre este instante em que penso em ti, e em que busco em vão palavras, por certo entre as mais doces, para te fazer o retrato escrito do homem mais feliz do universo, aquele que só tu soubeste criar em mim. Serão rosas? Muitas por certo, rubras de paixão; mas há tulipas, cravos, margaridas, alecrim, rosmaninho… e narcisos amarelos que nos lembram as tardes tristes da solidão. As tardes que partiram de mim na intimidade desse primeiro abraço; eu, um náufrago sem “Sexta-feira” descoberto pelo navio rei de todos os mares, a nau de todos os meus sonhos e mestra de todos os destinos. Depois… O primeiro beijo com a cumplicidade lilás dos jacarandás na primavera, as mãos e as palavras trocadas no banco solitário de um jardim de Lisboa, o Tejo, os poemas, os livros, as cartas, os tesouros para o cofre, as colecções, os jantares por sobre os telhados da nossa cidade, as gargalhadas, as palavras, as Bolas de Berl

Mas que bem-me-quer a minha sorte

Pudesse o malmequer responder ao desespero de um apaixonado E por entre o irreversível despentear da sua coroa por certo perguntaria: - O que terão as minhas pétalas a ver com o sentir do teu namorado? Nada mesmo Direi eu Que as pétalas já lá estão São em número certo E o final sempre depende do começo Na flor Tal qual no amor Bem… Malmequer Etecetera e tal… Eu no dia em que te encontrei Quando te prendi no primeiro abraço Desde logo percebi Sim Tu irias ser tudo aquilo que o meu sonho tanto quer Chegaste para ser um longo e feliz final Percepção? Experiência? Estas coisas do amor não têm nada de ciência É algo que se sente Aonde? Onde haveria de ser? No peito de toda a gente E hoje pela manhã Espreitando à janela e vendo o algodão que a noite semeou sobre os malmequeres Franzo o olhar para melhor enfrentar o sol O seu reflexo E tentar ver alguma nesga do azul que sempre me oferece o mar Sinto-me be

Planetas em trânsito e adultérios anunciados à mesa da Bénard

Um chá e uma torrada na Bénard cumprindo a ambição de um lanche tranquilo que se esvai rapidamente quando descobrimos que na mesa ao lado da nossa está a decorrer uma consulta de astrologia. E se a senhora consultada fala baixo, o astrólogo projecta a voz ao jeito de um actor num teatro romano, para que todos escutemos a sua opinião sobre os mais variados assuntos, quase todos ao redor da vida íntima da sua interlocutora. É impossível não ir seguindo a conversa alheia, facto que me deixa perfeitamente à vontade e sem temor perante uma possível acusação de deficit de educação da minha parte. "Eu falo alto nos locais públicos porque com dois anos de programas de rádio a colocação e o volume da minha voz já estão incontroláveis" É uma pena que a voz se tenha associado ao cérebro no descontrolo de volume e colocação, se bem que no que toca ao volume do dito, e ao contrário da voz, o problema seja claramente por defeito. E quem paga com tudo isto sou eu, é o meu chá e

E as palavras saltam em catadupa para a folha que já esqueceu o que é estar vazia

Na estrada às vezes longa que liga a solidão ao amor, que é o mesmo caminho que toma quem vem da lágrima triste até ao estar feliz; existe uma “área de serviço” um pouco antes da portagem, onde os amigos nos esperam à volta de uma mesa para nos mimarem e animarem. Um chá, uns bolos, infinitas palavras, e aquela força que passa num abraço… Porque a portagem às vezes é cara. O inverno deixou sem folhas as árvores do campo à frente da minha janela, mas compensou-me pelo verde que semeou na erva farta que então cresceu. E sem a copa das árvores como densa e impenetrável cortina, o sol de inverno pôde beijar a terra e fazer desabrochar um tapete amarelo de infinitas Azedas que hoje me enfeita a vista. No outro dia e depois de estacionar o carro, não resisti e colhi algumas para voltar a trinca-las e matar saudades do travo ácido que então nos acompanhava a caminho das aulas no velho liceu de Vila Viçosa. Às vezes estamos mentalmente perante uma folha branca que espera as palavra

Liberdade, frutos, flores, asas, amor… um rio azul e nós que gostamos tanto de nos ver assim

Quem já andou descalço sobre a lama conhece bem o chão fértil de onde podem nascer frutos e flores. Quem tomou banho num rio ou numa ribeira à sombra dos choupos nos dias quentes de verão, saboreou já a liberdade na pele e no todo, corpo e alma, quando sentiu a água a correr. Quem brincou com os pássaros entre as árvores de fruto de um pomar ou de um quintal conhece bem as vantagens de ter asas e saber voar. Quem tomou uma mochila às costas e ousou desembarcar numa terra nova que fez sua, sabe muito bem o que é renascer. Quem um dia chorou por amor, conhece demasiado bem, pelo beijo e pelo olhar, o instante em que um novo e maior amor chega e se instala para fazer esquecer os demais da história… e que fizeram chorar. E a sede acrescenta nobreza às fontes, e a cave dá valor às janelas altas de onde o rio se pode espreitar no seu esplendor azul. A estrada é longa e cheia de sins e nãos, mas aquele que se constrói a si próprio por inspiração e vontade, aquele que responde co

Este lume que acendes conhece-me bem dos anos em que clamei por ele e pus a lenha toda nos dias em que insisti acreditar na sorte

O instante em que todas as cinzas voam muito para lá do mais desprezível e merecido esquecimento e se acende o novo lume com a mais forte e incandescente das chamas, é aquela hora em que o nosso abraço me oferece o teu respirar, o teu cheiro, o toque suave da tua pele… e eu me sinto completo, porque nada me falta. E o vento que varre as cinzas trata-me por tu por tantas vezes me ter afagado as penas… e a solidão. E este lume que acendes conhece-me bem dos anos em que clamei por ele, e pus a lenha toda nos dias em que insisti acreditar na sorte.   Este lume… chamam-lhe amor; e sinto-o agora nas minhas mãos no gesto com que as acaricias por entre o frio de Fevereiro. Devagar e como que a não dispensar o preciosismo de cada poro. Este lume… o amor, julgamo-lo tão grande e à medida do imenso desejo de o encontrar, que às vezes nos esquecemos de que se expressa assim de mansinho no fim de uma tarde em que o sol já incendiou o horizonte no poente, e os dois caminhamos por entre o

Rebuçados mágicos à minha escala de Harry Potter genérico em versão Alentejana

O meu avô Francisco era carpinteiro e trabalhava numa casa grande pintada de amarelo que ficava mesmo ao lado dos silos, dentro da cerca da SOFAL e junto ao antigo Convento de São Paulo, também ele convertido num polo desta unidade fabril, enorme para a dimensão de Vila Viçosa. As buzinas da fábrica tocavam sempre à hora certa e faziam-nos dispensar os relógios, sobretudo quando eu atravessava o Rossio de mão dada com a avó Natividade para irmos levar o almoço que o avô comia no tempo da pausa que lhe correspondia. Sentávamo-nos numa pequena mesa, obviamente de madeira, e fazíamos-lhe companhia, voltando depois a casa onde então almoçávamos os dois. Enquanto o avô comia, eu recolhia aparas e pedaços de madeira com que depois brincava durante a tarde, delimitando com eles os arruamentos perfeitos para os meus carrinhos miniatura da Matchbox , sobretudo para o meu preferido, um Opel descapotável de cor amarela. Pedaços de madeira melhores do que peças originais da Lego, porque es

Eu diria Desejo… muito mais do que outro nome qualquer

Uma mesa no canto mais discreto do bar A música de Elis Regina E estas noites em que só a cerveja parece matar-nos a sede Como te chamas? Eu diria Desejo Muito mais do que outro nome qualquer Digo-o abertamente… E sem rede E entre um gole de cerveja Uma fava seca e salgada Um amendoim... As minhas mãos não se cansam de falar ti Sei que será assim até de madrugada Tocando-te rebeldes no final das nossas tardes de passeio Elas conhecem-te bem melhor do que qualquer outra parte de mim Agora fez-se silêncio A cantora foi descansar E a sede pede-me um gin As minhas mãos Donas do céu Muito mais do que tudo o que vi... Ou vejo Vou continuar pelo bar Acho que um sítio mais quente não se arranja E quero continuar por aqui a pensar em ti Meu querido Desejo   Ah claro E amanhã vou ter de acordar num sumo de laranja 

Hoje sinto-me invencível… e já não vou precisar de me espreguiçar

Amo-te com a convicção de jamais deixar de te oferecer o primeiro pensamento no despertar de todos os dias. Quando o sol irrompe timidamente pelas frestas da persiana entreaberta e o relógio acabou de tocar e de me arrancar do sono, espreguiço-me como que procurando-te por ali, como quem te quer abraçar… e penso em ti. Depois o duche quente oferece-me alento, acaba o prolongado processo do despertar e cria uma acústica perfeita para eu cantar de John Grant: “ I must have felt invincible in your arms Like I could take the whole world on ” “ It’s easier ”, é sempre tudo tão mais fácil quando o mundo parece ser nosso num abraço. Hoje sinto-me invencível… e penso em ti, quase jurando ver-te a sorrir do outro lado das gotículas de água quente que me beijam nesta manhã. Da minha janela espreito o Atlântico por entre o gosto de um café e o pão do Alentejo, o gosto áureo do trigo nascido da terra de onde sou; eu, discípulo na reverência a um Deus maior por onde sempre consigo ve

“Custe o que custar”

O Primeiro-ministro de Portugal afirmou ontem a propósito da morte de uma cidadã que não beneficiou de todas as opções de tratamento disponíveis para a patologia que a atingia, que “os Estados devem fazer tudo o que está ao seu alcance para salvar vidas humanas, mas não custe o que custar”. Nós sabemos que os recursos disponíveis não são ilimitados, mas há prioridades; afinal de contas a vida de uma mulher ainda vale mais do que um outdoor das campanhas eleitorais que o Estado vai patrocinar muito em breve, e só para dar um exemplo. Porque quando se trata da vida de alguém, é mesmo “custe o que custar”, digo eu. Digo eu e esperaria eu que o dissessem os deputados dos partidos que apoiam esta maioria e que gritaram a defesa da vida sempre que o parlamento discutiu a interrupção voluntária da gravidez, por exemplo. Onde estão essas vozes? Onde está o Professor João César das Neves e os movimentos que fazem vigílias à porta da Clínica dos Arcos nas Amoreiras? Já alguém se man

Eu vou definitivamente para ti na mais verdadeira consciência dos meus próprios passos

Passei pelo Harrods e comprei-te umas meias quentes e coloridas, um pouco antes de percorrer a pé algumas ruas de Londres e sentir na cara a aragem agreste de um dia que “semeou” neve em Hyde Park. Sentado numa mesa junto à montra de um velho pub onde as pessoas se anunciam pelo tilintar de um espanta-espíritos estrategicamente colocado atrás da porta, vejo uma das abas do parque e entretenho-me a observar a azáfama da gente, enquanto me aqueço com o café servido numa caneca de tamanho gigante. No mais completo anonimato e no silêncio que nos oferece o estarmos sós, gozamos desse inquestionável privilégio de sermos e estarmos com quem queremos, à boleia do pensamento. Eu penso em ti. E continuo a pensar em ti por entre aromas de café, algures por sobre a Biscaia e quando nem só uma luz vislumbro no breu que me oferece o lugar à janela do avião. Depois adormeço… e quando acordo já vejo infinitos pontos de luz em tom dourado, e não tardo a sentir que descemos para Lisboa.