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A mostrar mensagens de dezembro, 2014

A amar-te como nunca e a olhar Lisboa

O calendário assinala hoje a mudança de um ano velho para outro que chega e se faz novo. Acredito… Mas perdi-me na contagem do tempo no exacto momento em que chegaste; que não importa mais a história feita de esperar por ti, e o presente nunca terá nome, número ou sigla, é tão só a vida, algo inacessível a adjectivos e contagens. Porém, às vezes sentimos as estações a passar por nós, palpando-as no frio ou no calor, nos aromas… em tudo o que se vai incorporando na aragem do Tejo, o rio que nos oferece as margens para namorar. A brisa que passa por nós e pelos nossos beijos para depois ir perfumar Lisboa com a poesia de um grande amor. Já se sentia a primavera quando os meus braços palparam pela primeira vez o toque e o calor dos teus, e aquele não sei quê que existe em nós e nos tece em tudo e nos lábios, a palavra amor; deu um definitivo sinal de si. O sinal de um definitivo amor, o tal amor que sobrevoa as calçadas desenhadas a preto e branco da velha Olisipo. E entra

2014

Cumpre-se a tradição e o Pomar das Laranjeiras atribui as suas “laranjas” relativas à colheita do ano que agora termina, classificando-as de acordo com os seus justos atributos. As “laranjas” no ano das selfies em que o “Espírito Santo” se apagou em vícios velhos que nem o “Novo” disfarça: LARANJA DOCE – O motor de arranque para uma justiça que se exige? Em Portugal há finalmente poderosos e famosos condenados e presos por corrupção (ou suspeita de). Apesar de alguns preocupantes e incompreensíveis arquivamentos, parece que arranca o motor para o fim de uma certa impunidade por detrás da pérfida avalanche do “vale tudo”. A ver vamos… LARANJA AMARGA – A corrupção Operação Marquês com um ex-Primeiro-Ministro preso, os Vistos Gold, o Banco Espírito Santo, o BPN, os submarinos e os blindados… Fica a clara sensação de que por debaixo da levíssima e aparente camada das públicas virtudes dos agentes políticos existe o charco pestoso dos mais pérfidos vícios de parcerias

Os amigos ao jantar

Sopa de tomate com linguiça frita Carne de porco Açorda de marisco Azeitona cordovil Tinto Alentejano num jarro A Tina que quer em garrafa… de marca E quase se irrita Chega a comida Achamos sempre que é demasiado Que há comida que nos aguente até ao entrudo… Mas comemos tudo Depois a conversa vai inevitavelmente para as desgraças… O meio século As hérnias As cirurgias As diarreias As frieiras As rugas As dores de coluna As azias Os anti-inflamatórios Reumatismo nas articulações da mão… E urge uma piada porque isto está à beira da depressão A Zinha dá uma das suas gargalhadas Já tardava E nem os temas Sócrates Maçonaria Soares Opus Dei Nos privam de entrar na avaria Eu digo que estamos todos melhor que o milho Mas ninguém concorda e recebo apupos que quase dão sarilho O Manuel declama o meu mais recente poema de amor As confissões de um enamorado… Mas lidas com a alma de quem lê uma lista de supermercado

O olhar dos amigos será sempre a casa onde nos sentamos para sorrir

Após a centrífuga acção do tempo, resistentes a tudo e à erosão do muito viver, permanecem fiéis e ao redor dos nossos dias aqueles que são especiais e indispensáveis: os amigos. São a nossa família eleita com base na mais pura genética do ser, um núcleo congregado pelos afectos e cumplicidades; laços por vezes bem mais verdadeiros e eficazes do que os derivados de qualquer outra inevitabilidade por herança de DNA. Mestres das palavras que nos fazem bem e nos constroem, dispensam-nas tantas vezes por nos saberem ler os olhares, os semblantes, as poses os gestos… Gente que está e a quem nunca necessitamos chamar… a gente que sorri instintivamente quando nos vê e sente sorrir… E chora connosco. Gente que é alento no caminho, antídoto de qualquer possível fraquejar, gente que nos rasga o desespero e faz sobressair o lado mais doce e solar. A gente do sim e do não, gente que não ajuíza mas sabe cuidar, uma espécie de zeladores da felicidade, companheiros instituídos pela alma

As flatulências e o Cozido à Portuguesa

Por vezes quando caminhamos pela simpatia e pelo afecto da gente das terras onde nascemos deparamo-nos com as excepções… Ontem durante o meu passeio matinal cumprimentei uma senhora que estava encostada à esquina de uma rua, e que com toda a desfaçatez me disse que eu ia muito mal vestido, sobretudo tendo em conta o meu estatuto. Fiquei sem saber que alto ou baixo estatuto esta senhora me reconhece, mas não fosse eu um homem com boa auto-estima e teria desde logo feito propósito de despir as minhas calças da Lewis, a camisola e o blusão da Gant, e até de descalçar os meus sapatos Camper, para envergar algo mais fantástico comprado por certo na mesma loja de chineses onde a criatura terá comprado aquela bata mal-amanhada que envergava e que lhe dava um ar de sopeira depois de esfregar a escada de três andares com sabão azul e branco. Mas consegui sorrir da situação e segui… Mais à frente outra criatura minha conhecida. Digo-lhe bom dia mas não responde. É um problema de afin

Porque nunca nenhum dia é suficientemente vazio…

O comboio acelerou pelas linhas que cruzam a maquete feita pelos Ricardos e baptizada ontem pelo João como a “Vila Barreiros”, com direito inclusive a uma toponímia muito especial e familiar, com a rua dele a ser um pouco mais comprida do que a do mano Luís ou a do primo Afonso. Não me recordo há quantos anos o comboio estava guardado no armário do escritório depois de me ter sido oferecido pelo Juan Blas; talvez quinze. Na vida e na nossa história, nunca nada é suficientemente velho para não poder um dia saltar do mais recôndito da memória e proporcionar-nos assim uma tarde com o melhor do Natal. E depois do resto da tarde a contabilizar presépios, a arrumar os papéis dos “desembrulhos” da noite, a não resistir a uma filhós ou uma azevia sempre que o trajecto passa pelo prato gigante onde moram, a responder a mais umas mensagens de Natal… o sono pelo prolongado serão de ontem encurta o de hoje e a cama transforma-se num apetecível refúgio para o frio de Dezembro no Alentejo. N

Estar feliz entre o melhor de mim

Talvez o Natal seja um pouco de tudo, mas seja sobretudo este caminho que nos traz de volta a casa por entre o frio e a geada de uma manhã de Dezembro. Jesus nasceu, é um Menino, e Ele será sempre esta rota traçada nos dias com destino ao melhor de nós. O sol brilha olhando-me de frente no meu rumo a leste, e reconheço todos os detalhes, as pedras, os muros que o tempo cravejou de musgo à medida que nos temperava de cãs e nos enchia a alma de gente, palavras e afecto, tantos benefícios que recebemos a partir desta força de nunca desistir de viver. Gente, palavras e afectos… amor, tudo aquilo que enobrece a nossa essência, perpétuo ser irmão dos choupos que vejo através do carro, que mesmo assim sem as folhas após o rigor do Outono, jamais desistem de indicar as linhas de água que percorrem a planície. Há amigos que chegam à tarde, partilhamos filhós, presentes, palavras, histórias e afectos… Rimo-nos muito. Há chocolate quente na mesa da consoada e sabe tão bem o calor do

NATAL DE 2014

O caminho de Belém Arquitectura de estrelas Vontade do céu É a rota para a casa de um pobre berço Que aquilo que é grande a Deus Bastas vezes merece dos Homens… O desdém E Maria que é mãe pela simples fé de um sim E José que é pobre e carpinteiro Guardam nas palhas O Menino Deus Homem que por ser Jesus É simples assim Mas é Rei para o mundo inteiro Nem com magos Poderosos Nobres ou doutores Neste presépio igual ao do ano primeiro Eu sigo feliz contigo pela rota dos pastores Dando corpo à mais simples verdade do ser E no canto a vozes que abafa o frio de Dezembro Os olhares As mãos Tudo em nós fala de amor É o Natal a acontecer E nem é preciso que se acenda o lume para sentir calor

É Natal mas o verdadeiro Cristo morre-nos aos pés

Acenderam-se as luzes sobre as avenidas da cidade como que multiplicando por milhões a estrela de Belém, ouve-se música de festa, fala-se despudoradamente de paz, amor e alegria, as mesas afogam-se nos aromas das mais ricas iguarias, há um pinheiro gigante iluminado junto ao rio… mas o Menino Jesus morre de frio enrolado em papelões no átrio de mármore de uma loja cara onde durante os dias limpam os pés os Reis Herodes na posse das coroas humanamente reconhecidas mas muito pouco religiosas dos seus milhões. Com a roupa de há tanto tempo, todo o dia vagueou triste pela cidade naquele andar por andar de quem nunca tem para onde ir; e a gente que nos templos beija Meninos Jesus de barro virou-lhe a cara e continuou o seu trajecto guardando para si o ouro, o incenso e a mirra… e deixando-o infinitamente mais triste no interior deste túmulo frio de onde é impossível sonhar com a ressurreição de um domingo de aleluias. As mãos lavadas na água benta do descartar dos políticos inconscien

Um até já solto de um beijo e o meu melhor Natal

Há silêncios onde moram infinitas palavras… Há momentos de estar só que são fonte de muitos beijos… Há ruas e cidades que condensam em si o mundo inteiro… Há campos vazios abandonados à chuva e ao sol de inverno, mas que transpiram já aromas das flores que lhes vestirá a primavera. Há o estar parado e a sentir que se voa… Há mãos vazias envoltas no eco de carícias… Há poentes com a esperança de um amanhecer… Há o nada que é tudo… O não que é sim… O raro que é especial… O normal que é anormal… Há o caso sério que é um entrudo… E o carnaval que por nos juntar e fazer rir… tem algo de Natal Há um simples chá partilhado que vale uma consoada… E há aquele perfeito momento em que depois de me teres dado o presente, e mesmo ali diante de toda a gente, me dizes que o futuro será nosso… Depois… Um até já solto de um beijo, um beijo só, que não se poderá comparar com absolutamente mais nada… E eu que canto pelo caminho. Este é por ti, o meu melhor Na

Por entre esta ilusão de primavera

Em cima da mesa adornada com um bolo-rei já partido, o café fumega e parece rimar com o sol que brilha intenso para lá da vidraça; o sol que aqui de casa por momentos me faz esquecer que é inverno e que há frio lá fora, neste que será um dos dias do ano em que o astro-rei partirá mais cedo para lá do horizonte. O sol esconde o inverno e o frio, como as palavras ao redor da mesa, o tom e a cor de festa do bolo de Natal, até as gargalhadas… escondem a saudade de não te ter aqui. Penso em ti por sobre tudo e por sobre os instantes passados com toda a gente. Não há nada mais fiel ao coração do que pensamento. E nós somos muito mais de quem carregamos na fidelidade da lembrança, do que tudo o mais que vemos e até conseguimos abraçar. O amor na intimidade mais íntima de nós mesmos. E envolto no pensamento, deixo órfãs as palavras, e coçando a barba faço passar os dedos na proximidade dos meus lábios. Há aromas teus que permanecem na minha pele… Sinto mais do que nunca as saud

O amor sente-se, muito mais do que se tacteia algures por entre a noite.

Às vezes procuro-te incessantemente tacteando entre os lençóis de saudade com que a tua ausência cobre as noites. E nunca te encontro entre os meus dedos. Depois respiro fundo, coloco o braço e a mão direita por debaixo da almofada, reclino o rosto apoiando-o sobre a face direita, e abraço-me sem reservas ao generoso silêncio que me oferece o tempo todo para pensar em ti. Relembro as histórias, revisito todas as palavras, sinto o teu cheiro, a força do teu abraço, o toque suave da tua pele, o mundo todo que espreita pelo teu olhar… e consigo até fazer renascer todos os detalhes dos beijos perfeitos que me dás. E acho que sorrio na escuridão do quarto por mérito deste vígil e consciente modo de sonhar… que o sonhar assim acordado é sempre bem mais fiel à nossa vontade. E tu és o centro de toda a minha vontade. Vejo-te claro na noite que afasta então todo o linho da saudade, e é fácil entender que só um grande amor consegue povoar assim o pensamento e o coração de um homem

Recusar envelhecer por entre “Nancy’s atómicas” e “Bolo-rei de Adão e Eva”

Desço a rampa em espiral do El Corte Ingles de Lisboa, sempre com a sensação de ter sido deglutido por um dinossauro, e não tarda o momento em que estarei munido da minha carta de compras para poder escolher presentes de Natal para as pessoas cujo nome consta numa lista que levo escrita num post-it e que vou riscando à medida que envio “material” para o piso -4, o sítio aonde mais tarde o irei recolher já embrulhado e identificado com o nome do destinatário. Por entre pisos e subindo e descendo escadas rolantes, apercebo-me que aquele “jogo” do Menino Jesus que chegava de manhã para nos deixar os presentes no presépio da casa de Vila Viçosa, não terminou para mim; e que a posição de fornecedor ou receptor é totalmente indiferente, tal qual a ordem dos factores numa operação matemática de multiplicação. Eu sei que os pisos estão cheios de espelhos que reflectem este meu ar de quase cinquenta anos, o que no contexto até ganha algum sentido extra pela aparência de Pai Natal; mas a

A fogueira acende-se no local de onde varremos as cinzas de outros fogos que o tempo apagou

A fogueira acende-se no local de onde varremos as cinzas de outros fogos que o tempo apagou. Varremo-las e deitámo-las ao vento, restando apenas quiçá algum pó que se nos cola à pele e aos lábios; pó e palavras ditas como pedaços de uma história que dá lugar agora ao brilho incandescente que acendemos sobre a madeira que a floresta na sua generosidade criou para nós. E com o fôlego do muito querer, sopramos intensamente sobre o lume até ao momento em que as chamas sobem no ar e colhem de nós a sombra de um beijo que projectam ao longe na parede que é branca por bênção da mais pura cal. E tu dispensas o calor da fogueira e pedes às minhas mãos que aqueçam as tuas quando o último vestígio de pó se me solta dos lábios pela insistência nos beijos e no pronunciar sussurrado da palavra amor. A fogueira que não se apaga e que crepita noite fora embalando-nos no sono que cobrimos com um abraço. Depois… Tu aproximas-te de mim que te espero sentado numa das mesas do Nicola. É Dezem

E às vezes é Dezembro!

Degustamos sonhos “amassados” pelas nossas próprias mãos sob a bênção de ancestrais receitas herdadas da nossa história; sonhos doces polvilhados de açúcar… Colocamos luzes, desenhamos caminhos, contamos histórias, ousamos falar de esperança… sobre o musgo acumulado pelo tempo ao longo de tantos dias em que não vimos o sol… Escrevemos listas para não esquecer ninguém dos que amamos. Todos têm de estar sempre presentes… Perdemos o pudor e as reservas todas para à vontade falarmos de amor, mandarmos beijos, abraços… Até conseguimos dizer e escrever: “eu gosto muito de ti”… Não poupamos nas palavras; as doces e as de revolta perante a injustiça da dor de alguém… Não intrometemos a nossa sábia racionalidade entre as crianças e a magia e a poesia que se soltam delas… Não nos rendemos às coisas banais que sustentam as desculpas para adiarmos por mais algum tempo aquele jantar, um encontro; às vezes só uma conversa à volta de um café… E vamos seja onde for, fazemos quilómetros

A chuva e um homem que sorri

Talvez poucos entendam porque é que um homem sozinho sentado aqui a escrever em frente a uma janela a que a chuva matou o horizonte e de onde apenas se avistam as árvores despidas rendidas ao inevitável inverno, se sinta o homem mais feliz do universo. O silêncio foi sendo rasgado pela Sinfonia número dois de Mahler. E bastaria Mahler… Mas a riqueza de um homem será sempre aquilo que ele sente, muito mais do que qualquer detalhe que dele se vislumbre ou possa contar; e hoje eu tenho em mim, por ti e para ti, um amor capaz de esmagar todos os silêncios e solidões do mundo. Quando ontem vi o sol despontar por sobre a planície fazendo brilhar a geada que de alvo manto revestira o campo, quando entrei na minha velha escola para contar às dezenas de netos dos meus amigos de sempre, que a poesia é a vida inteira… talvez eu já desconfiasse que a noite me traria o teu abraço, e que por Lisboa e entregue ao cuidado do teu olhar perfeito, eu cumprisse o sonho maior de amor que carrego

Pesadelos e afins

O Dr. Mário Soares afirmou recentemente que o país está de cócoras, e eu tenho de concordar com ele pois fiz exactamente a mesma avaliação quando o vi recentemente à porta da prisão de Évora a pedir aos jornalistas que levassem recados a um juiz. Esperava mais do ícone da nossa democracia. Mais tarde ouvi o Dr. António Costa afirmar que o país necessita de uma cambalhota, o que geralmente até exige previamente um posicionar de cócoras; e pensei à partida que o exercício gímnico para a comparação não era o mais feliz, pois no final de uma cambalhota estamos exactamente na mesma posição de antes, só que um pouco mais à frente. Mas quando o Dr. António Costa, que até já convidou o Dr. Ferro Rodrigues para líder parlamentar, sugeriu ao Dr. Jorge Sampaio para se candidatar à presidência, entendi o recurso à “cambalhota”. É mesmo para dar uma volta e ficar tudo na mesma. Depois do Dr. Sampaio ter demorado um mês a pensar para dar posse a um governo liderado pelo Dr. Santana Lopes,

Depois, cheguei a casa e coloquei palavras na poesia que tinha bebido de ti

Os dias são como os Homens e não se medem aos palmos; e por isso, porquê temer que desde aqui e até ao solstício de inverno, lá para o próximo dia 21, o tempo de sol seja cada vez menor. Para além do facto das noites serem afinal pedaços de dia em que não vemos o sol mas temos a lua e as estrelas, a vida ganha-se tantas vezes num breve instante, com independência de brilhar ou não o sol no firmamento; que bem mais importante para isso são os detalhes de luz que insistimos em não apagar em nós. Ainda esta semana irei ter à minha frente um grupo de alunos do ensino básico para quem irei falar de poesia. Sobre o que é a poesia. A missão não se me afigura fácil e por isso tenho pensado insistentemente no assunto. Durante o fim-de-semana em Vila Viçosa fiz inclusive trabalho de campo com o meu sobrinho João, e os dois sentados à braseira tentámos construir uma história que tivesse em si a própria poesia. Propôs ele que o argumento se poderia centrar numas crianças que ensinari

Há dias que são intersecções de sonhos com a vida

O meu sobrinho Luís decidiu que as figuras do presépio estavam muito dispersas e resolveu agrupá-las todas na cabana, ao redor do Menino Jesus, afirmando: - “Estão todos numa festa” E as estradas, as veredas e o ribeiro ficaram disponíveis para os passeios dos seus carrinhos. Com os restos dos fatos que costurou durante muitos anos, a minha mãe teceu uma colcha que pendurou à janela para saudar a imagem da Senhora da Conceição que passou em procissão. E a colcha que tem milhares de cores e tons acabou por ser um sucesso. Na missa da tarde na igreja de Nossa Senhora estive ao lado do meu pai e na fila da comunhão cumprimentei com dois beijos a minha amiga Zézinha. O ano de 2014 não foi fácil para ambos mas termina com sorrisos. Os sorrisos mais apetitosos são estes que nascem das dores. E hoje, quarta-feira dia 9, faz nove meses que um abraço começou a fazer de mim o homem mais feliz e amado do universo. Numa improvável tarde de uma primavera molhada. Há dias que são inter

Ave-Maria, Senhora do nosso tempo

Ave-Maria... Senhora da esperança Senhora do alento dos perseguidos, dos explorados, dos sem tecto, dos sem trabalho, dos sem pão... Senhora do pranto Senhora do caminho dos emigrantes, dos refugiados… Senhora da coerência e mãe da força do ser dos discriminados Senhora das dores Senhora do alívio dos doentes Senhora das madrugadas, das horas, dos poentes Senhora mãe dos poetas, dos músicos, dos pintores Senhora das graças Mãe da liberdade Senhora da voz, do grito, do sim, do não, da verdade… Senhora do querer Senhora da paz Mãe companheira dos heróis Senhora do ser Senhora da palavra Senhora do amor, dos amores, das paixões Senhora dos abraços Senhora do mar, da Terra Senhora de todos os passos, das certezas, das veredas, de todos os trilhos Senhora do alcance, do fado, do destino… Perdoa os hipócritas que sob o teu manto se revestem da vã importância e dos falsos brilhos E roga por nós... Somos todos teus filhos

Passei hoje à rua onde nasci...

Passei hoje à rua onde eu nasci. Parece muito mais pequena do que então e até foi estranho explicar ao meu sobrinho João que era alta, a janela do primeiro andar onde morávamos; é demasiado baixa. A dimensão das coisas está na forma como nós as vemos, quer sejam ruas, janelas ou quaisquer outros detalhes da nossa história. E se o tempo fez encolher a minha rua, para sempre persistirá o eco das pessoas que nela me fizeram feliz. Lembro-me de todas elas, e as portas nunca terão números, em vez deles têm nomes de amigos; os nomes que permitem usufruir sempre de uma história quando por ali passo. O João escutou com muita atenção quando lhe contei que na esquina entre a casa da vizinha Jerónima e a garagem da família Monte havia um recanto que era o paraíso para quem queria ganhar sempre que jogávamos às escondidas. Tinha saudades quando cheguei ao cimo da rua e entrámos na Praça. O dia está frio mas o sol faz brilhar intensamente as laranjas que enfeitam a Praça.

Eu troco…

Não existirá noite em que eu não queira trocar a vista de todas as cidades do universo pelo teu olhar; se há em ti muito mais de céu e se é de ti que me alimento. E troco a lua pelas palavras com que me envolves, nesses instantes em que a alma me confidencia que chegou ao sonho, e não há letras no universo inteiro que possam reunir-se para dar verdade à poesia que se solta em mim. E troco a magia toda que tu tens pela das luzes coloridas que o Natal semeou pela cidade. E troco a brisa pelo teu cheiro. A rota de todas as ruas pelo caminhar contigo mão na mão. E troco a vida toda pelo teu abraço; porque há nele muito mais vida do que aquela que existe e sempre existiu em mim. Tu e eu somos muito mais do que apenas dois, somos um amor perfeito… sou eu no mais feliz que alguma vez me consegui imaginar. E pelo meio desta troca que me faz ser eu, se algum escravo da racionalidade um dia disser que eu sou um louco que anda a escrever poemas pelo mundo; eu não me importo. Lá

Detalhes da minha infância já com estatuto de museu

Em casa da Tia Maria e do Tio João existia um oratório de madeira com portas de vidro tapadas por umas cortinas, onde para além de outras pequenas imagens de santos existia um Menino Jesus assente numa pienha e com um coração na mão direita; e também um crucifixo quase do mesmo tamanho do oratório. Sempre que eu ia àquela casa na Rua de Santa Luzia, pedia para me abrirem a porta e poder espreitar o Menino Jesus, que só abandonava a pienha e o oratório para passar algum tempo deitado nas palhinhas durante o período em que o presépio estava montado. A insistência deste pedido para espreitar o Menino levou a Tia Maria a dizer que um dia ele seria meu. E foi. O meu irmão que entretanto tinha nascido solicitou justiça e com toda a legitimidade lembrou: - Se o Menino Jesus é do Quim, eu quero o Cristo na cruz. Mas foi mais longe: - E como o Cristo é maior do que o Menino Jesus, eu levo também a “casinha”. E também se cumpriu o desejo na sus vertente dupla. Um detalhe impo

Pelo amor, claro.

A noite de Lisboa acendeu a ponte e o Natal já espalhou milhares de outras luzes na expressão de um tempo de negócio, muito mais do que de boa vontade. A cidade faz-se inteiramente minha ao redor da meia-noite, e apenas um eléctrico que passa em direcção ao seu repouso em Santo Amaro, me retira o privilégio de uma rua rasgada só para mim. O rio está ali bem perto e sinto-o na face, no fresco que o meu passo acelerado ainda atrai com mais veemência. Há noites como hoje em que brotam ilhas de afecto no mar de indiferença e solidão da cidade, e levo comigo nesta viagem até ao carro, a esperança colhida do rosto feliz de quem vive à margem e para quem um prato de carne com massa é infinitamente mais Natal do que uma luz semeada pela Junta de Freguesia. A esperança na alma que suplanta hoje em mim e definitivamente qualquer dor nos pés ou o cansaço nas pernas. O que são as minhas dores e os meus cansaços de uma só noite quando comparados com os da gente que os sente em todas as