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A mostrar mensagens de abril, 2012

Cravos, vida e liberdade

Em casa da Tia Maria e do Tio João, em Vila Viçosa na Rua de Santa Luzia, um dos meus refúgios preferidos na infância, convivi desde sempre com um casal de irmãos, que não sendo da família por nascimento, o eram por afecto. A Tia Maria, algures pelos anos vinte e trinta do último século, tinha trabalhado em casa dos seus pais e tinha sido a ama que os criara desde o primeiro dia de vida, tendo por eles um indiscutível e indisfarçável querer de mãe. Há fotos da minha mãe ainda criança ao colo deles na manifestação de um afecto que depois transitou para mim e para o meu irmão de forma muito natural. Crescemos com a sua presença, brincámos com eles e anos mais tarde, já adultos, dava-nos um inegável prazer, conversar e partilhar a vida nas descobertas e em tudo o que ela tem de bom e de menos bom. Toda esta relação se manteve mesmo após a partida dos meus tios. O Sr. João Velez partiu também há alguns anos, em finais de Junho, e um enfarte fulminante eliminou quaisquer hipóteses de um

A pátria das alcunhas

De entre as marcas que nos distinguem a todos os que nascemos além Tejo, na minha pátria, há uma que nos está colada de forma muito relevante: a complementaridade com que brindamos os nomes civis tendo sempre por base as características e a história de cada um. As alcunhas são de facto uma verdadeira instituição. Damos-lhe uso relativamente aos lugares sobrepondo-as a todos os nomes que existam nas placas toponímicas. Por exemplo, em Vila Viçosa se perguntarem onde fica a Rua António Matos Costa, toda a gente terá dificuldade em responder, mas se perguntarem pela Rua das Escadinhas, toda a gente saberá onde fica. São uma e a mesma coisa. Mas utilizamos as alcunhas sobretudo em relação às pessoas e aqui a sua origem poderá ter por base uma característica física, um hábito ou um tique, uma profissão, etc. Por exemplo, se o indivíduo apresentar mãos ou cabeça grande, pés ou pernas tortas, por certo será brindado com um “apelido” extra que lhe saliente esse facto: “Manuel das mãos

Os frutos e as flores

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Em Vila Viçosa, sempre que a missa das 11.30 horas em S. Bartolomeu chega ao fim, é a amizade forte e de muitos anos que nos convoca para a pretexto de uma bica, nos juntarmos e em pouco mais de meia hora, matarmos saudades, e na conversa e na partilha reforçarmos os laços que nos unem desde os primeiros anos de vida, e sem os quais não sabemos e não queremos jamais viver. Ontem foi como sempre, assim. Descemos a Praça e resolvemos trair o habitual Café Restauração, assentando arraiais numa pequena pastelaria que fica junto ao Posto de Turismo, a qual literalmente ocupámos, pois também se juntam os pais, os filhos, os sobrinhos, etc, todos aqueles que de alguma forma estão ligados a nós. E nós somos o melhor grupo de amigos de que há memória no universo. Mais perto ou mais longe, estamos todos a preparar-nos para a passagem da primeira para a segunda metade de século das nossas vidas. Ontem foi a Lurdes Duarte que pagou os cafés pois no último 15 de Abril fez glamourosamente

Mudar de vida

Portugal do fado, triste destino… Com a crise se adjectivam os nossos dias de 2012, num cerco negativo frequentemente cíclico que insiste em colar-se à nossa história com a aparência de uma inevitabilidade carregada no código genético da pátria. Trinta e oito anos depois da madrugada dos cravos, o que fizemos da democracia? Aportuguesámo-la e demos-lhe uma história igual à de qualquer Português. Na primeira década de vida vivemos a emoção do começo. Descobrimos o mundo com os primeiros passos, as primeiras palavras na diferença oferecida pela liberdade. Carregámo-nos de esperança, cantámos a diversidade, confrontámo-nos sem medos ou rodeios e fizemos festa porque nada seria igual a partir daí. Resistimos às quedas e às feridas como Camarate e partimos para a segunda década… Antes de chegar aos vinte anos apaixonámo-nos pela Europa e por este “amor” deixámos de estudar e de trabalhar, assumindo que nesse casamento estava a solução para uma vida regrada e de prazer. Nunca quisemos

Salta-me a tampa

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Deparei-me com o aviso que aqui apresento, junto ao autoclismo na parede por cima da sanita da casa de banho de um café em Monsaraz. Já sabia que estamos sempre a aprender mas finalmente e ao fim de 45 anos de vida, alguém me prova que não fora pela consideração para com as damas, e nós homens poderíamos utilizar uma sanita sem lhe levantar a tampa. Utilizar para quê? Para nos sentarmos a descansar? OK, eu sei. Má vontade da minha parte. Quando falam de tampa estão a referir-se à protecção do rebordo da sanita. Mas nesse caso e assumindo que a falta de consideração se exprime por gotículas de urina amarela a salpicar o anel de plástico branco, porquê presumir que os homens que frequentam aquele café têm uma elevada probabilidade de serem “porcos” ou então de terem tamanhos problemas de próstata que lhes impeçam um jacto firme e direccionado para o centro da sanita? Não é lá muito simpático. Para além disso, onde cabe aqui a tradicional solidariedade masculina? Dado que o agradec

Reais bacias entornadas

Em tempos de crise grossa por cá e também do outro lado da fronteira, o rei de nuestros hermanos, resolveu ir caçar elefantes para o Botswana com o patrocínio, por certo um alto patrocínio, de um magnata hispano-saudita. Viveríamos por certo na ignorância deste facto se por acaso o rei não tivesse fracturado a bacia, pondo a nu uma manifesta falta de solidariedade para com os seus concidadãos, lá como cá a serem espremidos financeiramente até ao caroço. Perante a indignação geral, hoje ao sair do hospital, o rei afirmou: - “Sinto muito. Errei e não voltará a acontecer.” Fica-nos a dúvida se o erro a que se refere tem que ver com o facto de ter ido ou então com o acidente em si, o qual por certo implicou uma sobrecarga nas despesas nos Serviços de Saúde, porque esta nunca será uma bacia qualquer. Já muitas vezes aqui partilhei convosco o meu republicanismo convicto e a minha antipatia por este estatuto de poder eterno dado a famílias e pessoas. Ler e comprar histórias de príncipes

Papoilas na cave

Uma carta da Liga Portuguesa contra o Cancro convocou-as na quinta-feira santa para um encontro hoje de manhã na sede da instituição ali para os lados de Sete Rios. Na sequência de um rastreio ao cancro da mama que tinham realizado num posto móvel nas suas terras, o qual acabou por motivar algumas suspeitas, ali estavam sentadas três mulheres, todas na casa dos sessenta anos, oriundas do triângulo alentejano de Borba, Vila Viçosa e São Romão. Com cada uma delas, um filho com uma idade algures na década dos quarenta. Eu era um deles. Na cave demasiado apertada onde mais ninguém caberia, a marcada pronúncia cedo nos denunciou a todos e nos fez comprovar que todos estávamos certos quando aos primeiros olhares trocados, dissemos para nós próprios: - Conheço esta cara! Começámos a falar, partilhámos percursos, histórias das nossas vidas tão próximas e entrecruzadas, deixámo-nos mergulhar na infinitude das cumplicidades e quando nos demos conta já tínhamos derrubado as paredes daquela s

Uma traição imperdoável

Uma segunda-feira de Páscoa com muito sol e eu a trabalhar, é algo contra a natureza de um alentejano e é claramente uma imperdoável traição a mim próprio, alentejano convicto e orgulhosamente assumido. E não venham agora os não alentejanos com aquela piada fácil acerca do nosso apurado sentido do descanso, focando-se apenas na parte do “não trabalhar”. Já há muito que deveriam saber que ao contrário das anedotas que insistem em fazer-nos partilhar com as louras e os preguiçosos, somos um exemplo do muito e bem trabalhar, muitas vezes em condições de grande adversidade. A questão está mesma na segunda-feira de Páscoa, para todos nós, o verdadeiro dia da Festa da Páscoa. Após a Semana Santa, com mais ou menos jejum e abstinência consoante a fé e o cumprimento dos preceitos religiosos a que cada um se dedica, este é o dia de partir para o campo com o farnel bem recheado, para que à sombra de uma boa árvore ou à beira de um riacho, mas sempre acompanhados pelos aromas inigualáveis que

Quando a opinião faz doer

O jornalista João Gobern foi dispensado da colaboração que vinha mantendo com a RTP N pelo facto de no último sábado, quando se encontrava em directo num programa deste canal de televisão, ter sido “apanhado” a exteriorizar a sua alegria pela marcação do segundo golo do Benfica no jogo contra o Braga. Há muito que leio e ouço João Gobern. Actualmente, acompanho diariamente as suas crónicas na Antena 1 alguns minutos antes do noticiário das oito da manhã. Não é por certo pelo facto de gostarmos do mesmo clube que desde sempre o admirei muito. Impressiona-me a lucidez na análise das questões que aborda e a coragem e a frontalidade com que assume as suas opiniões. Neste contexto da verdade de si, para quem como eu há muito segue o seu trabalho, não é surpresa que o Benfica lhe está no coração, sempre o afirmou de forma directa ou indirecta. Não me espanta por isso a sua dispensa da RTP pois pelo seu carácter, ele está definitivamente desenquadrado da mediania que é marca deste canal, e

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E de repente Vila Viçosa invadiu os noticiários das televisões: Ante-estreia do filme Florbela, Feira Medieval, Homenagem a Zeca Afonso... Em três dias consecutivos, três amigos de três diferentes latitudes geográficas do nosso território nacional e de três diferentes territórios dos meus afectos, colocam-me a mesma questão: - Mas afinal onde fica Vila Viçosa? Ao primeiro respondi pacientemente mas com alguma surpresa, ao segundo respondi com um pouco de enfado mas intrigado pela coincidência, e para com o terceiro soltei uma total irritação enraizada no meu “Calipolensismo” militante. Como é possível que exista um Português, e pior ainda, três Portugueses que não saibam onde fica Vila Viçosa? Como é possível viver-se com a nacionalidade Portuguesa sem conhecer e sem nunca ter ido a Vila Viçosa? Para que não haja um quarto amigo a colocar-me a mesma questão e porque a minha agressividade está num incontrolável crescendo e a um passo de fazer vítimas, numa atitude inteiramente pro