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A mostrar mensagens de novembro, 2015

O Céu não é aquilo que se espreita…

Gosto muito destas manhãs que vestem o céu do tom dos morangos maduros. Manhãs frias de um tempo que já se despoja generosamente de Novembro para que amanhã seja Natal. Advento... Dizem os Homens que acreditam que vai nascer um Menino que tem tudo de Deus, e para que Ele não estranhe é preciso preparar o mundo com o mais possível de Céu. Na festa desta espera enfeitaram as ruas com tectos coloridos, como se as estrelas tivessem descido até aqui, e à porta das casas libertaram o som da música sofisticada que se pensa ser o canto dos anjos nas esquinas do paraíso. Ilusão… O Céu não é o que se espreita, às vezes vermelho da cor de fruta madura, é aquilo que se sente, e até Deus que foi Menino há mais de dois mil anos, já não é preciso voltar a nascer porque já vive por cá, desde sempre, no coração de toda a gente.

Ao amor, gostamos de dar a forma de anjos que cuidam de nós enquanto desenhamos os dias

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O amor maior do universo é este ser perfeito inacessível às palavras que o teu olhar denuncia tomando da alma segredos e intensidade. Somos cúmplices tal qual Maio e as flores, o sol e a madrugada... E eu sento-me menino no abrigo que a tua serenidade oferece sentindo que cada instante é um beijo enfeitado com aromas do campo e com a destemida bravura das papoilas rasgando o horizonte. É desta casa que peço ao tempo que jamais desista de nós e se revista de eternidade para que eu nasça e renasça tantas vezes, todos os dias, e tome de ti a essência que me faz ser eu. Ao amor, gostamos de dar a forma de anjos que cuidam de nós enquanto desenhamos os dias. E o amor não se canta, beija-se… Como nós quando rodopiamos e brincamos a dançar pela casa no abraço que é uma espiral de infinito. Tu és definitivamente o lado melhor de mim. Mãe, parabéns pelo 73º aniversário

Rasgámos o previsível com uma avenida a que legitimamente chamamos de liberdade

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Rasgámos o previsível com uma avenida a que legitimamente chamamos de liberdade. Pintámos cada segundo com as cores que a alma nos pediu, como casas alinhadas ornando o chão a que oferecemos os nossos passos. E por nos amarmos tanto, construímos um banco de madeira que colocámos à sombra de todas as estações. Até poderemos estar momentaneamente longe... Mas sabemos que este lugar onde nos sentamos sempre num abraço que não cessa e por onde eu vagueio à procura das palavras certas, é a nossa casa. E um dia saberei dizer o quanto gosto de ti.

A vida que cabe num abraço

Eu caminho contigo no lado correcto da rua, aquele que a liberdade nos sugere por entre a música solta do melhor sabor que têm os dias. E neste passeio de pedras brancas e negras entrelaçadas para muito mais do que apenas a sorte ou um xeque-mate, nós sabemos que é a vida que nos espera na esquina que mira o Tejo, onde os muros pintados de ocre ou rosa se deixam rasgar felizes pela poesia das buganvílias em delírio de primavera. A vida que cabe num abraço, espaço exíguo para quem o vê, espaço infinito para quem o desenha e sente por dentro. Como nós, assim, sobrepondo-nos à melhor sorte e ao ritmo doce dos dias de caminharmos juntos.

Há gestos que vagueiam órfãos pelas ruas imensas e íngremes das cidades...

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Há gestos que vagueiam órfãos pelas ruas imensas e íngremes das cidades procurando outros gestos iguais para irem juntos rasgar os silêncios tristes, aqueles que ardem e pedem a Deus a bênção sublime de um beijo. Não me recordo já de quantas cidades e ruas tinha eu de idade quando os meus gestos se entrelaçaram nos teus cumprindo o prenúncio que existe e que tomamos da luz suave e lenta de cada amanhecer. Não importa a idade, importa apenas que o nosso silêncio morreu, e que até as fontes do Rossio jorraram palavras de amor sobre os cravos que por ali passavam em direcção ao rio em coro de liberdade. E eu nasci nesse dia… No teu beijo.   

Quem escreve poemas de amor não dá muito dinheiro a ganhar às floristas…

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Quem escreve poemas de amor não dá muito dinheiro a ganhar às floristas… E há segredos que os poetas guardam sobre os sítios onde montam o seu Olimpo muito particular, e onde convivem com todos os Deuses maiores que os inspiram no desenhar dos seus versos. Terei vários, mas hoje partilho convosco um dos mais especiais… Quem está no Camões e se encosta à grade verde que dá para a Rua das Flores, tem à sua frente o poeta de “Os Lusíadas” e atrás de si as Tágides do rio e a janela da Genoveva dos escritos de Eça. Olhando à direita conseguimos ver o Pessoa e o Chiado, e não será difícil imaginar que saindo da Travessa dos Teatros chegarão à Brasileira para um café, Sophia e Alçada Baptista, após uma reunião no Centro Nacional de Cultura. Esperando por ti, que melhor mote poderia eu ter? Depois tu chegas, e não tendo rosas, há palavras carregadas com a cor e o aroma de todas as flores que se soltam de entre o nosso abraço.

Boa sorte. Por todos nós.

Regras são regras e as da democracia representativa são muito claras: “governa” quem tem mais votos e mais deputados. É o caso da esquerda no Parlamento de Portugal neste exacto momento. Por ironia e exactamente quarenta anos depois do 24 de Novembro de 1975, a esquerda mais à esquerda entendeu-se finalmente e voltou ao poder. Com fairplay democrático, esse sentimento que não fala de sapos engolidos ou de antiácidos e inibidores da bomba de protões para combater qualquer acidez gástrica, felicito-os e cá estou para ajudar quem lidera o meu país, porque Portugal e os Portugueses serão sempre tudo o que mais conta no meio de todas estas “guerras” de militâncias e “fés”. Ao trabalho, então. Todos juntos. Mas para quem tem estado por aqui a votar, a trabalhar, enfim… a viver, não se esqueçam que temos quarenta anos de críticas vossas, de sugestões, de palavras de ordem, de gritos, de ímpetos de revoluções… e tenho de confessar que é com muito interesse e grande expectativa que ag

O Outono assa castanhas na Rua Augusta

O Outono assa castanhas na Rua Augusta, e o fruto descascado e fumegante, ainda aceso pelo rigor da lenha, é um beijo que te ofereço de mão para mão; um beijo doce mas com um intensíssimo sabor a sal. Pensará mais tarde a chuva já fria de quase Dezembro, que é por mérito seu que nos abrigarmos, que caminhamos os dois num forte abraço… Puro engano. Estivesse ela atenta às palavras que trocámos sob o tecto informal das nuvens e do voo das gaivotas, e saberia que esta forma de andar assim, é uma casa que desenhámos cumprindo os preceitos da nossa vontade; uma casa grande, cómoda e com mil janelas com vista para o mar e um jardim, uma casa cuja fachada tem o tom de muitos versos e as salas são aquecidas por lareiras de um imenso amor. Nós, uma casa de onde às vezes saímos mas apenas por brevíssimos segundos, e para nada mais do que comprar castanhas. No Outono.    

Talvez tão só no mar que espreita à minha janela de Outono enquanto se espreguiça a madrugada

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A liberdade será sempre muito mais que uma Lady de bronze na ilha a duas braçadas de Manhattan; tem os aromas da savana no voo picado de Redford e Street, a beleza de Tadzio nas praias do Lido na Veneza de Mann e Visconti, o grito de "captain" no clube dos poetas, vivos ou mortos; tem o rodopiar da jovem bailarina entre o pó e a farinha no armazém de uma padaria de Chicago. Era uma vez... na América, em África, em qualquer lado. A liberdade. Minha, tal qual a certeza de que aprendi a beijar com Mastroianni nas águas da Dolce Vita, na Fontana de Trevi. E tomei na vida o toque de dança de um Cabaret nas cercanias da Unter der Linder, a gargalhada de Amadeus, a insolência das palavras de Maura ou outra "Chica   Almodovar", o eco das palmas do West End… A liberdade. Eu e tu como Adriano e Antinoo nas memórias de Yourcenar ou num muito Queirosiano abraço que veste Lisboa ao fim da tarde. A liberdade… Talvez tão só no mar que espreita à minha janela

Entre aquilo que fui e o que sou há uma rua estreita iluminada por um velho candeeiro… dei-lhe o teu nome

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Entre aquilo que fui e o que sou há uma rua muito estreita iluminada por um velho candeeiro. Uma viela de Lisboa a que ofereci o teu nome. E as janelas da casa aonde eu vivo são altas e ao jeito de tomar pelo olhar o céu; que muito pouco importa a ruína que ficou do outro lado do tempo... e da rua. Nas noites escuras, quando a lua se esconde por timidez atrás do Castelo e desata e liberta todas as sombras, eu peço ao candeeiro que te acenda o caminho e te acaricie os passos para chegues depressa ao nosso abraço, sem o desperdício de um segundo que seja. Depois deixamo-nos adormecer por entre as palavras que o sono vai entornando sobre a noite. E jamais conseguirei dizer quantas vezes nos chamamos "meu amor".

Os poetas apenas repousam por instantes nos abraços porque o seu destino é caminhar...

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Tomo da noite os melhores presságios, e entre a brisa e o luar, eu não duvido, abraça-me a melhor sorte, um bom destino: o mar, quiçá todo o universo. E nessa estrada onde os quilómetros são o próprio tempo, os impulsos e as minhas vontades; eu leio a parábola escrita nos meus passos, e o universo sou eu numa história de liberdade. Atrás da casa onde pernoitamos julgando ter chegado, a madrugada revela quase sempre um novo troço que nos pede que caminhemos pelo dia fora sentindo o esplendor ocre e azul das flores do campo. Porque será sempre primavera. Os poetas apenas repousam por instantes nos abraços porque o seu destino é caminhar. Para onde? Pouco importa. Seguimos a rota que o sol destapa em cada dia cumprindo o presságio de luz que a noite tem inscrita no luar.

É a festa de beijar quem a alma nos diz...

A pele de alguém decalcada sobre a nossa criaria um monstro pelo caos e o desencontro das coordenadas de todos os detalhes da face e do corpo... Os nossos poros esmagados não sentiriam o ar das madrugadas por detrás de uma Burka, com motivações sociais, mais do que religiosas, de alguém que se condenaria a ser sombra matando as suas cores e a sua identidade. Mata-se o ser. É ridículo quem se disfarça fora dos dias de Carnaval; é hipócrita quem se esconde atrás dos biombos, dos outros e das paredes; é uma fraude quem tem vergonha de si e instala fronteiras entre o ser... e o parecer. E é sempre triste. No outro dia durante uma tertúlia alguém me perguntou o que é para mim ser feliz, e porque é que eu me sinto e escrevo tantas vezes que estou feliz. Pergunta difícil? Não. Nem sequer é incómoda. Afinal de contas ser  feliz é apenas deixarmo-nos acontecer no conforto de não ter  segundas peles e não ter fronteiras. É a festa de beijar quem a alma nos diz.

Há homens que escrevem poemas de amor durante as viagens de avião

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Nada é mais fiel e mais íntimo que o pensamento, e por isso não estranho que sejas tu quem mais de perto me acompanha de Roma a Lisboa voando num céu de Outono liberto de quaisquer nuvens. Se há amores de mão cheia, o nosso encheu-me o corpo inteiro… de um não sei quê de céu e de palavras. Muito próximo de mim há uma mulher que vê um filme Chinês no seu iPad, um Padre espreguiça-se enquanto lê algo em Italiano, a minha colega estuda um pouco... e dirão eles que um homem de barba grisalha e que pediu um sumo de tomate temperado para acompanhar o jantar, não larga o iPhone e escreve durante grande parte da viagem. Há homens que escrevem poemas de amor durante as viagens de avião. É aquele não sei quê de céu. Versos... Letras decalcadas sobre os pensamentos, como buganvílias a enfeitarem os recantos de todos os instantes.

É pelo amor que se faz e conta a nossa História

Compus um poema que fala de ti, e que depois desenhei no mármore de um arco triunfal erigido sobre o chão calcado pela persistência dos meus passos. Que mais poderá ser a pátria de um Homem para lá da terra que os seus pés entregues aos dias abençoam de liberdade? O destino assumido, uma linha nossa e informal ladeada por pedras que a primavera torna vulneráveis às papoilas. E um arco triunfal... festa de um definitivo amor por sobre as estátuas de sal que ruíram espalhando-se pelo dias, abrindo esquinas no nosso tempo. Do lado sul, um artista ensaia o canto pedindo as notas a uma velha lira que as oferece de cor. Há uma multidão em movimento lento entre o Teatro Marcelo, o Capitólio, e também o Fórum e o Coliseu. Recomeçaram há pouco a contar o tempo... E é dia de festa. A eterna Roma, que é quase tão eterna quanto tu és em mim, brilhará pelos séculos nos arcos das vitórias e dos seus amores. É pelo amor que se faz e conta a nossa História.

E parece que ninguém se predispõe a aprender com a lua...

A onda de choque dos ataques terroristas de Paris preenche a Praça de São Pedro, em Roma, com um aparato policial imenso que contrasta em tudo com a paz da luz do entardecer. No interior da Basílica cheira a incenso, soa o canto gregoriano de uma celebração junto ao altar mor, há gente ajoelhada nas capelas dos santos da sua devoção... Sente-se a paz. Mas para chegarmos aqui tivemos todos de passar a segurança muito apertada, e por estes dias muito atenta. O pórtico da segurança antes do pórtico da Glória e... pesquisa-se a guerra à porta das "casas de Deus" onde mora e onde nós vamos buscar a paz. À saída, os nossos passos adornam lentamente as calçadas de  milénios e sobre as nossas cabeças os pinheiros brincam com o vento; o sol já se pôs definitivamente, deu lugar à lua de Roma que é igual à de Lisboa, à do mundo inteiro... e que hoje sorri. A mesma lua e um só Deus... Um homem oferece Terços a um Euro e "Selfie sticks" a dez. E o segundo

Lisboa não é uma cidade, és tu.

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Lisboa não é uma cidade, és tu. As ruas são os teus braços que me envolvem por entre a magia do entardecer. O Carmo são as tuas mãos cobertas de cravos num gesto de liberdade, a tua voz solta-se no canto de Pessoa, o teu sorriso é a lua que enfeita o Rossio de uma doce claridade, e a tua alma, uma imensa alma, corre fiel buscando o mar e o Bugio num Tejo que nunca se cansa. E às vezes quando não estás há um silêncio a que chamam saudade, e a brisa chora num cantar triste baptizado com o nome de Amália e o apelido de fado. Nas ruas desertas, braços caídos sem gesto e sem rota... E eu que busco incessante o teu abraço.

No cais...

Trouxemos a lenha nos braços já cansados pelo tempo e o tanto do caminho, e quando descemos para o rio, acendemos uma fogueira ateada pelo muito que nos queremos. Um abraço. Conheço bem e de cor todos os recantos e segredos deste modo entrelaçado de estar, identifico todos os aromas, sei onde reclinar a cabeça, entregar o olhar, e sei bem onde beber as palavras que desenharei depois sobre uma simples folha de papel em branco. Para ti. Para te ler mais tarde quando as gaivotas já tiverem partido na companhia do pôr-do-sol, e o céu for um muito íntimo instante só entre nós, Lisboa e a lua. No cais, onde crepitam palavras de um lume infinitamente aceso.

Notre cœur est la liberté

Hoje peço às minhas palavras que sejam flores, e que como ousada tinta nas mãos dos pintores, desçam perfumando a colina de Monmartre até ao Boulevard de Clichy , onde o Moulin Rouge as esperará para um baile daqueles que parecem não ter fim. Quero que voem pelos céus de Paris, que se apaixonem na Ile de Saint Louis , que sintam o vento da Concórdia a La Defense , que saboreiem um beijo nas margens do Sena ali pelas bandas do Cais D' Orsay olhando o Louvre . Hoje peço às minhas palavras que tomem das ruas e das praças, da gente, da arte, da música... a liberdade, que lhe façam uma jura e jamais se demitam de a cantar pelas esquinas todas que o tempo nos der. Nós somos tudo aquilo em que acreditamos, e por isso, muito mais que um corpo que serra os punhos e que os ergue ao céu, nós somos uma alma grande tecida de liberdade. A alma de onde as palavras e o querer não cessam. Calem-nos pois os punhos acendidos, deitem os nossos corpos sobre as calçadas de milénios, esmag

“The streets of Philadelphia”

A ida a Coimbra afinal não se concretiza e fico com mais tempo para tomar uma água com gás, sentado num café, no Porto, antes de regressar directamente a Lisboa. A sessão de quimioterapia ficou adiada para amanhã porque ele se esqueceu de tomar um comprimido que a deveria preparar. Na aparelhagem do café toca “The streets of Philadelphia” de Bruce Springsteen, e nós encontramo-nos; amigos de há muito que há muito não se viam. Sentamo-nos neste acaso com a água e um “pingo”, e são as palavras que nos levam a rodopiar ao som da improvável “La mamma morta” na voz de Callas. Como Tom Hanks dançamos com as palavras que se fazem o soro e o antídoto que corre na esperança de que tudo passe. Depois um abraço e uma dedicatória no livro “Nós” que eu tinha na mala do carro. A poesia das flores da capa na foto captada pelo Ângelo acrescentam imediatamente vida a este instante. As ruas de Philadelphia às vezes são as ruas do Porto; e não é preciso esperar para um dia treze para ter so

Ao céu acede-se sempre por escadas...

Ao céu acede-se sempre por escadas, porque o Homem não tem asas e o céu é definitivamente uma casa de Homens… mas de Homens felizes e “embriagados” de liberdade. E mesmo que os degraus pareçam não existir, entretidos que estaremos na ansiedade da subida, eles estarão sempre algures, muito possivelmente entre balsedos, as poeiras e as pedras soltas que o tempo “semeou” pelo caminho. Eu acabo por descobrir os degraus na orla doce e suave dos teus beijos, e concluo que o céu é afinal um primeiro andar que existe imediatamente acima do sítio aonde eu vivo… E onde tenho um sofá forrado de tecido azul e colocado ao lado de uma caixa cheia de palavras.    

Porque razão haveria eu de resistir a falar da Esquerda e da Direita?

Quarenta anos são um brevíssimo instante na História de um povo, embora pareça muito tempo por ser na melhor das hipóteses metade das nossas vidas. Assim, no período entre 1975 e 2015, apesar das "marquises" ideológicas construídas sobre o fosso com "blocos centrais" mais ou menos acimentados, a verdade é que definitivamente o mundo se divide em Esquerda e Direita. E nem importam as causas, o rótulo é indiferente a elas e é fiel ao arquétipo da militância ou simpatia partidária. De pouco me valendo ser apoiante da adopção por casais do mesmo sexo, ter votado sim nos referendos sobre a IVG, ser indefectível defensor do Serviço Nacional de Saúde (só para referir algumas causas), lá estou eu sentado na parcela Direita do Portugal do Século XXI. E vejo as diferenças: - Para a Esquerda o mundo divide-se entre nós, o "Povo de Esquerda", e os "Donos do Mundo". Para a Direita é o "somos nós" e a "Gentalha"; - A

O São Martinho… como todos os dias

Tem muito de sol, o vinho que se espreguiça nas taças enquanto elas tilitam no beijo que os nossos olhares enfeitam de liberdade e festa. Vinho novo… Como a força que te traz até aqui em cada amanhecer. À nossa… Vida e saúde assim trajando a luz que o cacho tomou do estio nas encostas íngremes rasgadas pelos degraus que descem do céu e até ao rio. Lá ao fundo, no canto da lareira que acendemos há muito, as castanhas crepitam chamando por nós. E não tardamos… A pele assim tostada sai de um só toque algures na passagem entre as mãos que a arrefecem, o fumo apago-o com um beijo vestido de sopro; o mesmo beijo que recebes depois na tua mão dando-me de caminho a bênção do toque na tua pele. E entre os olhares e as mãos que se desejam, à boleia do vinho e das castanhas, o S. Martinho é um beijo imenso que eu te dou. Como todos os dias…      

A essência das rosas é eterna

A rosa seca, privada da cor e sem perfume, que um dia guardámos num canto da sala, continua a ser a rosa que ateia as memórias dos instantes em que alguém declinou nas flores a expressão de um sentimento que nos fez maiores. O amor-perfeito marca pelos anos todos, a página com o parágrafo que não queremos esquecer de um livro que para nós será eterno. Guardamos o som e a música dos momentos, as linhas perfeitas dos rostos em fotos que contrariam e suplantam o tempo... Descobrimos em nós os gestos, as palavras e o sentir que alguém "pediu" que lhe guardássemos enquanto brincávamos entre as papoilas nas tardes de ouro do verão das searas. O amor cala sempre qualquer partida e oferece eternidade. A minha avó Francisca nasceu faz hoje precisamente 100 anos. Partiu em 1981 num dia quente de verão. Uma rosa…

Que mais poderá ser o Homem para lá da sua fé?

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Que mais poderá ser o Homem para lá da sua fé? Um castelo prolongou a terra conquistando o mar, inconformado com o espaço que o tempo lhe deu; braço de pedra e alvenaria, estendido, e levando consigo os seus sonhos oceano adentro. Há os gritos insolentes das gaivotas, a névoa densa do sol imprevisto de Novembro temperado de sal, tolhem-se as palavras por entre os olhares perdidos no horizonte claro que surpreendeu o domingo. O homem das castanhas diz que vende o calor às dúzias e o cauteleiro apregoa a sorte… mas quem estará disposto a comprar por aquilo tudo que já tem? Eu sou o mar na constância de um gosto a sal, sou um castelo estendendo os meus sonhos e definindo um espaço, sou um verão acendido pelo sol mesmo nas tardes breves de Novembro. E não sou nada mais para lá desta fé que me define o ser.   

O universo é uma estrada que cabe num sábado de manhã

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Há um despudorado azul sobre as laranjas de Vila Viçosa que amadurecem à boleia do verão de Novembro. Um sábado e eu rumo a norte... As oliveiras estão acesas, a vinha já repousa em tom de Outono, um homem toca um acordeão à porta de uma tasca, o rapaz faz piruetas com uma velha bicicleta... Uma mulher sacode lençóis à janela, no sítio de onde vê passar o tempo; e há rosas floridas numa rua de Galveias. O Senhor das Almas tem altar entre os preserverantes sobreiros que lhe oferecem e muito informal cúpula nada barroca e com muito de céu. O Tejo, Abrantes... no Spotify escuto Fausto... "Por este rio acima". Passaram quatro horas e cruzo a Arrábida para entrar no Porto. Entre a Ribeira e a Foz, hoje escolho o Atlântico. E o céu do verão de Novembro... Portugal é uma perpétua coerência de céu azul por sobre as diferenças que queiram inventar. E entre o que se vê, o que se pensa e o que se deseja, fico com a sensação de que o universo é uma estrada que ca

Há beijos que destapam as palavras...

Há beijos que destapam as palavras, os versos que afloram à face visível do que há de mais perfeito nos sentidos. E aquilo que se vê e lê de um poeta, é pois o riso que extravasa da alma e se escapa do controlo apertado e eficaz da discrição e da razão, no instante em que o desejo se cumpre. Palavras de amor... Detalhes de beijos docemente inquietos mas muito pouco daquilo que de verdade se sente. Ando eu pois pelos teus beijos ganhando o universo que se solta em mim, e tão poucas e pobres palavras vou deixando que falem de nós, daquilo que sinto. Até ao dia em que as manhãs romperem velhos destinos e a discrição, os cravos de todas as cores enfeitarem as ruas perfumando a liberdade, e eu cale as fronteiras da razão entre mim e a alma... No instante perfeito do teu beijo.

Quem quer aprender a voar e não tem um avião constrói um papagaio de papel...

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Quem quer aprender a voar e não tem um avião constrói um papagaio de papel com canas cruzadas, cores garridas, uma cauda longa e solta, e lança-o depois num campo aberto para que as árvores não atrapalhem nunca a sua ousadia. Quem quer sentir o mar e não o tem por perto sabe que o encontra no canto mais secreto e recôndito de um búzio. Quem não sente a música nos seus dias compõe-na inspirado pelos gestos e pelas palavras que não desmentem a alma. Quem quer pão planta trigo ou outro qualquer cereal, e aproveita o vento no alto de uma serra para mover a mó de um moinho. Quem quer crescer aprende rapidamente que as pedras grandes que se lhe atravessam ao caminho são excelentes e informais degraus que acrescentam “altura”... à vida. Suicida-se quem não cumpre a fidelidade a si mesmo na festa de ser autêntico. A fraqueza não mora na derrota, tem domicílio no acto de desistir. O meu pai faz hoje 75 anos. Ensinou-me tudo isto.

Os dias aparentemente tristes

Pode parecer argumento de anúncio (“ I can see clear now …”), mas uma caneca de café de cevada acabado de fazer é o melhor antídoto para as manhãs de chuva intensa, aquelas em que o vento que empurra a água contra a vidraça parece de caminho empurrar-nos a nós para o recato do edredão, um movimento contrariado eficazmente pelo relógio despertador. Depois do duche coloco Amina Alaoui na aparelhagem, um apelo aos sons do sul e do mediterrâneo… Um arco-íris precisa-se, e um quase desespero a chamar pelo sol. Mas nada, a transparência da janela que habitualmente me dá o mar morreu às mãos das nuvens densas e acinzentadas, e hoje benefício de um espelho gigante que me reflecte assim com um ar meio ensonado. O mar, se o persigo, só o encontro hoje dentro de mim no tom azul da festa de navegar contigo. E eu guardo em mim todos os mares. Bebo mais um gole de café, Amina continua pelo canto em tom de pranto que nós sabemos que o não é, são desabafos da alma para os generosos hor

Tu gostas muito que a noite e o sono te tragam sonhos bons?

- Tu gostas muito que a noite e o sono te tragam sonhos bons? - Sim. - Eu também. E gosto tanto que às vezes durante o dia reservo momentos para sonhar tudo aquilo que mais gosto... e vou tirando apontamentos num caderno. Por acharmos que sabemos tudo, há perguntas que nunca ousamos fazer a nós mesmos, até ao dia em que uma criança nos questiona por entre a enorme vantagem de ser genuíno e não ter filtros. Foi há pouco tempo numa sessão em Aljustrel que a pergunta surgiu: - Porque é que as pessoas escrevem livros? Os demais não sei, mas eu respondi da forma que partilhei acima. E não o disse na altura, mas aproveito para revelar agora que o poema que publico todos os dias e muito cedo na minha página, são as palavras que entre beijos e em tom de segredo, dou a quem não estando, está sempre ao pé de mim, sendo o primeiro instante do meu despertar.

O teu olhar ergue esquinas no chão dos domingos...

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O teu olhar ergue esquinas no chão dos domingos, vértices de praças muito largas que desenhas só para mim, sombras generosas que me abrigam e onde me sento a tecer palavras semelhantes a flores de papel de todas as cores. Num banco de pedra escavado como quem desce em direcção ao rio… Palavras debruadas com o mel dos sentidos, que voam de mim para o mundo imitando as gaivotas que não se cansam nunca de beijar as fontes que fizeste borbotar por sobre as calçadas de pedra a preto e branco. Às vezes solta-se uma imortal canção do Fausto, desfilam memórias de tempos antigos, citamos Herman Hesse, escolhemos uma camisola para o inverno; uma Bola de Berlim em tamanho gigante reduz o chá de cidreira a um discreto e saudável pretexto. E damos um beijo, em segredo, sem fazer qualquer alarde. O teu olhar ergue esquinas que são vértices da minha casa perfeita: o domingo à tarde. 

Não há duas sem três, insiste a monótona previsibilidade, mas a ousadia faz intuir a melhor sorte e eu acredito: à terceira será de vez

Peço a Molière a pressa no sinal, e às três pancadas, que de improviso, viver sabe sempre melhor, faço subir o pano revelando o cenário que desenhei em tantas luas. Não há duas sem três, insiste a monótona previsibilidade, mas a ousadia faz intuir a melhor sorte e eu acredito: à terceira será de vez. O teu respirar perfuma o palco onde as mãos que me ofereces me dão o mundo e também as deixas para infinitas palavras de amor. As luzes sobem de tom como querendo pintar a sala com a luz do sol. Há instantes em que sentimos que a vida nos bate palmas. Somos definitivamente estrelas e foi hoje... À terceira? Pouco importa, que a vida tem sempre um dia seguinte. O argumento? Apenas nos deixámos ir por onde quiseram seguir as nossas mãos… no palco que sonhámos.

Rasgámos a terra…

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Rasgámos a terra rogando-lhe a pedra que preservará a memória dos nomes em letras desenhadas pelo cinzel... E os nossos passos dolentes e enfeitados por sinais da cruz e Padres-nossos, exibem uma rota informal pela história que carregamos, nós entre os santos de tantos dias. Que os santos não são produzidos por decreto, tal como os anjos nunca têm asas. Os sinos repicam, os crisântemos são brancos da cor da paz que se antecipa do céu, e as lágrimas de saudade são detalhes nossos em estado líquido que escondemos do mundo disfarçando-os nas Ave Marias rezadas aos pés da Senhora da Conceição. Vila Viçosa, o Castelo, uma tarde de nevoeiro e chuva, Florbela Espanca, os ciprestes, uma amiga que me fala de Virgílio Ferreira e da Aparição, tanta gente... Um passeio entre os meus mortos? Não. Um passeio entre quem nunca deixarei morrer sob a terra rasgada que tomou com ela as mãos dessa gente que nos encheu de carícias.