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A mostrar mensagens de agosto, 2017

Novena...

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De cada vez que cortamos uma flor, mesmo com o intuito de a levar até à igreja, nós apeamos Deus do Seu altar. Por isso, é aqui, no campo bravo que o sol queima de Agosto, muito mais do que em qualquer outro lugar, que o nosso riso descalço de prudência, faz ecoar a prece das novenas, no canto feliz de acreditar. Nós sabemos, Senhor, Deus das Flores e das Fontes, que as massas estranhas que nos rasgam o corpo jamais irão além da superfície e nos atingirão a anatomia da alma, a essência doce apenas acessível ao amor. A vida é como o vento e nós somos feitos da essência do trigo, que persiste no pão. O mesmo vento que um dia beijou e brincou com as espigas nas tardes de primavera soprará mais tarde, fazendo rolar a mó no cimo de uma serra qualquer. Sim, Deus da Água, do Pão, Casa da Eternidade… mas nós gostamos tanto do nosso abraço. Eu sei que nos entendes por entre este medo que ele, o abraço, se desmanche na componente que as árvores podem espreitar e cobrir com a sua

O amor enleia-se no fio branco das rendas

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A primavera de 1981 foi o período em que a minha mãe produziu mais peças de crochet. Apanhava a automotora pela uma da tarde na estação de Vila Viçosa, apeando-se duas horas depois na Comenda, já muito próximo de Évora. Regressava a casa no autocarro das dezassete, numa viagem de cerca de uma hora. Todos os 27 dias contados a partir de  19 de Março , aquele em que fui submetido a uma cirurgia na sequência de uma apendicite que acabou em peritonite. Pelo menos, três horas de crochet por dia, porque existia ainda o tempo das esperas. O verão de 2017 segue quente no Minho, e eu agradeço a brisa fresca do percurso até à fonte do Gerês. A primeira toma de água é às sete e meia, e eu vou sozinho com dois copos na mão, que o meu dorme sempre por lá na prateleira da direita, no número 41. Depois, mais duas tomas de água, o gelo e os ultrassons no joelho da mãe, o jornal, os livros, a bica, a conversa, a raspadinha com mais ou menos sorte, a escrita, um ou outro e-mail ... Juro-vos q

As férias despenteiam o tempo…

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As férias despenteiam, definitivamente, o tempo, possibilitando que, por debaixo da habitual cortina da franja e da rigidez formal da risca ao lado e da marrafa, reencontremos partes de nós que andavam perdidas. Suspendemos a pressa e a norma, como quem dispensa o pente ou a escova, encerrando-os numa gaveta, e com a cúmplice informalidade do “vento”, revolvemos as memórias, afinando a nossa história pela verdade; tomamos o fresco da manhã nas margens das ribeiras que nos servem de espelho, reabrindo e reentrando nos espaços esquecidos que laqueámos por amor e primavera, mas que acabámos por descurar e abandonar ao pó e às agruras húmidas de um inverno mais ou menos tortuoso. Quem ama "aluga" muitas salas dessa casa imensa que traz ao peito, espaços que regressarão um dia à sua posse, sabe Deus em que estado de conservação... e ânimo. Nas férias, descalçamo-nos e beijamos a terra com os pés soltos, saboreando sem reservas e a cada passo, o doce prazer da liberdade.

As árvores são irmãs dos Homens…

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O lenhador, de barba cerrada e o suor a dar-lhe um brilho húmido ao peito e aos braços, recolhe o último pedaço da árvore que acabou de cortar. A raiz abandonada fica imersa no barro vermelho que o vento vai pulverizando, aos poucos, encosta abaixo, até ao rio, enquanto os troncos repousam finalmente em forma de mesa no recanto mais nobre de um salão qualquer. As árvores são irmãs dos Homens, e só respiram e vivem quando unidos à sua raiz, sentindo a brisa nas folhas e nos troncos, sem disfarces, sem plaina e sem verniz. No teatro, quando as luzes do teatro se apagam por inspiração de Molière, e a cortina se abre ao som da música, quantas peças ficam suspensas por um par de horas, nas plateias, enquanto os atores oferecem no palco, o corpo à arte. Há gente que mora à boca de cena, mas do lado de cá, da suposta verdade, debitando as deixas que criou para si, personagens sonolentas, sem interesse e sem verdade, "mesas" e "cómodas" representações, de tron