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A mostrar mensagens de janeiro, 2014

Estes dias perfeitos que alinham a vida com os sonhos

No velho Jardim Escola então à Rua dos Fidalgos, a Irmã Celeste ensinou-me as vogais ao mesmo tempo que me iniciou na arte e no prazer de tratar das flores e de muitas outras plantas, “colhendo” da terra os aromas através das diferentes ervas que plantávamos no pequeno canteiro. No meu primeiro dia de aulas, 7 de Outubro de 1972, a Professora Eugénia Evaristo, minha professora apenas durante uma semana, ensinou-me que a letra “i” se assemelha a um foguete que sobe no ar, deixa um rasto de fumo no céu, e volta a descer novamente à terra. O Professor Lima Martins, meu mestre durante todos os anos da Instrução Primária, tinha uma caixa grande de lata que continha dezenas de gravuras com paisagens, pessoas, animais, etc. De vez em quando retirava uma que pendurava no quadro convidando-nos a inventar e a escrever uma história com base naquilo que a gravura mostrava. A D. Joana Ruivo tinha uma livraria que eu transformei na minha segunda casa. Das prateleiras que forravam as paredes e

O verdadeiro artista

Na nossa festa de Natal de 1983, o Manuel vestiu-se de Filipa Vasconcelos, a Vacondeus ao estilo “O Tal Canal”, e apresentou a receita das panquecas que levavam Paprika e que eram feitas com uma massa que só estava em condições quando se colava à parede. Eu, o Zé Maria e o Paulo Quinteiro fizemos de “Jaquina, Jaquina, Jaquina”, sendo eu a Jaquina Assalariada Rural, o Zé Maria, a Jaquina Doméstica, e o Paulo a Jaquiná loura que apresentava modelos numa passerelle improvisada no Salão do Lar Juvenil e onde o tema era as árvores de Natal. Há uns três anos tínhamos descoberto o Tony Silva e a sua “Música Ró” enquanto assistíamos nas tardes de domingo ao “Passeio dos Alegres”, o programa que nos trazia as bandas do Rock Português com as cantigas que depois faziam sucesso durante a semana: Chiclete, Portugal na CEE, Rua do Carmo, Patchouli, Cavalos de Corrida… Em 1990, trabalhava eu na Farmácia Universal em Lisboa, e tínhamos de estar de bata vestida e prontos pelas 8.50 horas, dez mi

ANA CRISTINA

Sempre que saiamos do nosso velho liceu à Porta dos Nós, traçávamos uma diagonal no Terreiro do Paço em direcção à Rua dos Fidalgos e parávamos algures nesta linha traçada pelos nossos passos, para contemplar uma senhora nogueira, árvore sem idade, que com altivez suplantava o muro branco caiado que unia o Paço Ducal ao Convento da Chagas, marcando a diferença numa praça onde impera a altivez algo mórbida dos ciprestes. Era a nossa árvore, e por ela e pelas suas folhas presentes ou ausentes, saboreávamos todas as estações do ano, colhendo tantas vezes desse benefício único do pôr-do-sol, com os últimos raios a despedirem-se de nós por entre os seus ramos. Quem nos visse um dia a falar para a nogueira seria até capaz de nos chamar loucos, desconhecendo que quem como nós cresce assim na companhia e na cumplicidade das árvores, aprende a não cair nunca, nem sequer quando morre. E se cair significa negarmo-nos a nós próprios e matarmos os impulsos que são impostos pela vontade mais

Existirão dias que sepultam as palavras de amor?

Há sempre um dia em que o poeta desce do onírico estado da sua paixão e, nem que por segundos apenas e devolvendo-se à sua banal condição de Homem, descobre por uma racional lucidez, que as palavras que teceu a partir da alma e às quais ofereceu um intenso aroma de flores, jazem no despejo, na sarjeta da indiferença do destinatário do seu amor. Até pode chorar então o poeta, despudorada criatura que travões não sabe assumidamente colocar sobre todos os gritos e sobre a dor que o seu ser lhe impõe. E no regresso inevitável à sua natureza de crónico sonhador, quantas vezes o poeta recicla o “lixo” que encontrou no hiato em que foi apenas Homem, e solta novas palavras, novos poemas, tão-só por acreditar que a dor de ontem jamais existiu e é assim uma banal mentira. É a recaída crónica do poeta, patético e ridículo na inveterada miopia racional de vislumbrar que a sua fé assenta no delírio de confundir, ver e sentir incenso, naquilo que é afinal o pérfido e asqueroso aroma do real e

Os divórcios inevitáveis

Há momentos na vida em que a existência de uma Maya cartomante dentro de nós, com ou sem lipo-aspiração e outros quaisquer tratamentos estéticos no sentido de aumentar e dar nova forma aos seios; mas com a garantia de uma eficácia de 100% nas previsões, nos daria um jeitão para nos poupar a alguns dissabores na hora de escolher um marido ou uma mulher, melões e melancias, mangas, Presidentes da República, Primeiros-Ministros, Presidentes de Câmara, etc; e até poder dar-nos algum desafogo económico, por exemplo na hora de escolher uma raspadinha ou preencher o boletim do Euromilhões. Às vezes aproximamo-nos dessa condição de prever o futuro. Uma amiga confessou-me que ao chegar à igreja vestida de noiva e de braço dado com o pai, já com todos os convidados dentro da igreja para assistir ao seu casamento, no instante em que lhe escancaram as portas do guarda-vento e viu ao longe a talha do altar-mor pensou de si para si: - Bolas, tens feito muitas asneiras mas hoje acho que exager

O deserto e a tarde pela cidade

Que deserto maior poderá existir do que a errância de um homem solitário que descrente abandona os passos à mercê do desconhecido e dessa baixíssima probabilidade de acerto com o destino e a vontade impostas pela sua alma desassossegada. E o oásis que nunca chega na sorte que alinha a vida com este sonho tão nosso que a alma sempre encerra, e é inerente à condição de estar vivo e ser pessoa… Há pombos que esvoaçam em bando rasgando a maresia, essa fresca brisa que empurra a gente para o interior aquecido do café onde o tilintar das chávenas e o ruído das vozes patrocinam uma estranha e desacertada sinfonia. O balcão corrido é a companhia disponível para os solitários, os que não irão jamais temperar de palavras o quente sabor da bica, os que ficam ainda mais tristes no instante em que se voltam para a parede, viram costas à algaraviada das mesas onde borbulha o calor dos afectos, e ficam expostos e à mercê da antipática mulher desprovida de sorrisos que mais parece uma impessoal

A humildade segundo Francisco

Uma das pessoas mais conflituosas do meu círculo de relações pessoais afirma ser santa, dando como prova da sua santidade, a incompreensão de que é vítima por parte de todos os que a rodeamos, ela, o único e real epicentro da razão e da verdade. Descolei hoje este “cromo” da minha caderneta de relíquias porque me parece não ser um caso isolado no contexto actual das “Olimpíadas da Humildade” que foram informalmente abertas na Igreja Católica depois do Papa Francisco se ter sentado na cadeira de São Pedro, estando continuamente a fazer-nos o apelo a nós católicos, para que pela humildade nos aproximemos Daquele que por ter sido O mais humilde, foi O maior de todos: Jesus Cristo. E toda a gente de repente virou “supé humilde e amiga dos pobezinhos, tá a ver?” numa competição que promove desde logo o homicídio da humildade, pois se eu afirmo que sou mais humilde do que tu, já não estou a sê-lo. A vaidade é o puro veneno da humildade. Há alguns dias, um padre meu amigo de há muito

Vodka, baldas e… praxes académicas

Jamais esquecerei os anos que entre 1984 e 1989 passei na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Para além de toda a formação de qualidade que aí recebi e que me “moldou” como profissional, tive o privilégio de conhecer colegas com quem partilhei muitíssimas horas de muito para lá do estudo, criar cumplicidades num tempo em que a liberdade em Portugal ainda era uma adolescente, e fazer com eles a descoberta de um mundo que se preparava para deixar cair muros e relançar a esperança. Muitos de nós estávamos deslocados, a viver numa cidade muito maior do que as nossas terras do interior onde permaneciam os nossos pais, e fomos criando uma nova família à volta das mesas das cantinas universitárias onde sempre almoçávamos e jantávamos aquela bendita solha frita. Brincávamos muito, tivemos direito a uma aula falsa no primeiro dia na faculdade, queimámos o “grelo” e benzemos as fitas, mas sempre a cantar e a fazer festa. E foi suficiente. Chamo hoje até aqui estas memória

CONCEIÇÃO

Modernos e sempre muito à frente do nosso tempo, passámos grande parte das férias do Natal de 1981 a ensaiar uma dramatização do poema de Jorge de Sena “Natal de 1971” (“Natal de quê? De quem?”). Com os timings definidos para a música e para o texto de cujos versos distribuímos por todos, definitivamente a parte pior foi a gravação das nossas vozes. Foram tardes inteiras passadas ao redor das aparelhagens existentes nas salas de toda a gente, e havia sempre alguém que não dava a entoação certa, que tossia, que dava uma entoação apatetada que nos fazia rir, alguém que se esquecia de entrar no tempo exacto… E acabávamos sempre a rir, a fazer grandes lanches e a programar nova sessão para o dia seguinte. Mas um dia conseguimos terminar a “banda sonora” e a encenação que fizemos para os nossos pais e amigos na Igreja das Chagas resultou num rotundo sucesso. Tu entravas ao som de uma música muito alegre, vestida de palhaço e a brincar com uma caixa enorme que simulava um presente.

Essa tão “descartável” leveza do ter… e do ser

Uma amiga que se apercebe pela manhã que uma malha das meias fugiu para lá de Marte, vai de seguida à loja dos Chineses, e há sempre uma loja Chinesa em qualquer esquina; comprar outras semelhantes e, de imediato, deita estas para o balde do lixo. Há alguns anos até poderia ir comprar outras para usar no momento (dificilmente a uma loja Chinesa) mas guardaria estas para levar mais tarde a uma daquelas senhoras que com muita paciência e um pequeníssimo aparelho iluminado por um candeeiro, se dedicavam a apanhar malhas de meias. O conceito de descartável talvez seja um dos ícones do nosso tempo, umas vezes com mais justificação pela necessidade do que outras, e daí que uma semana sem recolha de lixo ponha os passeios intransitáveis, tal a quantidade de desperdícios que cada ser “cospe” para o planeta no seu dia-a-dia. E quem fala de meias de senhora pode falar de uma infinidade de outras coisas… Antes íamos ao pão com uma bolsa de pano que era lavada periodicamente e poupávamos

Olá, muito bom dia!

Sou definitivamente um “rapaz” do campo. Não levo a afirmação ao extremo do Herman José há alguns anos na versão Yvete Marize quando afirmava ser uma rapariga campestre porque no campo se tinha feito moça e porque tinha perdido a sua inocência num monte de feno após uma intervenção do primo Adérito entretanto emigrado para a Alemanha… Mas sim, sou do campo, sobretudo no que diz respeito a não me negar a saudar qualquer outra criatura que num determinado momento se cruze comigo num espaço muito específico, por exemplo no elevador do prédio onde todos somos vizinhos. Sei que exagero pois este não é definitivamente um comportamento exclusivo do “campo”, embora nós no espaço rural nunca nos neguemos a cumprimentar mesmo um desconhecido que seja; esta é acima de tudo uma questão básica de educação, e obviamente que nos meios urbanos há infinitas pessoas educadas que aplicam com esmero todas as regras de uma refinada e boa educação. O que é certo é que ultimamente, e sem que eu tenh

Domingo

Gosto destas manhãs que dispensam o relógio e que nos deixam o despertar apenas à mercê do sol que de uma forma mais despudorada, ou então tímida, quando se esconde por detrás das nuvens, sempre nos dispensa uns raios de luz que penetram pelas frestas maiores ou menores das nossas janelas… Tenho dificuldade em resistir ao “chamamento” do sol pela manhã. Hoje, não tenho quaisquer outros compromissos, senão apenas este saborear de todos os minutos de um domingo, talvez em toda a semana, o dia por excelência e o maior fornecedor de “momentos gourmet ”. E por mais domingos que passem e mais locais que visite, o meu domingo terá sempre aquele cheiro de Alentejo quando ao chegar à cozinha para o pequeno-almoço com o “brinhol” que a mãe comprou cedo no mercado à nossa prima Hermenegilda, quando regressava da missa da Misericórdia, as carnes já cozem ao lume para que mais tarde ao almoço e com a bênção de um ramo de hortelã junto aos pedaços de pão se possam fazer umas apetitosas “Sopas

A imbecilidade das “Jotas” no país que pede pão

Foi num dos dias desta semana e aconteceu quando fui fazer umas compras ao supermercado onde vou habitualmente. Um homem alto e magro aproximou-se de uma senhora que arrumava as suas compras no porta-bagagem a pedir-lhe algo. À distância de uma dezena de metros, só depois de ela lhe ter dado um pão que ele começou imediatamente a comer de uma forma sôfrega, me pude aperceber da natureza do pedido. Este é apenas um episódio mas quem circula pela cidade e não se olha apenas ao espelho usando os vidros das montras mais caras de uma face que é apenas da riqueza de muito poucos, tem a possibilidade de ir coleccionando momentos destes que lhe comprovam a agonia real do país. E a agonia do país é tanto maior quanto quem o lidera está mais preocupado, imagine-se, em acertar as contas com o proprietário de um restaurante que serve repastos de leitão, ou então a gastar milhões de Euros para fazer um referendo onde se questionam os óbvios direitos de igualdade que segundo a Constituição da

O faz de conta e a extorsão dos méritos alheios

Conta-se que há alguns anos, e tantos que eu nunca presenciei tal situação; sempre que um toureiro muito famoso nascido na minha terra actuava na “nossa” Praça de Touros e era alvo de grandes ovações por parte do público pelo seu triunfo, o pai deste se levantava ao mesmo tempo nas bancadas e gritava em alto e bom som para os conterrâneos e forasteiros então ali presentes: - Eu é que sou o pai do artista! Por favor não se riam da criatura pois comportamentos iguais andam por aí aos bandos. Pela segunda vez, e para meu contentamento muito particular pela justiça do reconhecimento, o Cristiano Ronaldo foi considerado o melhor jogador de futebol do mundo no ano de 2013, e não há quem nesta terra não se levante e não se ponha aos gritos a colar-se ao sucesso da criatura aproveitando para alimentar as suas “vaidadezinhas” muito particulares. Ainda não perdi a esperança de espreitar na televisão a entrevista a uma empregada de padaria no Funchal que afirme que o sucesso do Ronaldo s

Há noites que deveriam ser eternas

Por mais que se esforce, jamais a chuva conseguirá apagar o brilho incomparável que Janeiro sempre oferece ao luar. Sentimo-la cair e palpamos o seu desespero pela inevitável derrota, constatando o ritmo irregular com que bate na vidraça: lento e a parecer algo hesitante, depois rápido e muito intenso… e por momentos desaparecendo como que rendida e a pretender desistir desta tão inglória luta. A nossa mesa é junto à janela acossada pela água, a janela que permanecerá imperturbável durante toda a noite e através da qual o luar nos revela o descanso de todos os barcos, grandes e pequenos, os heróis que unem as margens do rio, os “passos” seguros do Homem no milagre de caminhar sobre todas as águas, que não só as do rio, já que o mar está logo ali um pouco mais à frente. Em cima da mesa onde uma vela arde na vulnerabilidade da chama abandonada e totalmente à mercê do vento soprado pelas nossas vozes à conversa, há palavras: as ditas, as dos gestos e as dos incansáveis olhares; mui

As “cataratas emocionais” numa tarde Alentejana

Ao regressar ontem a casa em Vila Viçosa após cirurgia às cataratas nos dois olhos, o meu pai admirou as paredes da nossa cozinha e resolveu elogiar o ar branco e imaculado das ditas que são caiadas religiosamente todos os anos pela minha mãe, reconhecendo que ao contrário do que julgou durante anos, as mesmas não apresentam quaisquer manchas escuras de aspecto desagradável. Sem ser oficialmente nomeado tive de intervir automaticamente como juiz na gestão de um conflito doméstico desagradável e de alto risco pois a minha mãe não achou graça nenhuma ao comentário e ao facto do meu pai supor que lá por casa se vivia com as paredes manchadas e a clamar pela cal que nunca chegava. E ele sempre a jurar que antes via as malditas manchas escuras em todas as paredes da cozinha. Numa versão campestre e Alentejana, num fim de tarde de Janeiro do Século XXI, eu vi-me assim no interior de uma edição revista e aumentada da Alegoria da Caverna escrita na Grécia Antiga por Platão em “A Repúbli

MADALENA

Algures num dia de Dezembro de 1981, e é impossível recordar-me exactamente de qual, estávamos nós a passar uma tarde no Convento das Chagas no contexto do nosso grupo Sementes de Esperança com o saudoso Padre Armando Tavares, e o Senhor Arcebispo de Évora, D. Maurílio de Gouveia, que tinha chagado à diocese uns dias antes, precisamente a 8 de Dezembro, e estava de visita a Vila Viçosa, passou por lá para nos cumprimentar. Tu envergavas uma camisola vermelha com a estampa de um burro e a frase “Olá mano!”, e tentaste esconder-te atrás de nós para evitar que Sua Excelência Reverendíssima pudesse ler e ofender-se com semelhante “cumprimento”. E o que nos rimos todos, e tu própria, à conta desta aflição… Fui buscar este episódio passado num espaço que foi nosso por eleição, e quem hoje frequenta a selecta Pousada de D. João IV desconhece que um dia existiu um grupo de amigos que por ali foi tão feliz; porque ele ilustra exactamente tudo o que sempre soubeste criar à tua volta e que