“Para trás, ancião” e... viva o Ano Novo

Se eu entrei com garra no novo ano de 2014, ao meu lado em plena Plaza Mayor de Salamanca, uma Senhora Castelhana entrou com muito mais vontade do que eu, porque se é suposto ter na mão doze bagos de uva para pedir a concretização de um desejo por cada uma das badaladas da meia-noite, ela com um cartuxo que teria cerca de um quilo de uvas manifestava uma fé inabalável, muito maior do que a minha que verdadeiramente não acredito nesses processos de sorte e azar, e entreguei ambas as mãos ao calor dos bolsos do sobretudo, o que foi uma real e objectiva sorte, tal o frio que então fazia por ali.
Mas a fé expressa-se mais pela atitude com que se enfrenta o primeiro amanhecer do ano do que no excessivamente passivo peso de uvas com que se passa a meia-noite…
E debaixo de nevoeiro e chuva, cedo e com muita energia regressei a casa com ganas de pôr tudo em ordem para um efectivo e activo regresso ao trabalho depois de uma semana de férias em que ofereci a mim próprio um regime de “Dormir, Comer, Mimos da Mamã… e não querer saber de mais nada”.
Entre papéis, roupas, vincar das calças, engraxar dos sapatos, acerto do relógio despertador, re-decoração da casa para inclusão dos presentes recebidos, nem sequer faltou a preparação de um macro jantar de ano novo com umas almôndegas recheadas que estavam um “estalo” e que acabaram por funcionar como um verdadeiro anti-depressivo na hora em que Sua Excelência me entrou pelo televisor à hora em que me refastelava para as ingerir por entre os goles de um bom tinto.
Que sina desgraçada esta, a de ter semelhante gente à hora de jantar em Dia de Natal ou de Ano Novo…
Saúdo no entanto a RTP pela oportunidade na venda dos espaços publicitários pois o anúncio que mais vezes passou antes e depois da comunicação do Presidente da República foi o do “Memofante”, um produto anunciado como sendo detentor de propriedades que melhoram as capacidades cognitivas e de memória.
Produto oportuno sobretudo pelo conteúdo de esperança da mensagem do senhor com quem eu de bom grado partilharia a informação constante no meu recibo de ordenado, eu que até sou um privilegiado pelo facto de ainda ter recibo de ordenado.
Esperança?
Apenas me ocorre utilizar as palavras da enormíssima actriz Maria Matos quando no filme “O Costa do Castelo” que revi este Natal, afirma com um ar altivo:
- Para trás, ancião!
E sigo eu a minha preparação de ano novo pegando na nova agenda que este ano escolhi com o tema “Almada Negreiros”, e que tem as semanas “temperadas” com as imagens e as palavras deste inesquecível homem de cultura.
Antes de chegar à Semana Um, a capa do “Manifesto Anti-Dantas” pelo “Poeta D’Orpheu, futurista e tudo”, e a capa de “K4 – O Quadrado Azul”, um folheto com apenas um parágrafo de vinte páginas que é uma sátira social que gira em torno de dois personagens em decadência: o Marquês e a Marquesa.
O texto tem quase um século pois é de 1917!
E por falar em decadência talvez como nunca se sinta a necessidade expressa na afirmação de K4: “Invente-se a máquina de reproduzir o cérebro! industrialize-se o génio!".
Daria jeito…
Mas enquanto isso não acontece, e porque definitivamente as uvas não dão sorte mesmo que tomadas aos quilos, não deixemos os créditos por mãos alheias e venham de lá os 364 dias que faltam de 2014 para que de garra e pela poesia das palavras, das cores e de tudo… possamos criar momentos únicos no contexto da nossa história.
Sem adiar nada e muito menos os sonhos.
É que o tempo não perdoa e voa demasiado veloz.

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