Estes dias perfeitos que alinham a vida com os sonhos

No velho Jardim Escola então à Rua dos Fidalgos, a Irmã Celeste ensinou-me as vogais ao mesmo tempo que me iniciou na arte e no prazer de tratar das flores e de muitas outras plantas, “colhendo” da terra os aromas através das diferentes ervas que plantávamos no pequeno canteiro.
No meu primeiro dia de aulas, 7 de Outubro de 1972, a Professora Eugénia Evaristo, minha professora apenas durante uma semana, ensinou-me que a letra “i” se assemelha a um foguete que sobe no ar, deixa um rasto de fumo no céu, e volta a descer novamente à terra.
O Professor Lima Martins, meu mestre durante todos os anos da Instrução Primária, tinha uma caixa grande de lata que continha dezenas de gravuras com paisagens, pessoas, animais, etc. De vez em quando retirava uma que pendurava no quadro convidando-nos a inventar e a escrever uma história com base naquilo que a gravura mostrava.
A D. Joana Ruivo tinha uma livraria que eu transformei na minha segunda casa. Das prateleiras que forravam as paredes eu ia retirando livros que lia sem escancarar e estragar as lombadas, sentado de forma muito solene num velho banco redondo de madeira pintado em tons de creme, a mesma cor dos balcões.
Durante anos dormi em casa da minha tia-avó Maria Teodora, irmão do meu avô materno, que era solteira e vivia sozinha depois da morte do seu irmão, o meu querido tio João. Não tínhamos televisão e os serões eram passados à conversa. E a tia, que de escrita só sabia assinar o seu nome, ensinou-me a contar histórias e ensinou-me a gostar de as contar.
Todos os meses em data devidamente assinalada num cartão, parava na placa central da Praça em Vila Viçosa, uma carrinha com a Biblioteca Itinerante da Fundação Gulbenkian. Levávamos três livros para casa que íamos lendo ao longo do mês.
Nas aulas de Português do Padre Mário Aparício, o melhor professor que tive em toda a minha vida, ao som de LP’s com óperas de Verdi ou Mozart, conheci e apaixonei-me pela escrita de Camões, Pessoa, Eça, Ferreira de Castro e tantos outros.
Quando estudante na Faculdade e nos sábados que passava em Lisboa, descia a Rua da Rosa, ao Bairro Alto, e, passando pelo Camões, vinha para o Chiado a fazer a ronda das livrarias. Numa dessas manhãs comprei o “Memorial do Convento”, de José Saramago, que li compulsivamente até à noite do domingo seguinte.
Também nesse tempo, não havia semana que não trocasse correspondência com o meu amigo Manuel que então estudava em Portalegre. Ainda guardo as cartas que recebia e que expressam pedaços de uma vida partilhada.
Vem desse tempo talvez, este gosto de juntar amigos e palavras, e jamais poderei agradecer a tantos que ao longo de toda a vida me foram dando as palavras para eu depois tecer por aqui em algumas linhas simples de memórias, de vida, de afectos, etc.
Hoje, dia 31 de Janeiro de 2014, recebi um e-mail que me comunicou ter sido aprovada a minha admissão na Associação Portuguesa de Escritores com o número de sócio 1338.
Há dias perfeitos, e eles são claramente aqueles que nos alinham com os sonhos e nos fazem mais próximos daquilo que gostamos de ser.
Partilho convosco esta alegria e esta honra, agradecendo todas as palavras que todos me vão dando através da vossa amizade.
E também partilho este dia com aqueles que por terem sido tão simples foram tão grandes mestres, e que hoje, estou certo, são comigo e por mim, anjos felizes que sorriem no Céu.
Ou não fossemos nós, afinal, o resultado de uma longa história tecida a momentos únicos de amor oferecidos por quem gosta de nós.

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