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A mostrar mensagens de março, 2011

Banhos de luz

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Conheço o Manuel há mais tempo do que me conheço a mim próprio. Segundo a minha e a mãe dele, e não poderá haver fontes mais seguras, éramos bebes e já nos encontrávamos no dispensário da Santa Casa da Misericórdia, a fazer os chamados “banhos de luz”. Estes, parece-me, mais não eram do que radiações postiças e substitutos de banhos de mar e sol, que o Estado Novo se encarregava de nos facultar, a nós, meninos do interior com pais sem tempo e sobretudo dinheiro para nos fazer aproximar da beira mar em época estival. E quando começo a lembrar-me de mim, não vejo uma nesga de vida em que o Manuel não apareça. Andámos juntos no infantário na sala da Irmã Celeste, fizemos a primária em paralelo, o ciclo preparatório e o liceu. Crescemos a brincar juntos, a falar e a partilhar tudo, o riso, o choro, e nas cumplicidades das nossas vidas, amadurecemos ao mesmo tempo que entre nós nascia e crescia a maior amizade do mundo, a amizade que está para além de tudo e que é resistente e à prova de tu

E depois do adeus

O guião foi preparado com a mestria dos grandes de Holywood, o timing escolhido foi perfeito para a trama e para o esperado sucesso de bilheteira destes actores e realizadores num futuro não muito longínquo, o protagonista foi o de sempre, algures num registo entre o dramático e o herói, com fala e pose bem estudadas, sempre com o objectivo de criar no espectador aquela sensação fantástica de que nesta tragédia não há vilões e que tudo é fruto da má sorte. Os cenários, os actores secundários e os figurantes, foram os de sempre, com a previsibilidade como regra e a criatividade a léguas. Não fosse eu um dos produtores, financiador deste filme com mais alguns milhões de concidadãos lusos, e até teria achado graça a tanto ridículo e non-sense. “Sócrates II – O regresso sem maioria” é pois película a evitar e eu espero sinceramente que seja o último filme da Saga Sócrates pois mais uma terceira aventura e os estúdios vão à falência num abrir e fechar de olhos. Portugal viu Sócrates encenar

O Leão e a Estrela

Aos 90 anos de idade, partiu hoje Artur Agostinho. Foi jornalista, actor, entrevistador, apresentador de televisão, foi, resumindo, um dos grandes comunicadores da segunda metade do século XX português. Poderia ter sido o número elevado de vezes que o ouvimos e vimos, a justificar o facto de o considerarmos muito, quase como de família, mas estou certo de que o que alimentou esse sentimento foi a credibilidade e sobretudo a honestidade com que sempre encarou a sua vida profissional, manifestando um imenso respeito por todos nós, o seu público. A espontaneidade que o marcava, era para mim a expressão de uma pessoa que vivia bem consigo própria. A última vez que me recordo de o ver na televisão, foi na Gala Eusébio, uma festa com a marca do Benfica, destinada a comemorar os 50 anos da chegada do Pantera Negra ao Glorioso. Artur Agostinho, Leão de coração porque confesso sportinguista, deu a todos uma lição de fair play e provou que quando se é grande, fixamo-nos sempre no que é essencial

Viva a Primavera!

Não que não goste do Outono e não reconheça que o Inverno tem os seus encantos, sendo estações que acabam por nos proporcionar uma intimidade maior connosco próprios, quando somos quase forçados a fechar-nos em casa, buscando em alguma lareira crepitante, o abrigo para o frio e humidade em excesso, mas abrir a porta de casa e sentir o cheiro da primavera que chegou, confesso-vos, é infinitamente melhor. Quando penso nas diferentes estações do ano, são de facto os cheiros que as marcam, que as tornam únicas e diferentes entre si. Os cheiros das estações, sentidos é claro no meu Alentejo e na minha Vila Viçosa, uma terra que não é só divina no que ao olhar diz respeito, é-o para todos os sentidos. Por entre este aroma sublime da Primavera no Alentejo, é difícil distinguir as suas múltiplas componentes, os elementos que o tornam uma obra-prima maior do que qualquer um dos reconhecidos e caros perfumes assinados por alguma marca ou estilista de renome. É a esteva, a flor das laranjeiras, o

Chicotada psicológica

Quem acompanha o futebol conhece por certo a figura do treinador de uma equipa que luta para não descer de divisão. Trata-se de um treinador mais talhado para sobreviver do que para viver. Não tem grandes ambições, não tem por objectivo a vitória mas tão só não perder e um empate com um pontinho a mais nas contas do campeonato, é algo de extraordinário. É um treinador que à semelhança das suas equipas, parte para os jogos de maior grau de dificuldade, com a certeza de os perder, fixando-se então no objectivo ridículo de não perder por goleada. Quando as coisas parecem estar tremidas e a porta de saída se vislumbra como o caminho mais provável, não há nada que não sirva de desculpa para o insucesso, do qual ele, invariavelmente, não se assume como responsável: não teve jogadores de qualidade, as condições de treino eram más, os jogadores tiveram lesões graves, os árbitros estão sempre contra a equipa, houve muito azar e muitas bolas no poste, etc, etc. Vem isto tudo a propósito do compo

Nuclear? Não, obrigado.

Nos anos setenta e oitenta do século passado, quando os países sucumbiam à tentação da “energia fácil”, associando-a a poder e desenvolvimento, nós os jovens, poetas e ecologistas, fizemos deste o nosso lema, antecipando que a aposta no nuclear comportaria um sério risco para o equilíbrio do planeta. Anos mais tarde, o acidente em Chernobyl veio dar-nos razão. E agora, Fukushima. Na sequência do violento sismo de há dias atrás, as explosões nos reactores desta central nuclear Japonesa fazem temer o pior, sendo difícil de prever o impacto que os níveis elevados de radioactividade terão sobre tudo o que é vivo, num território gigantesco ao redor desta cidade. Alguns políticos europeus falam já de uma situação apocalíptica, tal o horror que se antecipa. Fico muito triste pelo facto da minha geração não ter impedido que Fukushima complete com Hiroshima e Nagasaki, um triângulo de horror no país do sol nascente, o país que em Kyoto tentou um dia que o mundo estabelecesse as regras para mant

Homens da Luta

Para um “Eurofan” como eu, a recente vitória dos Homens da Luta no Festival RTP da Canção 2011 foi à partida um sério revés, um golpe profundo, um pecado mortal, a invasão de um espaço sagrado, e confesso que a sensação que tive só encontraria par na de um católico fervoroso que um dia chega a Fátima e descobre que a Basílica foi transformada numa Feira Popular. Perdoem-me o exagero da comparação. A primeira questão que se me colocou teve a ver com o interesse da RTP nesta vitória, porque de facto, desde o inicio, foi aberta pela estação de serviço público, uma auto-estrada para a vitória dos Homens da Luta. Desde a selecção desta canção por um comité de peritos, juntamente com mais 23 canções que ficaram sujeitas ao crivo dos internautas que então seleccionaram as 12 que foram a concurso no palco do Teatro Camões, até às escolhas dos júris distritais, alguns deles dando a pontuação máxima a esta canção, enquanto outros distinguiam canções que à partida o público nunca iria votar atrav

Carnaval II

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Com cinco anos, no Carnaval de 1972, a família resolveu pôr-me a cantar o fado de Coimbra agarrado a uma viola de plástico com demasiado ar de rock, mas disfarçada com uma série de fitas penduradas, que lhe davam um ar mais académico e bem mais respeitável. Provando-se que em 1972 se recorria à reciclagem, muito mais do que hoje, só que então por manifesta necessidade, registe-se que todo o fato foi confeccionado pela minha mãe a partir de uma colecção de saias pretas das minhas avós e tias. Ficou célebre o facto de alguns meses mais tarde, a minha tia Maria, preparando-se para um funeral, ter procurado uma saia preta que pensava ter restado, e não a ter encontrado por já não existir, tal tinha sido o seu empenho e generosidade na elaboração do fato e no fornecimento de matéria prima. Recordo-me perfeitamente deste dia e do momento em que tirei esta foto. O fotógrafo foi o Sr. Sousa Menezes, um homem nobre de Vila Viçosa, a quem a vida foi tirando recursos financeiros mas que manteve s

Carnaval I

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Não fosse a foto que aqui partilho convosco e nem eu teria memória de algum dia ter posado como pistoleiro, inspirado certamente na famosa série Bonanza, de enorme êxito na TV nos finais dos anos sessenta. E logo eu, um pacifista assumido e ultra militante. Mas o Carnaval sempre serviu para nos dar esta oportunidade de sermos por horas ou dias, aquilo que não somos na realidade. É a possibilidade de sermos actores sem palco, de assumir outra identidade sem que chamem de imediato o psiquiatra para nos fazer um diagnóstico sofisticado e trate do nosso internamento compulsivo. Este pistoleiro foi obra dos meus pais, sempre com a minha colaboração, que nunca fui de virar a cara a uma festa ou actividade divertida. E assim mascarado, não faltei à matiné da Sociedade Artística União Calipolense, que na tarde de segunda-feira de Carnaval sempre se enchia de famílias inteiras para dançar, atirar serpentinas e papelinhos, ao som do conjunto musical que pelas noites assegurava os bailes para adu

O Cábula e a Senhora Directora

Não será necessário um grande esforço para nos recordarmos de algum colega, nosso companheiro no percurso escolar, daqueles que detestavam estudar, eram pouco aplicados, tinham deficit de assiduidade às aulas, copiavam nos testes e nos exames, colaboravam nos trabalhos de grupo apenas no processo final de assinaturas, se gabavam de passar os dias na boa vida… Só para o final do ano lectivo, quando a primavera já quase se rendia ao verão, é que eles emergiam então com a sua conversa de “pintas de dez tostões” a lançarem o charme para cima dos professores, temperando-o também com os azares da vida que lhe era madrasta, lamentando-se da sorte, evocando problemas familiares sérios, depressões graves e acidentes múltiplos, para que os professores lhe dessem a positiva mais baixa que lhes permitisse evitar o chumbo, nunca se esquecendo de prometer que em Outubro enfrentariam o novo ano com um empenho redobrado, promessas essas que jamais passavam a barreira do verão. Mudaram-se os tempos mas