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A mostrar mensagens de dezembro, 2020

Que o tempo avance...

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O tempo desacelerou, por instantes, para que eu pudesse sentir a verdadeira dimensão das horas, e a tanta vida que nelas se consegue ajeitar. A cidade partiu para sítio incerto, levando o rio com ela, deixando-me sozinho com um avião estacionado na lembrança, convidando-me a visitar os tantos mundos desconhecidos que eu trago no meu peito. As absolutas certezas revelaram-se vulnerabilidade, e apenas perceções, apagando as formas, o estranho ou errado, e os padrões… porque um beijo pode matar, e a distância, uma forma sublime de dizer o amor, se assim se cumprir o privilégio de ler, entender, e cumprir os corações. Os sorrisos dos meus amigos foram tomados por pedaços de pano, os beijos adormeceram puxando os abraços para dentro do mesmo sono, os cafés arrefeceram, os passos sucumbiram a um estranho cansaço, abandonando as praias e o luar das noites perfeitas... O meu pai adormeceu por entre o calor de uma noite estranha e indesejada de verão, ensinando-me que os trilhos da fé n

As gruas do Natal...

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Entro descalço por este Natal, não vá o chão guardar, em discretas cisternas de afagos, o pão que mata a fome, a que usam chamar saudade. Abro uma porta… Há uma poltrona vazia, ao lado de uma mesa pequena onde repousa um cinzeiro e os despojos de meia dúzia de cigarros. O anoitecer adormece o fogo e o fumo, mas não apaga, jamais, as palavras que vieram agarradas ao filtro amarelo, quando o cigarro se passeou, de modo elegante, por entre as nossas tantas conversas ao serão. Confirmo que essas palavras ainda respiram, conservadas, aqui, como em todo o lado, num eterno e perfeito ponto de açúcar. Saio para ir abrir uma outra porta… A sala está vazia, porque as figuras de barro do presépio resolveram ficar em repouso, adormecidas, e enroladas nas folhas já gastas dos jornais antigos. A lavadeira, que por acaso até é do tamanho da casa aonde mora, não quis ir clarear a roupa no rio feito de papel azul, de veludo, e o pastor desistiu de acordar o rebanho, o moinho não quis cortej

Ainda chove...

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Nestes meus dias de regresso à “nossa vila”, como, muito carinhosamente, todos tratamos Vila Viçosa por aqui, desde dentro, nem foi necessário ir revisitar os compêndios e as sebentas de há muitos anos, para poder ler e interpretar os sinais do tempo. Há coisas que são tão profundamente nossas… A chuva que cai, assim, copiosamente, inundando as ruas e pondo os beirados a cantar, é tinta transparente que escorre do céu por bênção insistente de alguma prece, deixando que se escreva em prosa ou em verso, mas sempre na melhor caligrafia de que o vento é capaz, nada mais que não seja a primavera. Ainda que pisemos a lama, e que os veios de água renascidos, como estes, a cada dezembro, pareçam querer roubar-nos as sementes e as raízes, levando-as para bem longe, para se perderem, algures, no mar, sabemos que nada em nós é solúvel em nenhum inverno, e que, ali pelos idos de abril, estaremos todos a celebrar com as rosas. Os Homens são irmãos das árvores, em muitas coisas, e também nes

Respira comigo na mesma Ave Maria

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Por muito que saibamos que as verdadeiras catedrais habitam o peito dos Homens, há templos de pedra que se inscrevem nos caminhos da fé, e nos auxiliam, decisivamente, amainando o rugido feroz das lutas e das batalhas. Na minha Vila Viçosa, no recanto mais nobre e solarengo do espaço entre muralhas, a igreja de Nossa Senhora da Conceição, num dia da já longínqua primavera de 1646, acolheu o preito de um rei lusitano, D. João IV, que, fazendo de Maria, rainha, lhe entregou a terra lusitana e todo o seu imenso mar, rogando aquela divina paz que vem de Deus. Cessou a guerra da restauração, as rainhas e os reis Portugueses jamais usaram coroa na cabeça, e até um Papa, entretanto já canonizado, São João Paulo II, veio aqui rogar-lhe a paz, numa outra manhã de primavera, como parecendo cumprir uma coerência que existe entre Maria, a nossa fé e os meses de todas as flores. Mas porque as mães são bênção maior sobre qualquer tempo, é por entre o frio e a bruma agreste de dezembro, no se