Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2014

As virtudes dos abraços e os cansaços que se diluem num sono feliz

É quase meia-noite quando o carro entra finalmente no parque e sinto aquele típico estalar das rodas sobre a brita. À minha frente a imponente fachada do hotel agora quase apenas e só à mercê da lua em quarto crescente, a mesma luz impotente para me fazer matar saudades das roseiras que eu recordo, ladeiam o lago central. Cheguei à Curia. O dia começou cedo em Ponta Delgada com as nuvens e a chuva a insistirem tapar-me a vista para o Atlântico. Depois, uma longa espera no aeroporto, o avião que chegou com três horas de atraso, a explosão de azul após romper as nuvens, e finalmente Lisboa, já ao entardecer. A auto-estrada até Évora faz-se num ápice desde o aeroporto, e hoje nem há tempo para beber histórias das sombras com que o luar veste os sobreiros do meu Alentejo. O pai está melhor, fala comigo enquanto brinco com ele entre as colheres de sopa. Não resiste: - Esta é a quinta colher que dizes ser a última. Está definitivamente melhor. À porta do hospital há amigo

E a ilha…

Por te querer assim guardo em mim cidades, muito mais de sete, e colou-se-me ao rosto, em tom de mistério, um azul tom de céu em rima com o verde que reveste o basalto, o chão da eterna Atlântida. Romeiro em preces pelos trilhos de onde nunca se perde o cúmplice voo das gaivotas, bate em mim, por ti, um coração de fogo em perpétua paixão; e o meu sangue é lava que se estende até já não haver horizonte, que não há outro que não seja o mar, que tomou de ti a cor… do teu ser, do teu olhar. Romeiro aqui, nos impérios todos de além pranto; que as tristezas deixei-as quando o alento tomei de ti na margem de uma lagoa quente, onde o borbulhar constante nunca poupa nas palavras para nos contar as lendas de eternos heróis. Romeiro em fé nos milagres de Cristo, “Ecce Uomo”, Rei sem trono coroado de espinhos no Pretório de Pilatos numa tarde de Páscoa em Jerusalém. E sinto o teu abraço, os teus beijos; quando pelas lembranças caminhas assim comigo, Romeiro de passos entregues aos dias;

Estas ruas onde nunca me sentirei só

Vila Viçosa, um sábado de Outubro. Acordo com o ruído dos pavões no Jardim do Bosque, onde por entre o desenhado buxo se guarda a memória da espera de D. Luísa de Gusmão nos dias de Dezembro de 1640 e da Restauração. Estamos no final de Outubro mas a aragem é quente e a fazer lembrar Maio, tomo um café na pastelaria do costume e subo depois a Avenida beneficiando da sombra das laranjeiras, tendo aquele cuidado tão Calipolense de me baixar perante os troncos mais rebeldes e que se intrometem no meu caminho. Entro no Castelo, rezo à Senhora da Conceição, e ali ajoelhado, sinto-me um inevitável herdeiro beneficiário de uma fé que não se apaga. Ajoelhei-me por ali com os meus avós. Não tardo a devolver-me à Avenida, depois à Praça e mais tarde à Corredora para poder regressar a casa, cumprindo os “mandados” entre o Multibanco na Caixa Agrícola, os Bolos Fintos na Pastelaria, o Expresso na Comercial e o pão na Padaria. E um trajecto que em condições normais eu faria em vinte min

Eu pressinto a eternidade

Aqui junto ao rio, os nossos dois corpos abraçados são na tarde de Lisboa, um pequeno T0 onde cabem em segredo infinitos metros quadrados de paixão. Os meus braços encontraram finalmente o seu destino e eu sinto a brisa que me chega carregada com a herança do mar, mas perfumada por ti, pela loura seda aparada que te reveste a face. Na perfeição desta hora tento agarrar a eternidade: não quero jamais sair daqui; e sinto medo que a noite regresse e que cale o azul do teu olhar como o fez ao rio. Mas as águas persistem no seu beijo ao Terreiro e entre as colunas; a essência do Tejo sobrepõe-se ao breu numa melodia que o meu peito acompanha ao ritmo do teu coração que de tão perto se faz siamês do meu. Igual que a alma que há muito já o é. Então eu pressinto a eternidade, aconchego-me mais a ti e sei que por sobre qualquer noite eu irei amar-te sempre assim… e que jamais partirei daqui. E dou-te um beijo, igual e do tamanho do Tejo.

O amor é este instante…

Lisboa é um detalhe sublime, e a luz que se apaga ao ritmo lento do anoitecer vê-me vaguear pelas palavras na doce impotência de contar ao mundo o sentir que nasce do toque da tua pele na minha. O divino não se escreve. O amor jamais se vergará à linguagem banal com que os Homens fazem listas de supermercado. Eu sigo a olhar para ti… O miradouro, o verão que irrompeu rebelde pelo Outono, uma tília centenária, a mesa, os dois copos de Ginger Ale, a lua… e o meu braço colado ao teu no beijo que bebe das mil vidas que guardas no teu ser. Há aromas de paraíso, o toque grená das romãs maduras… e este instante é o amor que a tudo oferece um sentido novo; o passado foi a estrada tantas vezes indecifrável para chegar aqui, e o futuro, nada mais poderá ser para lá deste querer multiplicado pelos dias todos que me restam.   Mais tarde desceremos a calçada buscando o rio, passo com passo, pele com pele… e um abraço longo com a cumplicidade do som das ondas da água, vénias do Tejo à

Sigo por ti… para me encontrar

Este caminho tem os traços e todos os detalhes da genética da minha vontade, nasceu do esboço dos dias que sempre ousei sonhar. Esta estrada, tomo-a como minha rota pela mais do que consciente entrega de todos os meus passos. Tu chegaste num dia escuro, iluminaste a tarde por entre aromas de açucenas que indiciavam primavera; entregaste-me as tuas mãos, os teus braços; e na dispensa assumida das palavras, ateaste em mim este não sei quê que mata antigas ilusões, que despreza agonias, dores, equívocos e faz avançar a nossa história. Este não sei quê que é maior do que tudo o que demais se sente, e só pode ser o alvo eterno do canto de todos os poetas, aquele único e definitivo amor que por sobre todas as promessas e desilusões, cada vida merece e está destinada. Da tua face loura de onde transborda o azul mar do teu olhar, de onde transpiram todas as lendas de antigos heróis, bebi então a fé que renasce e floresce em mim em cada alvorada. Este meu caminho… és tu. E rebelde

Os aromáticos dias do imprevisto

Para quê desesperar em prévio sofrimento com a perspectiva negra do que quer que seja, se até o calendário nos surpreende e nos oferece generoso, dias de verão em final de Outubro, algures entre o “verão que amadurece os marmelos” e o “verão de S. Martinho”, duas “instituições” de que sempre ouvi falar aos meus avós. E apesar de sabermos que “Outubro quente traz o diabo no ventre”, também não esquecemos o muito que já choveu, e assim, “Outubro meio chuvoso torna o lavrador venturoso”; e estamos garantidos… Que de chuva e sol se querem os meses e se compõe a vida, tão mais pobre quanto mais monótona e previsível. De cada vez que regresso do Alentejo trago comigo um pão de meio quilo que deixo ficar duro para poder preparar uma Sopa de Tomate daquelas que importam para a minha cozinha, os cheiros por entre os quais cresci. Frito as “capelinhas”, escolho o fruto maduro, tempero de orégãos, acrescento um ovo, o pão partido em “sopas”… e o jantar fica perfeito. No meu prédio e à

A felicidade e uma mezinha ao estilo do Padre Fontes

Por muito que possa soar estranho, há um dia em que alguém nos convida para ir assistir a uma palestra sobre a Felicidade, algo vendido ao jeito de uma Bimby para onde se deitam os ingredientes todos da vida e se cozinha esse tão desejado estado de alma… e do corpo. “Cozinhar esse estado” é força de expressão porque segundo a palestrante, 50% da felicidade é inevitavelmente genética, 10% fruto das circunstâncias boas ou más que nos ocorram, restando apenas 40% para nós podermos controlar pela atitude; algo de que discordo totalmente, pois atribuir a maioria absoluta (60%) ao destino torna-nos demasiado passivos na construção da felicidade. É uma rendição demasiado óbvia ao fado e eu acho que nós temos muito mais espaço de manobra para construir um grande futuro. Relativamente aos 40% que nós controlamos, foram apresentadas dez comportamentos a seguir (fé, generosidade, ser positivo, foco no presente, etc.), numa espécie de versão revista e remix do decálogo, com a palestrante

Essa misteriosa e versátil meia-idade

Por muito optimistas que sejamos, e eu sou; e por muita que seja a esperança com raiz na justificação técnica que a médica nos transmitiu de forma tão simpática; será sempre estranha a sensação de percorrer o caminho de volta ao carro depois de deixarmos o nosso pai internado no hospital, trazendo connosco os seus haveres num saco de plástico que transportamos debaixo do braço. Já antes, quando o ajudava a despir a camisa para vestir o pijama, senti pesada a batuta neste inevitável ciclo que nos faz ser fortes perante a fragilidade de quem foi sempre a rocha e a firmeza onde apoiámos a nossa fé. Vale ter um irmão fantástico que compartilha igualmente esta “direcção da orquestra”, ter um amor que manda um beijo de ânimo, e ter os amigos que se juntam sempre para as palavras e os afectos nos ajudarem a esmagar a solidão que estes momentos sempre transportam consigo. E entre Évora e Vila Viçosa, sozinho no regresso, faço das árvores confidentes e companheiras. Há anos que as con

A terra quente que nos faz poetas

Para cima ou para baixo, a A2 entre Lisboa e o Algarve dá-me quase duzentos quilómetros de Alentejo, um longuíssimo corredor da "minha casa" que gosto de percorrer com música mas sem palavras, que essas, sou eu quem as vai colhendo e guardando pelo caminho. A colheita é demasiado fácil… Não preciso sequer de abrir as janelas, conheço de uma vida, o cheiro que se solta da terra revolta que aguarda a sementeira, ou então da erva molhada a que se entregam as ovelhas de um imenso rebanho. E sim... também sei de cor o canto dos pássaros, dos grilos e das cigarras quando o sol beija a terra e parece querer atear o horizonte. O relógio do campo dá-me o tempo certo; com o sol a dizer-me a hora, o tom da seara a revelar-me a estação; e os anos, conto-os pela cor da cortiça que vai crescendo no seu doce abraço ao eterno sobreiro. E as oliveiras alinhadas em corredores tingidos de relva verde dizem-me hoje também que não tardarão as manhãs em que as mãos beijarão a geada par

Os anjos nunca têm asas

Os anjos nunca têm asas, por vezes nem sequer falam; são tão-só olhares, que chegam e nos preenchem os momentos de uma inédita paz que se estranha, e que depois, de tão intensa, se entranha em nós oferecendo-nos o universo inteiro com tanto de desconhecido. Os anjos são imprevisíveis e chegam sem avisar naqueles instantes tantas vezes banais e que quase sempre nos oferecem uma expectativa positiva de grau zero ou muito pouco. Os anjos são por vezes muito tímidos e discretos, e refugiam-se atrás de um poente, de uma canção, do perfume de uma manhã passada junto ao mar, de um chão de árvores de Outono, de um gesto ou até de um poema. Os anjos podem ser identificados pelo toque da nossa pele na deles, pelos lábios no sabor doce de um beijo, e também pelo calor intenso com que nos abraçam. Os anjos podem às vezes esconder-se em nós, ficando disponíveis para nos acompanharem nos instantes de aparente solidão, espreitando generosos de todos os cantos da memória. E assim caminham co

CARLA MARIA

Pelo afecto que o envolve, qualquer simples café que tomemos juntos pela manhã, e tomamos um todos os dias antes de começar a laborar; assemelha-se em tudo a um “Breakfast at Tiffany’s”, que a Audrey é uma paixão em comum e a amizade é como os diamantes e imune a qualquer desgaste provocado pelo tempo. E porque com amigos “A vida é bela”, nada melhor do que começar o dia no pré-café com um “Buongiorno Principessa” a que eu tomei a liberdade de acrescentar um “Atómica” pelo risco elevado de explosão de gargalhadas que por vezes resulta das nossas conversas. Cada conversa sempre “… com vista sobre a cidade”, qualquer delas de entre as muitas das nossas viagens; ou então com vista para o simples e complicado que nos vai preenchendo os dias, para aquelas músicas que trouxemos dos melhores anos das nossas vidas, aqueles que compartimos com os “Amigos de Alex”; as conversas também com vista para a poesia, que a alma bem precisa ser afagada assim pela manhã, sobretudo nos dias de chuva

Nós somos tecidos por pedaços de um amor inoxidável

Em arrumações, reencontrei há dias num armário da despensa uma pequena e velha lamparina de álcool já muito oxidada. E quem guarda objectos da sua história, mais cedo ou mais tarde ganha o privilégio de contar muitas histórias. Esta velha lamparina foi comprada pela Tia Maria na velha loja do Senhor Eduardo Pina, à Rua de Cambaia, e foi-me oferecida quando vim estudar para Lisboa há trinta anos e fiquei alojado num quarto que não tinha qualquer cozinha anexa. Acompanhou-a uma pequeníssima cafeteira de alumínio que também ainda existe lá em casa, e a recomendação: - Não quero que saias de casa sem teres a oportunidade de tomar uma caneca de leite quente. E assim eu embebia um pouco de algodão em álcool, puxava-lhe fogo com um fósforo e aquecia o leite enquanto me preparava para sair, descer a Calçada da Glória e vir apanhar o Metro aos Restauradores, naquelas manhãs em que me ia apaixonando por Lisboa, espreitando-a em São Pedro de Alcântara. A lamparina está hoje definiti

A mais doce das alvoradas

A persistente chuva de Outono cessou há pouco, e as calçadas de Lisboa, vistas assim em contraluz, são espelhos de múltiplos passos, destinos e infinitas histórias. Histórias como a nossa, tecida de palavras e de olhares, cumplicidades soltas nestes momentos que sabem a destino, de tantas vezes… e de tanto o termos sonhado. E uma tarde de Outono faz-se um cais que abriga o mais perfeito dos encontros. Eu cheguei. Sinto-o no nosso abraço que despreza as solidões antigas, sinto-o no riso que aqui e ali se nos solta como um eco do que a alma sente, sinto-o nos tantos beijos que a hora nos pede e que nós cumprimos pelo benefício apenas de um olhar… Sinto-o numa inédita paz que me faz rogar a morte do tempo, e esse infinito querer de fazer de ti a minha eternidade.   No ar há hoje um quente aroma de castanhas assadas, há tímidos pregões nas múltiplas línguas da gente que como nós vagueia livre pelas calçadas. Em Lisboa. O mais perfeito dos Outonos. Eu e tu. Eu já te di

O Franchising do Carnaval de Torres Vedras

Acordo para o sábado, cumpro o vício matinal de comprar o Expresso e deparo-me na primeira página com uma foto que perpétua um abraço de Mário Soares a Isaltino Morais, com o ex-Presidente da República a referir a injustiça da condenação do ex-autarca de Oeiras. Os tribunais que vão para o inferno até porque “há gente que rouba milhões e não é condenada”… Parece que o Ministro Crato pediu a demissão mas tal não foi aceite pelo Primeiro-Ministro com medo que o governo começasse a desagregar-se. E os maus ministros são como o Ébola e o que convém é nem mexer, mesmo quando tudo à volta ameaça morrer… Leio entretanto que a Zita Seabra ter-se-á aproximado da Opus Dei; havendo a coerência da atracção por sociedades secretas, convenhamos que não é fácil percorrer esse tortuoso caminho uterino entre a defesa do aborto livre e a existência de relações sexuais tendo em conta apenas a procriação… A Câmara Municipal da Covilhã atribui a José Sócrates a medalha de ouro da cidade e as chaves

A razão entre mim e…

Há sempre aquele laivo da razão que espreita por entre os sentidos e me chama tonto, naquele momento em que vejo uma flor, e não resisto a fotografá-la para mais tarde, por cima dela, eu escrever doces palavras de amor. E chamo-lhes de amor, por serem para o meu amor, colhidas como são daquele jardim de pensamentos eternos e bons que cruzam comigo os dias e viajam pelas ruas da cidade. A maldita da razão faz-me olhar às vezes para o retrovisor do carro e chama-me tonto por me ver ali sozinho e a sorrir daquela maneira. Quando isso me acontece, logo exorcizo tal juízo e fazendo do volante uma improvisada bateria, marco o ritmo que acompanha a voz numa canção... De amor, pois claro, que mais poderia ser? E aí penso tantas vezes como foi possível o poeta lembrar-se daquilo que efectivamente sinto, e fazer disso letra de canção. Até posso chorar, mas quando me chega à boca o gosto a cloreto de sódio, lá vem outra vez a razão: -Olha, olha... o tonto a molhar as barbas branca

Mas até quando?

Entre actuais e antigos colegas, somos três à conversa na mesa do almoço, naquela natural satisfação da curiosidade acerca dos últimos tempos e de como estamos e de como se encontram aqueles de quem mais gostamos. O meu ex-colega reformou-se há pouco depois de 34 anos de descontos e de um período de três anos a receber subsídio de desemprego, ainda está longe dos 60 anos mas ainda mais longe de qualquer emprego, e por isso fê-lo com uma penalização que entre taxas e sobretaxas somou 42%. Tem dois filhos casados, um deles vive em Portugal e está desempregado, o outro emigrou com a mulher para Moçambique e vive as agruras de quem está num país e numa realidade cultural nos antípodas da nossa. À reforma teve então de aplicar uma característica extra, a elasticidade, acudindo à vida dos filhos que já têm mais de 30 anos e estão licenciados há mais de 5. No restaurante onde nos encontramos, as televisões passam imagens na Ministra das Finanças, e em rodapé a grande conclusão da su

Aquelas pedras brancas à beira dos ribeiros

Dispensando quaisquer escrituras notariais que certifiquem a posse, é legítimo que chamemos nosso ao chão onde assentam os passos que concretizam as nossas vontades, nesses instantes em que a fidelidade a nós, muito mais do que a qualquer outra crença, nos oferecerá às narinas o ar temperado com o aroma perfeito da liberdade. O aroma que nos faz sorrir da maneira mais intensa e verdadeira com o à-vontade e o conforto de quem está sempre na sua “casa”. Nós somos sempre de onde queremos estar, quer falemos de tempo ou de um espaço qualquer. Um dia enquanto passeávamos pelo campo, o meu avô Joaquim sentou-me junto a ele na margem de uma ribeira que quase tocava a parede de um velho colmeal num lugar chamado da Silveirinha. Cada um tinha a sua pedra como assento, e por entre o assumido cheiro a poejo que o inverno oferecera àquele lugar feito tão longe à luz do nosso lento caminhar; divagámos sobre a geografia e até sobre qual o concelho a que pertenceriam aquelas pedras; sem ter

“Somewhere over the rainbow…”

Com a previsibilidade de um “Estado” que tinha “Novo” como sobrenome, mas que insistia em nunca se renovar, nós entrávamos para a escola sempre na mesma data, 7 de Outubro; e de tal forma se entranhou em mim este dia, que nunca me esqueço de tal facto. E assim como quem vai ali viver à pressa, recordo-me de repente que faz hoje precisamente 42 anos; já quase terminava o ano da graça de 1972, quando eu entrei para a Primeira Classe na Escola Masculina de Vila Viçosa. Isso mesmo, não havia mistura de géneros. Os bibes eram iguais para todos, e se eram brancos os das meninas que “moravam” na outra escola, os nossos eram azuis e brancos com uns quadradinhos ínfimos. Pelas gavetas da casa dos meus pais ainda consigo encontrar o meu, costurado pela minha mãe a partir de uma sarja própria comprada a metro na loja do Senhor Domingos. Abotoa do lado esquerdo com uma fileira de meia dúzia de botões. Acompanhado pela minha mãe e com uma mala às costas carregada de material novinho em fo

Amo-te como nunca te saberei dizer

Talvez eu nunca venha a saber qual a cor dos nossos entrelaçados passos pela cidade, quando os braços e as nossas mãos nos acompanham na vontade, e se tocam na suavidade e na paz de um eterno, certo e completo desejo... Talvez eu não consiga jamais encontrar palavras na nossa e nas outras línguas, que possam fazer justiça ao sentir perfeito que nasce de um amor assim; tu, aquele que a vida me diz ser o meu amor, único, primeiro e derradeiro, porque irrepetível... Talvez não nasça nunca a música tecida pela inspiração dos mestres, canção ou sinfonia que possa rimar com este momento que matou as saudades e fez real a esperança e todas as promessas... Talvez não haja flores que bastem para narrar à gente o tom do sorriso que nos reveste as faces... Talvez não haja fé igual à nossa aqui nesta hora, nem mesmo na fusão das preces dos milhões de dedos que acariciam infinitos rosários... Talvez não exista pódio para a glória deste olímpico tempo nascido afinal da vontade de não ser

Praxes, não obrigado!

Somos os mesmos dois de há trinta anos, quando precisamente em Outubro de 1984, o meu pai veio comigo a Lisboa por alturas da matrícula na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, e até fomos juntos comprar um guia da Carris para me ajudar a movimentar na cidade que em grande parte eu desconhecia. Hoje o meu irmão veio trazê-lo ao Campo Pequeno e agora vamos juntos a caminho da Avenida Defensores de Chaves, quase na hora da consulta de urologia. Sinais dos tempos... e o ciclo da vida a funcionar neste “quem toma conta de quem”. É quinta-feira à tarde e junto ao semáforo cruzamo-nos com um grupo de estudantes que solta palavras de ordem como se não fosse haver amanhã. Uns vão de capa e batina, outros de calções, mas todos levam na mão, garrafas de um litro de cerveja. Mais tarde irão dispor-se em fila à porta do touril, e já de longe vejo-os rastejar, pôr a cabeça no chão, fazer flexões, etc. Ao passarem por nós torna-se bem audível a mensagem de uma estudante para u

O tempo é vida muito mais do que dinheiro

Por nos ser demasiado caro, bastas vezes afirmamos que o tempo é dinheiro, sendo que ele é efectivamente muito mais vida do que o vil metal; por muito que as retribuições de âmbito salarial sejam estabelecidas com base em qualquer unidade que o meça e o desdobre (dias, horas…). E sendo assim, se o tempo é vida, há que vivê-lo muito mais do que apenas passá-lo de uma forma passiva tomando maneiras de um espectador rendido à inevitabilidade de um filme embrulhado por Deus nas projectáveis bobines do destino. Encher os dias de paz, gargalhadas, choros, gritos, murros na mesa, momentos de amor, festa, viagens, encontros, abraços… é nossa obrigação; e com algum sentido de urgência. Há alguns anos quando visitava uma familiar num lar de idosos sentei-me à volta de uma mesa com uns quantos, e por entre os bombons de chocolate que lhes levei, e as palavras, muitas, que sempre me saem soltas, uma senhora de mais de noventa anos não resistiu a falar-me: - Está a ver aquela janela ali p