A terra quente que nos faz poetas


Para cima ou para baixo, a A2 entre Lisboa e o Algarve dá-me quase duzentos quilómetros de Alentejo, um longuíssimo corredor da "minha casa" que gosto de percorrer com música mas sem palavras, que essas, sou eu quem as vai colhendo e guardando pelo caminho.
A colheita é demasiado fácil…
Não preciso sequer de abrir as janelas, conheço de uma vida, o cheiro que se solta da terra revolta que aguarda a sementeira, ou então da erva molhada a que se entregam as ovelhas de um imenso rebanho.
E sim... também sei de cor o canto dos pássaros, dos grilos e das cigarras quando o sol beija a terra e parece querer atear o horizonte.
O relógio do campo dá-me o tempo certo; com o sol a dizer-me a hora, o tom da seara a revelar-me a estação; e os anos, conto-os pela cor da cortiça que vai crescendo no seu doce abraço ao eterno sobreiro.
E as oliveiras alinhadas em corredores tingidos de relva verde dizem-me hoje também que não tardarão as manhãs em que as mãos beijarão a geada para colher o fruto precursor da luz sagrada que acompanha Deus pelos altares, como os destas ermidas que vão pontuando o meu caminho de barrocos detalhes de alvenaria e fé pintados de branco e de azul.
As casas são montes, e são igualmente brancas, por também serem divinas, com poiais debruados num tom ocre abandonado ao verde que lhes oferece a chuva. Invejo do poial o assento que mostra os horizontes, mas compenso-me com a infinita vista para o todo que a imaginação permite, na sombra com que as nuvens tocam a terra.
E de noite, seria sempre a lua a devolver-me a esse ser menino e a levar-me destemido pelas histórias todas.
Deixo-me ir pelo sonho à medida que os quilómetros passam...
Vou como se fosse uma ribeira debruada a fetos e hortelã, em direcção ao rio, e depois, sempre, até ao mar.
Comigo vou acumulando as palavras que dão forma à poesia.
O Alentejo não é definitivamente uma terra de poetas, o Alentejo é uma terra que nos faz poetas.
Uma terra quente…
A minha casa!

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