O tempo é vida muito mais do que dinheiro


Por nos ser demasiado caro, bastas vezes afirmamos que o tempo é dinheiro, sendo que ele é efectivamente muito mais vida do que o vil metal; por muito que as retribuições de âmbito salarial sejam estabelecidas com base em qualquer unidade que o meça e o desdobre (dias, horas…).
E sendo assim, se o tempo é vida, há que vivê-lo muito mais do que apenas passá-lo de uma forma passiva tomando maneiras de um espectador rendido à inevitabilidade de um filme embrulhado por Deus nas projectáveis bobines do destino.
Encher os dias de paz, gargalhadas, choros, gritos, murros na mesa, momentos de amor, festa, viagens, encontros, abraços… é nossa obrigação; e com algum sentido de urgência.
Há alguns anos quando visitava uma familiar num lar de idosos sentei-me à volta de uma mesa com uns quantos, e por entre os bombons de chocolate que lhes levei, e as palavras, muitas, que sempre me saem soltas, uma senhora de mais de noventa anos não resistiu a falar-me:
- Está a ver aquela janela ali por detrás do limoeiro do pátio?
Espreitei e confirmei.
- Sim, vejo. É uma janela com as portadas pintadas de branco.
- De aqui do meu sofá sempre colocado nesta posição, eu passo horas a ver aquela janela. Muito pouco consigo ver para além dela.
Continuou:
- O tempo que a si lhe falta nessa sua correria louca pelo mundo, sobra-me a mim aqui sentada enquanto não faço mais nada se não vê-lo passar à medida que vai contribuindo para que quando eu morrer, ninguém tenha qualquer pena de mim. Todos dirão que já vivi muitos mais anos do que a média dos demais mortais.
Prossegue:
- E o tempo oferece-me simultaneamente a mim, momentos de sobra para pensar em tudo aquilo que não fiz e poderia ter feito, porque disso tinha muita vontade.
O muito tempo nem sempre é sinónimo de muita vida.
E olhámos os dois ao mesmo tempo para a inevitável janela, e a mim apeteceu-me voar para ir viver intensamente e com urgência.
Num jantar desta semana, um amigo de sempre soltou uma das frases que associada à inércia, mais erupção cutânea me consegue provocar:
- O que é que queres que eu faça?
Eu é que não faço mais nenhum comentário.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM