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A mostrar mensagens de setembro, 2016

Enquanto o ananás vai espreguiçando o seu amarelo no fruteiro de uma qualquer sala de hotel…

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Paciente, o ananás vai aos poucos matizando de amarelo o fruteiro para onde a ilha também enviou maracujás. - O senhor levantou-se muito cedo e nós temos um buffet de pequeno-almoço ali no bar da recepção. Agradeço e tomo um sumo de laranja enquanto espero o táxi. A paixão põe o corpo a tiritar e torna vadio o pensamento, por entre esta sensação de nunca envelhecer. Porque aos quinze anos e no Outono de Vila Viçosa também já era assim. - Boa noite. - Bom dia. Percebo rapidamente que o motorista do táxi ainda não se deitou; um homem que sorri, muito pequeno de altura mas de braços fortes que elevam facilmente a mala que trago carregada, entre outras coisas, com Massa Sovada e uma caixa de pacotes de açúcar da Sinaga para a colecção do meu irmão. O sol ainda não nasceu e eu tenho este vício de não abandonar os minutos ao silêncio. Deito palavras tontas mas de água quente sobre o frio escuro da viagem conjunta de dois desconhecidos: - A esta hora ainda não há trânsit

Nem um só minuto…

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Sempre que referíamos que o tempo passava demasiado depressa, a minha avó Natividade dizia congratular-se com tal facto, garantindo que quando ela tinha de trabalhar de sol a sol e esperar pelo sábado para receber o parco salário, o tempo era insuportável e dolorosamente lento. Assim, cedo aprendi que sobre o sentido racional do tempo, os dias são directamente proporcionais à solidão, e, pelo contrário, inversamente proporcionais ao pão. E a solidão é tudo aquilo que dói, e o pão é a festa do trigo que nos enche os dias. Sobrevoei há pouco o Convento de Mafra, vi a Ericeira tomando o Atlântico como rumo até aos Açores e à Ilha Terceira. No banco atrás de mim segue um casal Australiano que fala em Inglês fluente com um “rapaz” Português. Os estrangeiros confessam vir aos Açores “com pressa” pois não querem partir desta vida sem cumprirem a promessa que fizeram nos anos cinquenta aquando da erupção do vulcão dos Capelinhos. Da Terceira seguirão para o Faial. O Português

Talvez por isso o Outono continue a ser ainda hoje a minha estação preferida...

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Quando caíam, castanhas, as folhas dos plátanos, sobre o caminho do liceu à Porta do Nó, o Outono já tinha apagado as diferenças que existiam entre nós: os amigos que podiam ir passar férias à praia já tinham regressado a Vila Viçosa com histórias que iam partilhando connosco, e estávamos novamente todos juntos. Talvez por isso o Outono continue a ser ainda hoje a minha estação preferida. Tínhamos horários impressos e oferecidos por diferentes marcas, folhas mais ou menos coloridas contendo espaços relativos aos dias da semana e às horas, e íamos juntos até cerca das vitrinas da escola buscar informação sobre o plano de aulas para a nossa turma. Depois jurávamos sobre as folhas imaculadas dos cadernos e dos livros que aquele ano iria ser fantástico. Havia marmelos no fruteiro que a mãe às vezes cozia para a sobremesa do jantar, àquela hora em que o corpo pedia agradavelmente um casaco ligeiro para enfrentar o fresco libertador das agruras do estio. Reluziam diospiros nas

Porquê chorar nas curvas da estrada em que não te vejo…

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Porquê chorar nas curvas da estrada em que não te vejo, se eu sei que estes dias me levarão a ti… Sei-o muito bem e pressinto-o em tudo, até porque se não fosse assim, eu jamais seria eu. Nós somos tudo aquilo que buscamos e nada para lá do caminho nos pode oferecer identidade. Entretenho-me então a decifrar os aromas que a montanha me oferece, e arrumo-os junto com as palavras que oferecem coerência ao desejo, tecendo as rosas que terei presas ao olhar quando chegares à casa que construí para nós. Uma casa de pedra à sombra de um imenso carvalho, ao lado de uma fonte que o inverno abraça de água fresca. Sei que chegarás numa tarde de Outono, talvez quando o campo já se tiver rendido em cor ao teu olhar. Sei que o nosso primeiro beijo apagará a memória de todas as curvas em que não te vi.

Todos os nomes têm o seu Santo…

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Todos os nomes têm o seu Santo; onomástico orago que colocamos entre incenso e entre os dias nos altares informais que coroam as montanhas de onde legitimamente sonhamos o Céu. O Verão já não tardará a partir, está por dias, e ficará apenas o sol guardado nas uvas que ele foi perfumando de açúcar pela encosta íngreme que o Homem vestiu de degraus para poder descer desse Céu e beijar o rio. Somos nós quem chama o Outono quando despimos o pó da terra que nos cobre os passos, e nos enleamos num abraço onde cabemos todos, os de perto e os que chegam de longe, cantando em rimas, os versos que oferecem eco eterno aos nossos avós. E ali em baixo, a coerência do rio a serpentear a Terra e o tempo definindo o vale… Essas águas “d’ouro” que correm pacientes e fiéis calando fronteiras entre altas arribas, aguardando o mosto e o vinho para o embalarem até quase à Foz, o ponto onde as sombras doces das Quintas se revestem do inevitável tom salgado que tem a saudade. O rio imita-nos

Se o tempo tivesse asas...

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Se o tempo tivesse asas, como usa tantas vezes pensar e dizer a gente, eu tomava agora mesmo um minuto e ia já ter contigo. Mas não… Eu sei que a paixão destrói irreversivelmente o sentido racional dos dias; e também os distende, como agora, enquanto fico por aqui e escrevo luas nos silêncios e flores sobre todos os inéditos desejos que revelaste em mim. O choro mais triste é o de quem não tem caminho. E como poderá querer ter pão quem nunca oferece as mãos à terra cravejada das silvas de onde só fugazmente colhe amoras? Às vezes choro sentado numa pedra à beira da estrada que me leva a ti, mas é aquele líquido sorrir salgado de quem ama e sente saudades por entre os distendidos dias da solidão. Sim, o choro de quem espera e te pressente nas praças de todas as cidades do mundo. Mas todos os dias escrevo trigo fértil pelas madrugadas, quando as minhas mãos rasgam ribeiros robustos sobre a aridez de não te sentirem por perto. Eu sei que o teu olhar sabe a pão. 

Porque enquanto houver Setembro e um Calipolense…

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Nem necessitei pisar a rampa, que o tempo era curto e dava apenas para parar o carro e espreitar o arraial ali desde a porta da Igreja de São Tiago; mas vi-os a todos. No muro que ladeia o caminho até à Igreja do convento, vejo sentados os meus avós e os meus tios que conversam animadamente à espera do Fogo Preso. Vou sempre até lá para lhes dar um beijo e regresso invariavelmente com uma moeda de cinco escudos no bolso: - Toma lá para ires comprar uma “maravilha”. O nome mais do que justo que tomam as farturas quando são redondas. Há rifas na Tômbola e na Quermesse onde às vezes dou uma ajuda porque o meu pai pertence à Comissão de Festas e até fui eu quem escreveu cem vezes o mesmo número em folhas de papel devidamente picotadas para poder alinhar as séries que andam à roda. O Senhor Julião, pai do Manuel, já fechou o café na Praça e chega sempre a tempo de ganhar os melhores prémios. - Olha, hoje só ganhei uma garrafa de Anis Escarchado. A banda toca no coreto e o

A vida conta-se pelos rios que cruzamos...

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A vida conta-se pelos rios que cruzamos, e enquanto deixo que anoiteça nesta Quinta-feira, primeiro dia de Setembro, eu já levo o Pranto, o Mondego, o Vouga, o Douro… Medievo caminhante por entre o aroma de árvores queimadas e o cansaço, vejo-me de repente à entrada do velho Mosteiro, portão fechado, uma luz ténue e discreta a dar-me a esperança de não me ter enganado. Há festa em Braga, não arranjei outro hotel na cidade e preciso de ir trabalhar muito cedo, um pouco antes das oito horas do dia seguinte. O sistema de marcação de hotéis sugeriu-me a Albergaria do Mosteiro de Tibães, mosteiro que apesar desta imensa face barroca é mais antigo do que Portugal. Saio do carro e toco à campainha. Não tarda quase nada até escutar os passos e o rodar tão sonoro da chave que abre o portão. Já é tarde, faltava apenas eu para que a lotação de nove quartos ficasse lotada e ainda terei tempo para jantar no restaurante. Tudo isto fico a saber pelo meu anfitrião enquanto a mala de viag