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A mostrar mensagens de maio, 2013

Da Alameda à Aula Magna: uma aventura no País do Betão

Um estudo hoje apresentado contabiliza que Portugal recebeu 9 milhões de euros por dia num total de 81 mil milhões de Euros desde que em 1986 aderiu à União Europeia, então Comunidade Económica Europeia. Deste dinheiro, para além de embarcações de pesca destruída, cursos de formação profissional e outros, a maior fatia foi utilizada em obras de betão com destaque para as vias rodoviárias que todas somadas em extensão permitiriam ligar Lisboa a Nova Deli. Se tivermos em conta que no inicio da década de oitenta estivemos nas mãos do Fundo Monetário Internacional e que há dois anos para lá voltámos, poderemos dizer que de pouco valeu este aporte de capital que ocorreu num quarto de século, dinheiro sucessivamente utilizado na construção das fachadas que através de uma ilusão de desenvolvimento foram alimentando as campanhas eleitorais e o perpetuar de uma classe política no assento do poder. O betão é a marca de um certo novo-riquismo bacoco e vaidoso que com raríssimas excepções a

O dia do meu regresso à escola

Há momentos que nos abraçam, colando-nos à doce e mágica sensação de que a vida valeu, e vale a pena. Ao fim de trinta anos voltei hoje à minha Escola Secundária Públia Hortênsia de Castro, em Vila Viçosa, para falar com alunos e professores sobre o meu livro “Pomar das Laranjeiras”. Um privilégio num cocktail de sensações. Desde logo a gratidão. O espaço está diferente, irreconhecível, mas aquela será sempre a “casa dos meus mestres”, os heróis professores que me ensinaram a ser melhor e a quem estarei eternamente grato. A saudade dos colegas que tal como os alunos de hoje, se juntavam comigo em grupos para conversar e partilhar sonhos no planear conjunto dos dias do futuro. O conforto de me sentir entre os meus mesmo não reconhecendo a grande maioria dos rostos daqueles, muitos, que se dispuseram a interagir comigo. Há uma terra de afectos que nos une para além deste falar cantado e dolente que é a nossa indiscutível marca de alentejanos. Perdoem-me a imodéstia, mas sent

A “tardinha” que trouxe a poesia

Quando o sol aperta cumprindo o destino das inesquecíveis primaveras alentejanas, é a tardinha, “essa hora dos mágicos cansaços” como a definiu Florbela, que nos traz a bênção de uma tão desejada brisa fresca, invariavelmente carregada com os muitos, fantásticos e indecifráveis aromas da planície. No sábado passado, a “tardinha” convocou-nos para o Paço dos Mascarenhas, em Vila Viçosa, e entre piano, dança, amizade e muita conversa, sem ensaios e com o natural improviso que acrescenta verdade às coisas, celebrámos o Alentejo e a nossa terra, o “Pomar das Laranjeiras”, entre amigos de há muito ou de menos tempo, porque de afectos e de amor se nos preenche a alma sempre que aqui chegamos a estas terras do sul. E pelas memórias, as minhas e as da Adélia, e o presente bem vivo e nada tímido dos oito anos do Miguel, entre os três desfolhámos a vida numa conversa que envolveu também as dezenas de outros amigos presentes, provando-se que é eterno o Alentejo, colado assim à genética do no

Exorcismos, decapitações e o diabo à solta

Acredito em Deus. Reconheço-O na grandeza do universo, de todos os seres e também do Homem, todos criados com destino à perfeição numa rede complementar e dinâmica em que a “malha” é o amor. E este amor vive-se pela verdade, liberdade, lealdade, generosidade, respeito, paixão, felicidade… Não acredito no diabo. Jamais o reconhecerei em manifestações físicas que traduzem patologias do foro neurológico ou comportamentos histéricos. É a ausência de amor que mata o plano de excelência que Deus desenhou para o universo. E o Homem, reconheço-o, é um consciente agente activo nessa negação de um “destino” perfeito. Por tudo isto, acredito que em plena Praça de São Pedro o Papa Francisco colocou as mãos e rezou apelando a Deus o debelar do sofrimento físico de uma criatura. E que o fez com amor… e por amor. O amor que falta à Europa pelas vias da desigualdade e do desrespeito que mataram a “Velha Terra da Liberdade”. A Europa desuniu-se ao ritmo da crise financeira do Euro e s

Com a cumplicidade do açor

O mar de um intenso tom de azul persegue-nos abençoando o olhar e impondo-se ao verde das montanhas que escondem vulcões e lagoas, e às alvas e muito simples casas debruadas a basalto. A voz do povo enobrece o Português, embalando as palavras ao ritmo do vento e das ondas, fiéis e constantes companheiros destes dias perfeitos vividos na ilha. Nos olhares há paz, nas mãos a nobreza do trabalho, brasão da bravura de quem se apodera do destino e jamais se verga à dureza da terra ou do mar... E da alma, essa imensa e infinita alma, transborda a fé que canta preces a Santo Cristo e lhe pede a força e a bênção dos milagres que fazem nascer novo futuro. Hoje, na solarenga manhã de São Miguel, há uma mulher que chora num adeus ao seu amado, e a ele, só eu lhe vejo as lágrimas quando mais tarde partilhamos o momento de apanhar o voo com destino a Lisboa. Luís Vaz de Camões. Tem nome de poeta o avião que arranca este homem à quietude e à paz da sua ilha, neste bravo cumprir de um l

O Post número 400

No Post número 400 os nomes dos muitos que inspiraram as memórias e as palavras de onde nasceram as laranjas doces do Pomar. As mais amargas nasceram exclusivamente de mim e apesar delas espero poder vê-los sempre a todos por aqui. Manuel Almas Manuela Barreiros Rui Pereira José Barreiros Marta Barreiros Ana Almas Joana Almas Fábio Almas Zinha Duarte Pedro Silva Padre António Simões Conceição Duarte Aires Tina Cravo Paulo Runa Mário Seabra Henriques Ana Serrano Carla Antunes Eduardo Ribeiro Ana Torres Júlia Lameira Lavínia Bacalhau Fernando Duarte Joana Duarte Pinto Artur Barreiros Álvaro Coelho Maria Inácia Caeiro Ricardo Esperanço Manuel da Costa Renato Borges Cristina Paiva Natália Barreiros Guilhermina Sousa César Jesus Patricia Nascimento Maria João Antunes Céu Duarte Carlos Breda São Aurélio Ricardo Pombeiro António Trindade Maria José Gita Paulo Chinopa Júlio Marinho Vanda Marques Paulo Ramalhinho Bruno Morgado João Silva Rui Sarmento Carlos Delgado Luisa Veiguinha Mena F

Campanhas alegres num país triste

Criatura há muito desligada das notícias e que aterrasse agora em Portugal disponibilizando-se para circular nos espaços públicos, por certo apostaria convictamente que o país se encontrava numa fase muito positiva rumo a um futuro de grande sucesso. Excluindo algumas muito raras mensagens de protesto, Portugal está desde já inundado de cartazes que publicitam os candidatos para as eleições autárquicas que decorrerão algures no próximo Outubro. E as mensagens prometem o paraíso no já costumeiro jogo do “vale tudo” que tem por objectivo manter ou conquistar o poder. É claro que o poder apenas pelo poder e pelos benefícios próprios que ele carrega para quem o exerce pois o bem-estar dos cidadãos (eu sou dos que nunca chegarão a Presidente da República pois não digo “Cidadões”, para além de comer Bolo Rei de boca fechada…) esgota-se nas mensagens promocionais destes cartazes. Depois de já ter sido confrontado com estas acções em muitos sítios por onde passei, hoje de manhã depar

Biologia, amor, sensibilidade e bom senso.

A Assembleia da República aprovou hoje um projecto de lei do Partido Socialista que possibilita a co-adopção por casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. Mais do que o activismo em redor da legítima igualdade de direitos que há muito está inscrita na Constituição da República, foram as crianças que saíram vencedoras em todo este processo que rompeu as barreiras ideológicas entre as diferentes bancadas. É inconcebível que as crianças “cresçam” em instituições e no seio de famílias disfuncionais que tantas vezes as maltratam, existindo uma infindável lista de casais que tendo manifestado interesse para a adopção e tendo já provado ter condições para o fazer, esperam longamente pelo desfilar da burocracia de um processo que se centra mais nele próprio do que nos interesses das crianças. As sempre difíceis e incompreensíveis teias da lei. Tenho um elevadíssimo respeito pelas instituições que acolhem e cuidam de crianças, admiro o trabalho dos profissionais e dos voluntários

A vida e um grande amor

O amor nunca se explica e por isso jamais poderei dizer porque o amo. Sentimento maior de entre todos, herói dos heróis nos territórios do ser, o amor morreria desde logo asfixiado às mãos de uma qualquer breve ou fugaz interferência da razão. Por isso só me importa saber que o amo… e muito. O amor vive-se… e vive com a própria vida na perfeita cumplicidade de jamais distinguir fronteiras entre um e outro. Por isso sei que sem ele eu não seria eu. E o amor que é amor de verdade soma sempre mais amor, desconhecendo, desprezando e dispensando, da raiz e até ao topo, a sua pérfida antítese, o ódio, sentimento menor e subtractivo da dignidade que a vida e viver sempre impõem. Por isso sei que nunca o amarei contra nada nem ninguém. O amor desconhece o tempo e as circunstâncias, não se esgota no momento do êxtase de uma conquista e da chama intensa de uma breve paixão, eterno e nascido que é à medida da própria vida. O amor impõe sorrisos e festa, mas também as lágrimas, o

Big Brother Marquise

A propósito da sétima avaliação dos nossos credores, a célebre Troika, até agora a mais difícil para obter nota positiva, o Presidente da República afirmou hoje que tal resultado foi uma “inspiração de Nossa Senhora de Fátima”. Não é jamais recomendado que se invoque o nome de Deus em vão, e, entendo eu que o de Nossa Senhora de Fátima também não, sobretudo em territórios desprovidos de quaisquer sinais de “caridade” para os que mais sofrem. Ligar a Troika a uma intervenção divina é uma forma moderna de promover uma inquisição ao estilo Século XXI, baseada em “autos de fé” que nos queimam vivos na fogueira da mais vil pobreza. Acrescenta depois o Presidente Cavaco que esta consideração é da autoria da sua mulher, Maria. Confesso-vos que não sei o que é pior, se é quando o Aníbal cita a Maria ou quando a Maria cita o Aníbal, numa espécie de “Mariani” esquizofrénica e sempre de muito mau gosto. No entanto, e dado que há em todos nós um certo apetite voyeur, não deixa de ser c

Fátima

Há alguns anos numa viagem de táxi entre o aeroporto de Newark e Manhattan fui conduzido por um motorista Americano, muçulmano xiita confesso, que quando a determinada altura da nossa conversa se apercebeu que eu era Português me referiu que Nossa Senhora de Fátima era um apropriação indevida dos católicos perante as manifestações de Fátima, a filha do Profeta Maomé, a quem a sua religião atribui o título de al-Zahra (a Resplandecente), um reconhecido modelo de virtudes para a mulher muçulmana. Com a mesma convicção que ele usou na sua afirmação, respondi-lhe dizendo que eu era católico e que não só mas muito por esse facto, acreditava que a “Resplandecente” Senhora do Rosário de Fátima era Maria, Nossa Senhora, mãe de Jesus, um modelo de mulher e mãe. Sorrimos um para o outro e seguimos a conversa por outros assuntos que já não sei precisar. Afinal de contas, a fé não se discute, e o que nos unia aos dois, o essencial, a fé em Deus, era bem maior e mais importante do que tudo o

Grandes egos siameses e o abortar das vitórias

Nesta primavera nacional que finalmente parece querer encher-nos do melhor sol, atirando-nos em glória para os longos areais da beira Atlântico, há duas personalidades que indiscutivelmente emergem do nosso quotidiano pátrio, aquele que todos os dias alimenta as notícias e aparece estampado nas páginas dos jornais: Jorge Jesus e Vítor Gaspar. Para além de unidos pelo deficitário aporte de beleza com que ambos foram brindados pelo criador (o Treinador do Benfica está cada vez mais parecido com a Duquesa da Cornualha, Camila, enquanto o Ministro das Finanças é uma versão de Mister Bean com olheiras) estes dois seres muito dados a conferências de imprensa onde se exibem de forma muito generosa para com os cómicos e os imitadores, enfermam de uma estranha patologia que os faz confundir as marcas do caminho com o local de chegada, os sinais de trânsito com o estacionamento no destino da viagem. No futebol, de pouco importa bater os recordes de invencibilidade e as médias de golo jogo

A ausência e a saudade dos alperces

Em Vila Viçosa, no prédio onde moramos há mais de 30 anos, tivemos o privilégio de estabelecer uma relação de família com os nossos vizinhos Clotilde e João. Um dos indiscutíveis prazeres de nascer e crescer num espaço rural é o facto de soltarmos os afectos sem nos impormos quaisquer reservas, embalados pela proximidade e a confiança que estabelecemos com todos os que nos rodeiam. E por esta via, os vizinhos transformam-se em família, muito mais do que apenas bons amigos. Com a Vizinha Clotilde e o Vizinho João, para além de termos partilhado a hortelã, os coentros, a salsa, as brasas para acender ou reacender a braseira, a preparação dos bolos da Páscoa e das filhós no Carnaval, as favas do quintal, as limonadas nos lanches de verão e o chá nos de inverno, usufruímos do raro benefício de décadas de conforto na hora de limpar as lágrimas, e a alegria do riso partilhado em tantos e tão bons momentos de felicidade. Nem as paredes tão grossas do nosso prédio vindo dos anos de set

Espigas

Faz este dia o Senhor de todos os dias que hoje sobe ao Céu, divina Ascensão que por legado nos deixa a perfeição da vida, e campo fora nos põe buscando a “hora”, mágico momento, sol a pique, luz que oferece verdade às bênçãos maiores de toda a Terra. E do campo, dos trilhos floridos de uma primavera que pelo canto louvaremos, em ramos feitos de aromas e cores, para casa traremos a sorte que todo o ano tornará perfeito de graças e abundância. As espigas de trigo, aveia ou centeio, aquelas que pela força do vento e o peso da mó, no moinho um dia se tornarão farinha, garantam na mesa o pão, o sustento, a força e o alento de todas as horas. Do ramo que a oliveira oferece, indício da luz que mais tarde brilhará na simplicidade da candeia, viva se torne a paz celebrada nos abraços que pela boa vontade nos unem a todos os outros Homens. E os malmequeres, rainha das simples mas perfeitas flores do campo, gotas do mar de branco e amarelo que ondas põem na imensidão do verde da planíc

Mar

Jamais se nos morrem as palavras, o som doce, intenso e livre arrancado à verdade do pensamento e que com ele voa frenético por sobre os nossos olhares que confluem e ressuscitam as cumplicidades de cada novo entardecer. Há gaivotas e aromas de mar num horizonte que o intenso tom de azul denuncia ser Mediterrâneo e as ondas batem de encontro aos nossos pés, apagando na areia essas marcas deixadas pelo lento caminhar paralelo, passos irregulares interrompidos aqui e ali para uma atenção maior dedicada ao teu rosto que admiro por entre a festa mágica das cores do sol na expressão do seu breve adeus. Não preciso sequer tocar-te. Os beijos nascem dos sorrisos, do olhar, dos gestos e de todas as palavras. Muito pouco é o que para além de nós importa nesta doce e inédita festa de estar juntos. E o tempo é tão só este momento… Vivo está o passado apenas na herança de uma solidão que nos trouxe aqui: mar, primavera e o amor que acontece.  

A Síndrome do Testículo

Após ter ouvido o padre da minha paróquia fazer uma dissertação sobre as bênçãos da maternidade e a praguejar contra os homens que na sua opinião querem ser mães, fazendo piadas fáceis e brejeiras com base na herança hormonal dos ditos, num desarvorado exercício científico em territórios da fé, e de mau gosto onde o bom senso deveria imperar, pensava eu ter esgotado aí o aporte de estupidez que o domingo Dia da Mãe me reservava. Pura ilusão. Há muito que deveria saber que há sempre surpresas quando nos dispomos a escutar o ministro Paulo Portas. Entre méritos e deméritos, reconheça-se desde logo ao actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, o dom de ser o mais ubíquo dos políticos de Portugal, estando em todo o lado ao mesmo tempo. É jornalista que denuncia escândalos de políticos mas está ele próprio dentro da política e até se vê envolvido em polémicas como a dos submarinos. Super fashion , elitista e tio de Cascais, não há no entanto feira por mais popularucha que seja q

Mãe

Aporto ao conforto do teu olhar doce que a cada chegada me fala de um amor sublime e maior do que todo o universo, esse olhar que para sempre e em tudo delimita e abençoa o espaço a que chamo a minha casa. Abertos, os meus lábios sorriem no desenhar doce do teu nome: - Mãe. Enquanto os teus braços, no instinto de uma alma desprendida de si, se entregam livres aos meus e dão o mote para um beijo que me insufla vida. O amor traduzido na incansável linguagem dos teus beijos… Anseio louco na perturbante saudade, esta mágica hora em que tu, meu infinito e inesgotável berço de amor, me devolves a esperança e eu volto a ser menino. O teu eterno menino, destemido cavaleiro nas incansáveis conquistas do futuro. Dou-te a mão para seguirmos juntos, imbatíveis, confiantes, matando impossíveis e de encontro aos sonhos que a tua força transforma na mais doce e perfeita realidade. Há perfume de rosas e garridos tons de sardinheiras em flor por sob o intenso sol da primavera. E eu

Excel Killer e o Bando dos Incapazes

Desconheço se Luís de Sttau Monteiro alguma vez terá tido a percepção de quão proféticas eram as palavras do título do seu romance “Angústia para o jantar”, concretizadas nas inúmeras comunicações feitas pelos políticos à hora em que as famílias se juntam à volta da mesa e as televisões transmitem os noticiários. O primeiro-ministro Passos Coelho esteve ontem durante 27 minutos a explicar as “reformas” que operacionalizará no Estado com o objectivo primeiro de fechar a sétima avaliação da Troika. O conteúdo da comunicação é de cariz incendiário e indutor de revolta, até do Português mais pacífico e tranquilo, e é sobretudo a prova de que em Portugal não se governa, pelo contrário, gerem-se orçamentos, e mesmo assim muito mal. Há dois anos, quando solicitámos ajuda financeira ao exterior, os três maiores partidos assinaram um memorando que pressupunha desde logo um necessário ajuste no Estado e na sua organização para que as contas públicas conseguissem chegar a um equilíbrio.

Velhas e novas faces de um destino de errantes marinheiros

Embarcara há pouco no avião que me traria de Copenhaga de volta a Lisboa. Alheio à azáfama de pessoas e malas atropeladas no estreito corredor do avião, reclino a cabeça e através da minúscula janela com uma forma ovalada, distraio-me observando as operações de logística no exterior do aparelho. Os sistemas de monta-cargas que sobem e descem, juntamente com o movimento constante de umas dezenas de pessoas equipadas com coletes reflectores, quase se assemelham a um estranho bailado com efeitos especiais ensaiado pelo La Feria no palco de um musical no Politeama. A aparência de caos retirado do coordenadíssimo esforço para no menor tempo possível voltar a pôr a “máquina” a voar. De repente sobe para o avião uma enorme caixa de madeira cuja forma de um paralelepípedo é excessivamente explícita no denunciar da sua função: há um Português que se devolve à terra, não abdicando de o fazer no abençoado solo pátrio que foi seu cúmplice ao nascer. Para mim não tem nome, nem rosto e nem

Maio

Jamais adormecido me apanhará o raiar do primeiro sol de Maio, porque é, e será sempre eterna a voz da Tia Maria a despertar-me no silêncio da madrugada: - Acorda. Não deixes entrar o Maio! Não deixar entrar o Maio ou… não dispensar o privilégio e a bênção de o ver nascer. E assim, o primeiro raio de sol celebrado à janela que mira a oriente, com a simplicidade de um cálice de Porto e uma Broa de Azeite. Maio, maduro Maio, madura primavera que enche de flores o campo, o fruto que o verão um dia irá colher. É preciso ser assim, senhor da terra, mestre do campo, povo simples, para saber entender Maio e com ele brindar à vida… e ao pão. Cheira a tílias no Mercado, a laranjeiras na Praça, caiem amoras maduras no Rossio, há hortênsias em vasos na placa da Fonte, amores-perfeitos nos canteiros da Avenida, e breve, muito breve, Maio trará o gosto do primeiro tomate tornado uma fresca salada, esse gosto que é o meu eterno prenúncio do verão que trará os calções e as brincadeiras