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A mostrar mensagens de novembro, 2012

Salazar engarrafado

O mau nunca deverá servir para aliviar a carga negativa do péssimo, e muito menos para legitimá-lo. E por isso, e por muito mal que vá a nossa democracia e por muito graves que sejam os ataques ao nosso estado social, jamais aceitarei que isso sirva de mote para tornar Salazar um herói nacional. Sabemos que a memória é curta, mas por favor, garantam que nela reservam espaço para recordar que o ditador que governou Portugal durante meio século cultivando a pobreza e a desigualdade, o homem que nos privou de toda e qualquer forma de liberdade, o indutor da mais estúpida guerra que feriu de morte uma geração de homens e as suas famílias, seja sempre recordado pela verdade do seu ser: um imbecil, um hipócrita e, sobretudo, um assassino, traidor da pátria e da liberdade que aos Portugueses assiste. Vem esta minha reflexão a propósito do registo de duas marcas de vinhos, “Terras de Salazar” e “Memórias de Salazar”, que alguém da zona de Santa Comba Dão quer colocar no mercado. Absu

As novas versões do presépio.

Há dias tive oportunidade de passear no centro de Madrid, e entre a surpresa e a desolação, senti como a movida foi irremediavelmente substituída pela indisfarçável pobreza. Entre a Chueca e a Puerta del Sol, passando pela Gran Via, respira-se o mesmo ar do nosso Rossio e, suponho, da Praça Sintagma, em Atenas. Há centenas de pessoas sem-abrigo buscando os sítios que mais as possam proteger do frio, competindo em número com gente que enverga coletes reflectores publicitando a sua disposição de comprar ouro a bom preço, abutres sem escrúpulos pousando sobre os restos da miséria dos que definham. E os grandes armazéns e casas comerciais, ali mesmo ao lado, já têm luzes e falam de Natal. Mas se o Natal é Cristo, e se pela minha fé, Cristo está onde está o Homem, não tenho dúvidas de que neste Natal, na nossa Europa da 4ª divisão, Cristo está aqui enrolado em cobertores e edredões sujos num presépio com o patrocínio de um Herodes chamado austeridade, morrendo de fome e à mercê d

A minha noite perfeita nascida dos afectos

Um dia, pelo impulso da amizade e por imposição da memória, nasceu este Pomar das Laranjeiras, alimentado pelas palavras que brotaram dos dias perfeitos nascidos dos afectos. E por relatos, crónicas e pedaços da memória; de amor, fé, alma, querer e muito Alentejo, se escreveram as enormes e fortes cumplicidades que nos foram congregando numa festa maior, uma festa de amigos reforçada a cada parágrafo partilhado. E na noite em que o Pomar se fez livro, vieram dezenas de amigos, os presentes e os ausentes que se quiseram fazer presentes, para de afectos tornar perfeita, uma noite nascida de encontro aos meus melhores sonhos. Obrigado pelos vossos sorrisos, pelos vossos olhares entregues à cumplicidade com o meu, muito obrigado pelas vossas palavras, os vossos abraços e os vossos beijos… Só convosco sou maior, e de perto de vós jamais quererei partir.

A Rua de Três

É algo estreita, a rua onde eu nasci, e em metros de comprimento não terá mais de cem. A meio, no trinta e quatro, com entrada por uma porta encimada por um pequeno arco de pedra, fica num primeiro andar, a casa onde vivi os meus primeiros dezasseis anos de vida. De 1966 a 1982. Quem desce da Praça, por esta rua chega ao Mercado, e talvez por isso, muitos vizinhos faziam daquele espaço, então ao ar livre e de bancas de madeira, o seu ganha-pão: a prima Hermenegilda que vendia brinhol (farturas) numa barraca de madeira, uma vizinha que fazia e comercializava bolos, a família Pereira (“Os Barateiros”) que na nossa rua tinham uma retrosaria e um pronto-a-vestir e que nos mercados vendiam roupa, e também a vizinha Maria e o Sr. António Garcia (“O Laranjal”) que tinham um lugar de frutas e legumes um pouco abaixo da minha casa. Havia também duas mercearias, a da D. Maria da Assunção e, a minha preferida que era a do Sr. Carola, uma padaria que tinha uma funcionária simpática de nome

Rilhafoles

Meus queridos amigos, convido-vos hoje a entrar comigo no “Politicário Nacional”. Apertem os cintos, coloquem os óculos para a visão tridimensional, abram o corpo e a alma à aventura, predisponham-se para a descoberta e… mergulhemos na análise das espécies habitantes do ecossistema muito próprio designado por Portugal. Com independência da sua localização no espectro ideológico, o político português oscila o seu comportamento entre a afabilidade e a indiferença. É capaz de num dia ir ter connosco a um mercado para nos dar beijos, abraços, sacos, canetas e aventais, e no outro dia passar por nós sem nos conhecer, assumindo-nos em muitos casos como gente de potencial perigo, rodeando-se por isso de uma segurança extrema que impede qualquer contacto físico ou verbal entre nós. Com uma auto-estima muito acima da média, estes seres afirmam com frequência que a sua ausência provocaria o caos e pode até acontecer que no momento em que decidam retirar-se, imponham que a sua substituiçã

Reformados de terceira geração

Faço-me ao sul pela Ponte 25 de Abril, e passada a Marateca com destino ao Algarve, só eu e a GNR circulamos na A2. Não fora o facto de os agentes estarem aqui não para me proteger mas para me caçar, e diria que estaria próximo da sensação da Sra. Merkel ontem em plena Marginal. E é fácil lembrar-me da dita pois não consigo sintonizar um posto radiofónico em que não se esteja a divagar sobre a recente visita da Senhora a quem hipotecámos este nosso T0 com vista para o Atlântico, e que de caminho na hipoteca nos levou também as nossas vidas. Ouço-a falar dos bravos navegadores dos anos de quinhentos, dos Heróis do Mar, mas essa conversa tem para mim o mesmo valor prognóstico de um algodão impregnado em álcool e a massajar o músculo: vem lá picada dolorosa. Não sei se pelo elevado valor do juro que estamos a pagar, o que é certo é que parando na Área de Serviço de Aljustrel tive a oportunidade de pela primeira vez na vida, ter uma Área de Serviço só para mim. Confesso até que saí

S. Martinho

O Alentejo agradeceu a verde e atapetando-se de erva fresca, a bênção destas primeiras chuvas de um Outono que matou a seca que parecia eterna. E nas ribeiras já cheira a prenúncio do melhor poejo… asseguradas temos de aromas, as nossas açordas por altura do Natal. Vestido de fresco, o campo ainda brilha mais intensamente nesta manhã que combina sol forte e frio, mas que comprova pelo brilho do astro-rei, como perpétuo parece ser este verão breve nascido da generosidade do soldado romano Martinho ao partilhar a sua capa com um mendigo que se cruzou algures no seu caminho. O frio chama as castanhas, e as mãos arrefecidas ao abandonar o conforto da camilha que guarda a braseira de picão, agradecem o quente da casca que depois de assada salta simples e a um sonoro “xram”, antes da deglutição do miolo do fruto nos transportar o quente até ao mais recôndito da alma. A castanha assada, e a jeropiga, a água-pé ou o vinho novo. O fruto e o néctar, estado líquido da etílica alegria

Fome polémica

Há alguns anos em Vila Viçosa, uma abastada senhora da classe dos latifundiários, lamentou-se comigo pelo facto de já não poder “enobrecer” o seu Natal distribuindo camisolas interiores pelos pobrezinhos, pois o facto de lhes ver a casa composta com sofás, luz eléctrica e televisão, deixava-a pouco à vontade para o fazer. Os pobres deram sempre muito jeito para aliviar as consciências das “Supico Pinto’s” da nossa terra que com a prática da “caridadezinha” pagavam as suas contrições com o proveito próprio adicional de sobre o palco da miséria alheia, reforçarem ainda mais o poder e a sua superioridade na escala social. Enquanto os seus maridos se entretinham a fomentar a miséria em sede de poder político e económico, estes anjos disfarçados aplicavam os seus cuidados paliativos com a perversidade de nunca, mas nunca, darem um passo em frente para matar a doença pela raiz. Surge-me esta reflexão na sequência das recentes declarações da presidente do Banco Alimentar contra a Fome

Coronéis

Trinta e cinco anos depois e num assumido ímpeto saudosista, a Gabriela abriu uma excepção na minha alergia crónica, e reconciliou-me com as telenovelas. Estranho a cor da imagens de agora, sinto a falta da Sónia Braga, do Armando Bogus e do Paulo Gracindo, não acho tanta piada a este Tonico Bastos que não penteia o bigode, o Bataclan da antiga Maria Machadão era mais rico em discrição, faz-me confusão o facto da Jerusa já não ser morena, desagrada-me ter de esperar mais de uma hora depois de terminado o Telejornal, mas o certo é que não resisto à música do genérico e mal a Gal Costa começa a cantar, lá me componho no sofá e… Ilhéus e Jorge Amado, aí vou eu. Na versão de 1977, o actor José Wilker representava o jovem político reformista Mundinho Falcão, o homem das liberdades que lutava de forma brava contra os terríveis coronéis, os poderosos donos da cidade, feitos assim pela força económica do cacau. Depois de há alguns anos ter protagonizado Roque Santeiro, o idolatrado fa

Fábulas

Faço-me à estrada no meu carro de fabrico alemão depois de ter parado e atestado na latina petrolífera Repsol, da Área de Serviço de Estremoz, e de mais uma vez ter confirmado como no painel da bomba, aumenta velozmente essa diferença numérica entre litros e Euros. No sentido Elvas – Lisboa, na tarde de sábado, tenho uma auto-estrada só para mim, o que me dá a sensação de que esta Parceria Público-Privada terá assentado mais em interesses privados do que públicos. O que também não me parece uma “Socrática” novidade. Bem… uma auto-estrada só para mim, é força de expressão, pois chove tão copiosamente que no breu das seis da tarde, neste anoitecer antecipado, tenho por companhia dezenas de sapos que saltam à frente da viatura, o que dá um ar “Hitchckoquiano” ao meu passeio, observado também da berma da A6, ali algures entre Evoramonte e Évora, por um atento coelho em pose imponente, que me mira enquanto eu avanço pelo asfaltado tapete que rasga a minha planície. Tapete, que diga-

Saudade

Fazem eco os nossos passos na velha calçada, quando caminhamos, romeiros da saudade, nas ruas desenhadas pela pedra que com nomes e rostos, preserva e eterniza pela força do querer, aqueles que um dia vimos partir. Há ciprestes a desenhar horizontes, aquém e além muralhas, neste sacro território à sombra da Senhora da Conceição, o eterno “quilómetro zero” da fé Calipolense. Há gente, muita gente… …e todos escrevem saudade na melancólica linguagem dos crisântemos. As nuvens por sobre nós, oferecem ao céu infinitos tons de cinza, e de vez em quando, tímidas gotas de prenúncio de chuva, fundem-se camuflando as líquidas expressões da alma que afloram aos olhares que roubamos aos transeuntes, e que entregamos ao vazio, para que mais nítida se nos emerja a memória. Tangem os sinos que repicam e dobram a finados. E do alto do secular campanário, pela fé, nos fala Deus, a nós, saudosas Madalenas carregadas de perfumes na manhã de domingo de Ressurreição: - “Porque procurais ent