Fome polémica


Há alguns anos em Vila Viçosa, uma abastada senhora da classe dos latifundiários, lamentou-se comigo pelo facto de já não poder “enobrecer” o seu Natal distribuindo camisolas interiores pelos pobrezinhos, pois o facto de lhes ver a casa composta com sofás, luz eléctrica e televisão, deixava-a pouco à vontade para o fazer.
Os pobres deram sempre muito jeito para aliviar as consciências das “Supico Pinto’s” da nossa terra que com a prática da “caridadezinha” pagavam as suas contrições com o proveito próprio adicional de sobre o palco da miséria alheia, reforçarem ainda mais o poder e a sua superioridade na escala social.
Enquanto os seus maridos se entretinham a fomentar a miséria em sede de poder político e económico, estes anjos disfarçados aplicavam os seus cuidados paliativos com a perversidade de nunca, mas nunca, darem um passo em frente para matar a doença pela raiz.
Surge-me esta reflexão na sequência das recentes declarações da presidente do Banco Alimentar contra a Fome, e embora esta mentalidade “Salazarenta” persista infelizmente no nosso país, recuso-me a acreditar que Isabel Jonet tenha deixado cair o véu sobre essa sua hipotética medonha verdade.
O seu trabalho à frente da instituição que dirige dá-lhe muito crédito que quanto a mim não pode nem deve ser esmagado por umas infelizes declarações, perversas no assumir da inevitabilidade da rendição à pobreza mas que não deixam no entanto de alertar para a perigosa ilusão de riqueza em que vivemos nos últimos anos, ao ritmo do encantamento do crédito bancário.
Em última análise, as instituições estarão sempre acima de quem momentaneamente as encabeça.
Conheço o Banco Alimentar, já ali estive como voluntário, reconheço-lhe inúmeros méritos na forma como actua, por exemplo ao nível da interligação entre o desperdício das empresas produtoras de bens alimentares e a carência de bens em instituições que apoiam as famílias com dificuldades económicas.
Ainda hoje vi num jornal o abandono de carapaus em praias Portuguesas, apenas porque falhavam em centímetros as normas da União Europeia, o que é demasiado perverso num país com elevadas carências alimentares.
“Secar” pois o Banco Alimentar em vésperas de uma campanha tendo por base as infelizes declarações de Jonet, ampliadas no pérfido coro das lamuriantes cigarras carpideiras que jamais foram capazes de pagar um papo-seco a um seu semelhante, não me parece minimamente adequado até porque tal terá por certo um impacto negativo na “mesa” de muitas famílias.
A presidente que se explique e retrate, e o Banco que siga o seu trabalho em prole de quem precisa.

Comentários

  1. O mundo precisa de atitudes.
    E parabens ao pessoal que faze voluntariado e não, declarações de pessoas que não sabem nada sobre SOBRE A FOME
    RUI PEREIRA


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