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A mostrar mensagens de dezembro, 2016

2016

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A melhor forma de cruzar o tempo é com a liberdade a tiracolo; porque assim, com ela tão junto ao peito, garantimos que nenhum dos beijos que sonhámos, fica por dar… ou pelo menos por dizer. Não sei. É mesmo impossível saber quantas palavras desenhei copiando a alma antes e depois de Julho ter oferecido meio século à minha idade: dois livros, milhares de versos, rimas mais previsíveis ou mais ousadas, cartas e mensagens de amor… Quem não desenha a sua marca no tronco dos dias arrisca-se a morrer sombra, um equívoco atrás de uma idade qualquer. “Todos os Homens podem voar”, e eu voo, mas o abraço do olhar dos meus pais será sempre o melhor pouso para tudo e para “A noite em que os sonhos não entraram”. Quando a Mãe Inácia sorri e o Pai Artur diz “o meu gaiato”, eu sinto que ainda tenho a minha casa. Trago comigo de 2016 os brindes com vinhos de muitos sóis, os cafés e os jantares à mesa dos amigos, os dias de “Cozido à Portuguesa” na casa da Mina e da Natália; os golos d

“These happy days with happy socks”

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Quando a Julie Andrews irrompeu pela RTP1 a entoar melodias, destemida e aos pulos pelas montanhas de Salzburgo, já os meus pais tinham recebido de presente de Natal, um tablet , para poderem falar connosco diariamente por Skype . O som da música, do coração dos Von Trapp , pois claro, nasceu um ano antes de mim; ali mesmo a tempo de me acompanhar em todos os Natais, desde a era do Telegrama e do Postal dos Correios a este tempo imensamente digital. As falas e os rostos são já tão familiares que será impossível sentir-me “sozinho em casa”. A mãe melou os nógados quase em cima da hora da ceia e há três fiadas dos ditos sobre a tábua mais velha do que eu, talvez da idade da película. A história dos nossos Natais, ao som da Julie Andrews , poderia escrever-se assim em linhas de mel e massa frita à chaminé. Antes que os anjos chegassem ansiosos por cear e nos apanhassem ainda de volta da mesa, resolvemos ir dormir quando a Baronesa tentava atrapalhar a história de amor entre

O Natal de 2016

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No roupeiro da casa de Vila Viçosa está pendurado um capote castanho que estreei no dia de Natal de 1975. - Compra-se grande porque o rapaz está a crescer. Vejo-o agora tão pequeno que custa a acreditar ser o mesmo das abas avantajadas que dificultavam transportar a mala às costas a caminho da escola. O mundo era imenso quando eu tinha nove anos, e me sentava no velho canapé colhendo o benefício das almofadas para chegar à mesa da ceia de Natal. Talvez o avô Chico tivesse fabricado uma ronca para cantarmos ao Menino Jesus, e de certeza que haveria Borrachos polvilhados de açúcar que comíamos acompanhados de cacau. Era o tempo em que não faltava ninguém entre mim e o sonho. Um tempo doce e lento que se espreguiçava enquanto sorriamos sem pressa. Fecho a porta do roupeiro, desço as escadas, passo pelo canapé, agora envernizado, e devolvo-me à Avenida. Sinto na cara o vento de Dezembro cumprindo a coerência fria do Alentejo interior. Sem esta brisa que gosto poderia

Quantos lápis e quantas cores...

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Quantos lápis e quantas cores seriam necessários para pintar com justiça a cidade guardada num beijo? Entre a geometria de ruas paralelas, perpendiculares ou diagonais num abraço de ângulos inéditos e improváveis, entre a irregular volumetria das colinas, as praças, as casas, as janelas… há um rio que corre lavando as margens, e que encontra o mar no ponto exacto onde o sol adormece para repouso da tarde e das gaivotas. O frio de Dezembro não resiste às luzes e às palavras de Natal, e a cidade toma pela fé da gente, as velas e as asas que a fazem partir muito para lá do espaço a que usam chamar seu. A cidade que mora num beijo é inacessível ao traço dos pintores e às palavras mais ousadas dos poetas, às cores; mas pela descrição que aqui faço, poderá pensar-se assim de repente que será Lisboa. Pelas pontes, pelo casario… É natural. O tempo e o espaço saltam inteiros connosco para dentro do beijo que o desejo inventa ao fim da tarde… junto ao rio.  

As luzes de Natal...

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As luzes de Natal oferecendo tectos ocasionais às ruas da cidade parecem querer contrariar o tempo que daqui até ao solstício se vai entretendo a distender a noite. E às vezes estas luzes vencem as portadas opacas das janelas e rasgam as sombras do quarto onde nos rendemos ao silêncio, sem o mínimo gesto de resistência ao entardecer. Que razões teríamos nós para temer a noite ? Na sala ao lado há um presépio em cama de linho onde um menino de barro repousa sob uma áurea coroa desembrulhada do algodão há não muitos dias . Que achará Jesus do meu presépio enquanto espreita as luzes assassinas que rasgam a escuridão das noites de Aleppo ? Que dirá da vela perfumada que lhe coloquei aqui quando afagar as faces cansadas dos meninos que tentam ajeitar-se ao recanto mais doce de uma qualquer fogueira improvisada ? Que pensará de nós ? O "pecado" das religiões é a tentação dos Homens "oferecerem" a Deus a face das suas vontades, em vez de tomarem como sua

Quantas vidas cabem na tarde de quem escreve uma história?

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Raras vezes a verdade se mostra muito facilmente a quem manifeste intenção de a espreitar... Aqui sentado a esta mesa de madeira e virado para o Palácio da Pena que muito ao longe coroa o Monte da Lua, acharia quem voasse frente à minha janela, que um homem mergulhou na Sinfonia Número 4 de Brahms para fugir à solidão. Quantas vidas cabem na tarde de quem escreve uma história? Converso com a Gertrudes numa casa grande de Vila Viçosa, vejo-a mais gorda a carregar baldes de água desde o poço do quintal até ao lava-louça, e até decido pôr no ar um aroma a Sericá acabado de sair do forno; só porque aquela cozinha está com um aspecto demasiado frio. Andei à procura das cores de Agosto no Alentejo e fiz com que o Manuel entrasse numa taberna para beber um copo de vinho. Desenho o sol, coloco estrelas numa noite de lua cheia, ponho versos na boca de alguém… Tudo, lentamente e letra a letra num desenho que se lê; por onde também passaram a Mariana, a Filipa e a Aurora

Agarro o tempo...

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Agarro o tempo que me abraça e me sussurra histórias ao ouvido; cuidadosamente e com as duas mãos, não vá escapar-me entre os dedos, discretamente, aquele segundo que há muito desejo. Há árvores jazentes na berma da estrada onde as pedras soltas me ferem o passo. Ardem-me os pés, mas se assim não fosse como poderia eu dizer que este é o meu caminho? Não nos pertence nada para lá daquilo que se sente. Tomei uma vara ali muito perto da fonte de onde bebi água fresca, e o pó que o meu corpo levanta e o vento arrasta, esmoreceu por instantes deixando claras as palavras. Ai se eu fosse poeta... Suspiro na saudade de um beijo no exacto momento em que descanso. Libertava as asas destes "nãos" que as tolhem e calaria de vez a pequenez dos horizontes, entregaria à sombra das árvores a mortalha das inconsequências, e buscaria o mar que o meu medo insiste em selar nos búzios. Continuo depois como quem acredita. Eu caminho para não fugir de mim. No bolso, uma

É a geometria...

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Recordo-me bem do tom gélido da noite sempre que saíamos do Castelo pela porta da Torre de Menagem. Acudia-me com pressa o xaile da minha avó, macio e rodeado de cadilhos que davam para entreter as mãos. Saio da novena da Senhora da Conceição com a minha mãe ao lado, e conduzo o carro que traça uma perpendicular com esse tempo de rapaz, ali por debaixo das alfarrobeiras que ladeiam o Pelourinho. As mesas são compridas e oferecem um espaço generoso para as gargalhadas, que o riso mais do que o pão, nos envolve numa noite em que os plátanos não resistem mais à nudez e nos enfeitam os carros com folhas da cor do Outono. Não importa se nascemos no mesmo ano, por acaso, sim, em 1966; não importa se partimos, se ficámos, o que foi que fizemos com o tempo... Temos a cumplicidade suprema de quem brincou sobre o mesmo chão, e esta noite fria de Dezembro traça uma linha perpendicular ao tempo em que rasgávamos os joelhos nos troncos das árvores do Rossio para conseguirmos comer a

O mundo inteiro…

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No nosso quintal há uma gaivota que chega sempre ao fim da tarde para brincar com a giesta e o alecrim, e por isso nunca saberemos se Portugal é um pedaço de terra ou se é tão-só o próprio mar. Os braços em cruz, pela fé, são mastros de caravelas que tomam do peito a vontade e partem traindo a solidão das praias, tatuando no vento um travo audaz e inédito de liberdade. Nos espigueiros onde o milho adormece a sonhar o pão, no vinho que o sol aqueceu e escorre fiel dos nossos passos, nas encostas matizadas pelo rubro tom das cerejas, no canto do sul nascido dos abraços…   O mar? A terra? Não interessa perguntar o quê ou qual. Está o mundo inteiro guardado nesta aparente pequenez: Portugal!