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A mostrar mensagens de fevereiro, 2021

Não sou ateniense, nem grego…

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Depois de tantos anos a sorrir, mas em tons de amarelo, àquela graça feita da dedução pacóvia e bacoca de: - És alentejano, então és comunista. Confesso que ainda não me acostumei à novíssima versão, supostamente nos antípodas da outra: - És alentejano, então és fascista. Curiosamente, sem eu jamais ter votado, ou fazer intenção de votar, nos partidos envolvidos em tal contenda, e continuando, impenetravelmente orgulhoso desta graça de ter nascido aqui, na terra única e generosa, que se distende e alisa ao sol e à lua, para que jamais nos falte a luz. Mas para que é que interessa a minha identidade? Dá muito mais jeito ser assim, ser primário e irrefletido, classista e elitista, colocando os rótulos sem “perdermos” tempo a olhar, com reais olhos de ver, para a pessoa que temos à frente. Por falta de tempo, mas, quase sempre, por déficit comprovado de inteligência e pela sua consequente cegueira. A identidade, por estes dias, é um privilégio reservado ao próprio na glóri

As botas de dormir… e as outras

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A minha avó Natividade, mãe do meu pai, comprava a lã em meadas, e eu ajudava-a a preparar os novelos que lhe permitiam tricotar com muito maior rigor e facilidade, as botas de dormir que ela “perfumava” de todas as cores. Eu estendia-lhe os meus braços pequenos, oferecendo-os à meada devidamente esticada, e a avó ia compondo os novelos, tendo por núcleo, quase sempre, um pedaço de cartão de alguma caixa velha, ou então, a página de uma revista que já perdera a atualidade. É quarta-feira de cinzas e o dia amanheceu soalheiro, percecionando-se o sorriso de um Alentejo contente por ter as ribeiras e as bacias cheias de água. Agora, sim, poderá chegar a primavera. Neste primeiro dia da quaresma faço-me à rua sem sobretudo e sem casaco, e subo ao castelo, para ir visitar esse chão sagrado que é leito e altar dos meus mortos. Visito-os um a um, devagar, e a começar pelo meu pai, sentido que o traço dos meus passos lentos sobre a calçada de pedra, me oferece a saudade, que associada

A biópsia do sonho

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Por estes nossos dias longos e demasiado tranquilos, o céu é um generoso lugar à janela, sem vertigens, acordado que permanece o sonho, com a ajuda líquida, e desinteressada, de um café “costurado” em casa. E se não existe carro, navio ou avião, resta-nos a viagem de algum verso ou de qualquer prosa, para contrariamos as dificuldades de acesso, e chegarmos lá, ao longe ou ao fundo do ser, recolhendo detalhes dessas vontades que nos movem, e que nos revelarão, subtilmente ou não, no longo rumo da História. Realizada essa biopsia do sonho, temos amostra e tecido para cultivarmos na “terra” fértil dos braços, que são como os canteiros que nos acompanham sempre, e onde, sem pressa ou desespero, se prepara a primavera. Onde tudo renascerá, incluindo as portas abertas, os degraus com acesso para a rua, a pele que não tem medo de procurar outra pele, o copo de água fresca partilhado à beira da fonte, o verbo e o beijo desprovidos do pudor do tecido da máscara. Tanto mundo e tantas Lis

Jamais importará o que alguém nos diga

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Sempre que brincávamos, de manhã, construindo uma cabana com o lençol de cima, que, preso no “pirolete” da cama de ferro forjado, ficava em risco de se rasgar, nós já sabíamos que a nossa casa era muito mais do que aquele brevíssimo primeiro andar rodeado pelos melhores vizinhos que algumas vez tivemos. Por essa altura, tu acreditavas que o mar passava rente à janela, e que viria buscar-te, a qualquer hora, para ires ajudar o Marco a encontrar a mãe, esquecida que estava há muito, aquela outra vontade de seres pastor, só para ires brincar para as montanhas com o Pedro e a Heidi. Eu também sonhava, mas com o dia em que um helicóptero me viria resgatar pela varanda, para poder ir a um palco qualquer, e vencer a Eurovisão, por Portugal, é claro. Nessa idade, com quase cinco anos de diferença, eu adorava ser desmancha prazeres, explicando-te que depois do vinte e nove não vem o vinte e dez, mas sim o trinta. O trinta e um viria, quiçá, logo a seguir, se tu não acudisses de imediato, qu