Não sou ateniense, nem grego…


Depois de tantos anos a sorrir, mas em tons de amarelo, àquela graça feita da dedução pacóvia e bacoca de:

- És alentejano, então és comunista.

Confesso que ainda não me acostumei à novíssima versão, supostamente nos antípodas da outra:

- És alentejano, então és fascista.

Curiosamente, sem eu jamais ter votado, ou fazer intenção de votar, nos partidos envolvidos em tal contenda, e continuando, impenetravelmente orgulhoso desta graça de ter nascido aqui, na terra única e generosa, que se distende e alisa ao sol e à lua, para que jamais nos falte a luz.

Mas para que é que interessa a minha identidade?

Dá muito mais jeito ser assim, ser primário e irrefletido, classista e elitista, colocando os rótulos sem “perdermos” tempo a olhar, com reais olhos de ver, para a pessoa que temos à frente.

Por falta de tempo, mas, quase sempre, por déficit comprovado de inteligência e pela sua consequente cegueira.

A identidade, por estes dias, é um privilégio reservado ao próprio na glória do eu, que erguendo rotundas com o seu ego ao centro, em monumento de sublimação, gira incansavelmente em torno de um êxito, quase invariavelmente, fruto da própria, e infinita virtude.

O êxito sou eu, e o pecado mora ao lado, ou mais além, no vós ou no eles, porque nem sequer se ousa compartir tal dor em algum milésimo detalhe do nós.

Ou não fosse a solidariedade, há muito, um muito deprimente conjunto vazio. E bem poderão vir pandemias…

Pelo meio, eu, que não importa se sou honesto ou não, se tenho ou não os impostos em dia, se cumpro, ou não, escrupulosamente, os meus deveres de cidadão, sou um peão anónimo a dançar, algures, entre o Lenine e o Mussolini.

“Não sou ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo”, afirmou Sócrates, e, por isso, procurem-me a mim, e a toda a gente, no mundo imenso que temos dentro, e também naquele outro que tecemos pelas próprias mãos, ao redor de nós, mas no diâmetro generoso de não excluir ninguém e a todos permitir a sua identidade, com a chance de cada um respirar pela suprema liberdade, que jamais terá dono ou pátria.

Se a todas tratarmos por igual, lá vão as flores do espigar da couve receber de bandeja, e injustamente, o benefício do perfume que nos oferecem as rosas.

“Só serei eu se for tudo o outro”, disse um dia o Senhor Professor Agostinho da Silva.

Louvemos a inteligência, dando uso e treinando o pensamento e o exercício da justiça relativamente a nós e aos demais.

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