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A mostrar mensagens de março, 2012

Uma voz que brada no deserto

Comecei por me indignar com o título do artigo: “Tenho vergonha do meu País”, afirmação atribuída a D. Januário Torgal Ferreira, Bispo Português com a responsabilidade das Forças Armadas. Tenho orgulho no meu país e na maioria das pessoas minhas concidadãs e jamais conseguiria admitir esta avaliação que fora do contexto me soava tremendamente injusta e me parecia à partida um erro de extrapolação de uma parte para o todo. Há muito que admiro D. Januário Torgal Ferreira, como Homem da Igreja e Homem de coragem e por essa razão, e também porque estou demasiado habituado à descontextualização pelos jornalistas das afirmações que fazem vender jornais e revistas, dei-lhe todo o meu benefício da dúvida e mergulhei no conteúdo da sua entrevista recente à TSF, de onde esta afirmação foi retirada. Em boa hora o fiz porque reencontrei um Homem de uma lucidez extraordinária e na convergência das suas com as minhas opiniões, enraizei o orgulho de o ter como pastor da Igreja a que pertenço. Rec

Um fondue com o molho da verdade

A vida oferece-nos o prazer sublime de uma teia de afectos, infinita, porque cada pessoa que entra e se incorpora na nossa vida, traz outro ou outros amigos também, tornando natural a sugestão feita canção pelo grande Zeca. Confesso-vos que o meu optimismo militante que me faz acreditar que o melhor está sempre reservado para amanhã, é em grande parte alimentado por esta imparável “avalanche de amizade” que beneficia quem se entrega e disponibiliza aos outros. Quem investe em afectos, obtém depois os naturais dividendos e jamais terá de admitir a solidão. Ontem ao serão, em volta de um fondue de carne, sentaram-se quatro pessoas, eu e mais três, num grupo impossível de imaginar há cinco meses atrás. O que nos uniu assim num espaço tão curto de tempo no contexto das nossas vidas todas acima dos quarenta anos? Mais do que o jantar ou a amizade que já unia alguns de nós, a essência deste encontro residiu no facto de nenhum de nós se demitir de viver intensamente, de não fugirmos a da

A festa da primavera

Dizia o meu avô Francisco que desde que o Homem pousou na lua, nunca mais o clima foi o mesmo. Perdeu-se a previsibilidade e alterou-se definitivamente a cadência natural das estações. Jamais os astronautas terão a noção da sua culpa, mas por este raciocínio, serão eles os responsáveis pela morte dos ditados populares que nos definiam os meses, porque “Março, marçagão, manhãs de inverno e tardes de verão”, é mesmo coisa do passado. Seja como for, com ou sem manhãs de inverno, impôs-se a tradição do calendário e a primavera começou por estes dias. Mas, ao contrário de antes, em que a dita começava sempre a 21 de Março e por isso se comemorava o Dia da Árvore, agora sabemos com exactidão o dia, hora, minuto e segundo da sua chegada. Como se isto fosse necessário, e não soubéssemos nós, os Homens do campo, o exacto momento em que o inverno se despede para uns meses de ausência? Para além de ser do campo, tive o privilégio de fazer os meus treinos em “Chegadas da Primavera” em Vila Vi

Artur

Nasci por ti e de ti, e continuo a nascer sempre que o meu olhar repousa no teu e bebe desse afecto infinito que é a expressão do amor perfeito e maior do universo. Cresci apoiado em ti, no conforto dos teus cuidados, sob a tua atenção constante e com a tua presença segura que foi rocha, alicerce e raiz do meu ser feliz. Ensinaste-me o inquestionável valor da liberdade e da responsabilidade que nos fazem ser Homens, treinaste-me nos valores nobres no ser e provaste-me como é vã e oca a triste ilusão do ter. Meu exemplo, meu inspirador e meu mestre da vida. Pelo amor que te tenho, não sei onde um de nós acaba e o outro começa, nesta intimidade de vidas entrelaçadas não apenas pelo sangue, mas sobretudo pela história e pelos sonhos que alimentam o futuro que não desistimos nunca de planear longo. Mas sei que tudo é melhor e diferente porque te tenho hoje e te tenho em todos os meus dias. Muito obrigado por tudo, e sobretudo, por seres o melhor pai do mundo.

Um improvável post por encomenda

Desde que inaugurei este Pomar há dois anos atrás, tenho recebido de múltiplas formas, os mais variados incentivos de todos vós, sentindo-me estimulado a continuar a dar-lhe vida. Todos têm sido especiais e por isso vos estou eternamente grato. Permitam-me no entanto que partilhe convosco o elogio que ontem me chegou na estranha forma de um post por encomenda. O meu pai não tem um Computador Pessoal, nunca trabalhou com um computador, nunca fez uma consulta na internet, não faz ideia do que seja o Facebook, e seria portanto a última pessoa que eu esperaria me fizesse um pedido para que eu no meu blogue divulgasse um evento em cuja organização está envolvido. Mas ontem ligou-me e fez o pedido. E fê-lo com toda a certeza motivado pela forma como lhe têm chegado os “ecos” do Pomar e por isso senti-me lisonjeado. Claro que como a um pai não se pode dizer que não, aqui estou eu então a cumprir o que lhe prometi. Já ouviram falar no Baile da Pinha? Trata-se do único baile permitido n

A cidade mais bonita do mundo

A provar que a vida é verdadeiramente como os interruptores, ou numa versão mais clássica como os alcatruzes da nora, nesta intermitência entre o alto e o baixo ou o positivo e o negativo, se a viagem que fiz de Lisboa para Amesterdão, e que vos relatei ontem, foi na companhia da crónica depressão Portuguesa, eis que a viagem de regresso teve um momento fantástico ao nível do melhor da Alma Lusitana. Com o avião já quase a aterrar em Lisboa, o comandante tomou a palavra e disse: - Muito boa noite senhores passageiros, fala-vos de novo o comandante para vos dar as últimas indicações sobre o nosso voo, agora que nos preparamos para aterrar na cidade mais bonita do mundo… Uau. Nem mais. Para os que entendíamos Português a mensagem estava dada mas fiquei na expectativa da conversa em Inglês. O comandante não me desiludiu: - … the world most beautiful city… Não sei como se chama este piloto da TAP mas para que conste sempre digo que foi o responsável pelo voo TP661 entre Amesterdão

Povo triste

“Às vezes pergunto-me por que diabo fui eu nascer neste lugar do mundo e, ao olhar para estes rostos tão pouco inspirados, duvido de mim mesma. Sou como eles?” Estou na Sala de Embarque do Aeroporto de Lisboa e leio no jornal estas palavras retiradas de uma carta de Vieira da Silva para Arpad. Às primeiras impressões não me resultam agradáveis, afinal de contas os meus avós estavam no “eles” e por isso tento enquadrá-las no seu tempo. Recuo até aos anos da ditadura e compreendo que nem a gente tenha motivos para sorrir e se mostrar inspirada, nem a artista tenha razões para se inspirar em algo do que lhe é dado ver num país e num regime em que a tristeza é orgulhosamente assumida como parte dos atributos da marca Portugal. Levanto os olhos do jornal, devolvo o pensamento ao olhar e regresso ao espaço em que me encontro. Século vinte e um, um país diferente e eu busco a prova dessa diferença. À minha frente há uma televisão que transmite o programa de maior audiência da televisão Po

Obrigado

A nossa história pessoal vai-nos oferecendo memórias, e tempo fora, os lugares, os acontecimentos, e sobretudo as pessoas, constituem-se como as raízes que vão alimentando a nossa identidade e nos dão o carácter único dos seres que somos. À sombra das laranjeiras deste Pomar, já vos convidei muitas vezes a mergulhar nas raízes das minhas maiores e melhores memórias. Hoje faço-o mais uma vez. Mas, ao contrário de todas as pessoas que aqui fui revisitando convosco, esta é por certo a pessoa com quem menos privei, que pior conheci, mas que mesmo assim foi decisiva para que eu hoje seja quem sou e viva feliz por sê-lo. No inicio dos anos oitenta, encontrava-me a terminar os estudos do Secundário em Vila Viçosa, e se as classificações obtidas permitiam sonhar com a frequência de um curso universitário, a bolsa manifestava-se em sentido contrário. A vinda para Lisboa implicava a soma de muitas e gordas parcelas e o orçamento familiar não era farto o suficiente. É neste contexto que entra

Os dias do Homem

Não compreendo e não aceito que se comemore o Dia Internacional da Mulher, e tudo pelo respeito que tenho pelas mulheres, que é exactamente o mesmo que tenho pelos homens. De forma instintiva e natural, assumo no que penso e no que faço, convictamente, este respeito pela pessoa humana, com independência do género em causa. Compreendo o facto de no passado ter sido necessário alertar para a exploração da mulher e para a incompreensível submissão desta ao poder vigente e que era invariavelmente o “poder dos machos”, mas hoje em dia, a igualdade é parte integrante desta marca de liberdade que queremos dar ao Século XXI e como tal, atribua-se ao Homem, seja ele homem ou mulher, a totalidade dos dias. O homem e a mulher deverão ser sempre avaliados pelos mesmos parâmetros e as oportunidades que se lhes ofereçam devem ser coincidentes. Não aceitarei jamais a ideias de quotas mínimas obrigatórias para mulheres pois quaisquer lugares ao nível político, empresarial ou outro, devem estar dest

De Gracinda a Grace ou o ensaio sobre a nossa incompetência

O dia anunciava-se solarengo, o que por Londres é uma raridade, pelo que cedo nos levantámos para atacar um British Breakfast que nos desse forças para uma grande caminhada. Chegados ao restaurante escolhemos mesa e fomos atendidos por uma simpática funcionária. Comentei com o Paulo: - Tem cara e ar de Portuguesa. Mas ao mesmo tempo reparei que o nome que tinha na sua placa de identificação era Grace, e mudei de ideias. Uns instantes depois, ao ouvir-nos falar na língua de Camões, a Grace reaproximou-se e confirmou que era tão Portuguesa quanto nós. Partilhou connosco a sua história, confidenciando-nos que tinha uma licenciatura e um mestrado na área da saúde mas que tinha sido impossível arranjar um emprego em Portugal, e por isso, e para subsistir e poder ganhar um salário que lhe permitisse viver com o mínimo de dignidade, tinha emigrado e estava há um ano a trabalhar como empregada de mesa naquele restaurante. Falou-nos do difícil que era viver longe de Portugal e da família

Margaridas e aromas de esteva nos vales do Paraíso

Na tarde de um domingo do último mês de Janeiro, um daqueles dias em que a intensidade do sol nos faz esquecer o frio e o inverno, saí para passear no campo com o meu irmão e o meu Tio Filipe. Há décadas que não o fazíamos, e comigo ao volante, por certo nunca o tínhamos feito. Passámos por montes e quintas, andámos por atalhos, falámos de pessoas de antes e do presente, lembrámos acontecimentos das nossas vidas e, sobretudo, desfrutámos da tranquilidade que só o Alentejo nos oferece e da qual só nós alentejanos conseguimos desfrutar. Chegados ao Monte do qual o meu tio cuidava, saímos do carro, e enquanto eu e o meu irmão vagueámos terreno fora naquele doce delírio de quem tem a oportunidade de por momentos voltar à casa da sua infância e avivar a memória dos cheiros, das cores e dos sons, o Tio Filipe, sentou-se num velho banco de pedra à sombra de uma árvore. A doença ia avançada e a dificuldade em respirar limitara-lhe definitivamente a mobilidade e matara-lhe aquele prazer que