Uma voz que brada no deserto

Comecei por me indignar com o título do artigo: “Tenho vergonha do meu País”, afirmação atribuída a D. Januário Torgal Ferreira, Bispo Português com a responsabilidade das Forças Armadas.
Tenho orgulho no meu país e na maioria das pessoas minhas concidadãs e jamais conseguiria admitir esta avaliação que fora do contexto me soava tremendamente injusta e me parecia à partida um erro de extrapolação de uma parte para o todo.
Há muito que admiro D. Januário Torgal Ferreira, como Homem da Igreja e Homem de coragem e por essa razão, e também porque estou demasiado habituado à descontextualização pelos jornalistas das afirmações que fazem vender jornais e revistas, dei-lhe todo o meu benefício da dúvida e mergulhei no conteúdo da sua entrevista recente à TSF, de onde esta afirmação foi retirada.
Em boa hora o fiz porque reencontrei um Homem de uma lucidez extraordinária e na convergência das suas com as minhas opiniões, enraizei o orgulho de o ter como pastor da Igreja a que pertenço.
Recusa ser cúmplice na acção que desapossou da sua dignidade e do respeito por elas próprias, a uma multidão de pessoas, e afirma ter vergonha “porque numa casa onde os mais pequenos não se podem sentar à mesa e comer do mesmo pão, que é o pão dos direitos e da dignidade, quem estiver a presidir à mesa deve sentir-se cúmplice”.
Assume a sua, e que é também a minha responsabilidade como Católico, afirmando que “ se nos dizemos Igreja, servidores do mundo, devo sentir-me cúmplice e não devo dormir tranquilo perante toda esta multidão de pessoas que já foram desapossadas da sua dignidade, do respeito por elas próprias e a quem as promessas vão no pior sentido”.
Com coragem e sem medo de olhar para o passado, D. Januário lembra os tempos de Salazar e afirma sentir vergonha da submissão da Igreja ao ditador e ao seu regime, lembrando que os Homens da Igreja foram educados no medo e não na liberdade e no à vontade de dizer o que pensam.
Subscrevo as suas afirmações porque numa Igreja que se inspira em Jesus Cristo, o Herói de todas as rupturas e que sempre se recusou a sentar-se à mesa com os poderosos, é inadmissível e estranha a dimensão da submissão ao poder.
Afirma ainda, continuando pela mesma linha da coragem, que hoje em dia, uma pessoa que toca em aspectos sociais é alguém que é de esquerda. “Mas então honra seja feita à esquerda”, afirma, apontando que há muitos comunistas que são mais católicos que muitos católicos”.
Bravo, D. Januário, e muito obrigado, por em tempos de quaresma ser esta voz forte e de grandes e gratas convicções que brada no deserto das ideias e da coragem que marcam o nosso tempo.
É com Homens assim que se mudam os tempos e se acerta o passo com a História.

Comentários

  1. Mas é com títulos de notícias assim que muitas vezes somos levados em erro...

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