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A mostrar mensagens de outubro, 2017

O homem e a montanha

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Numa manhã de Outono, o homem saiu de casa muito cedo, abrigando o corpo do frio, e apoiando-se no bordão de tudo aquilo que já viveu no tempo que enfeitou de rugas a sua idade. Subiu a montanha à sua frente, devagar, a passo curto, conversando, em silêncio, com as ervas do caminho, enquanto o sol penteava o horizonte usando todas as cores que moram na claridade. Os bolsos grandes, de um e outro lado do fato, guardam pedras colhidas aqui e ali, búzios da terra que contam a história da estrada e do caminheiro. É forte a tentação de olhar para trás, mas resiste, porque ele sabe que a verdadeira dimensão de um homem é o destino que assume ter à sua frente. Mais um passo, outro... e finalmente, o topo. Ali, o vento sopra versos que aprendeu com as árvores e os pássaros, o horizonte espreguiça-se em novos dias para caminhar, e as nuvens, essas que o povo diz trazerem novas de Alcácer nas manhãs da esperança, são os gestos de um céu que se curva só para nos vir beijar. Mais logo, à

O abraço do velho sábio

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Há um velho sábio sentado na torre do edifício mais alto que ladeia a praça, ali, entretido à conversa com os outros pássaros, que vão e vêm no seu voo de mil anos. A morte, que apenas soterra as mãos e os lábios, liberta-nos do desconforto das forças centrípetas e desata-nos as asas para que toquemos, bem lá no cimo, as palavras todas que os heróis lançaram ao céu no seu grito de liberdade. Esta semana pedi ao meu querido amigo José Manuel Delgado que me enviasse desde a sua Andaluzia, um desenho dos muitos que vai fazendo e eu vou espreitando pelo Facebook . Pedi-lhe um desenho que contasse uma história. Este que recebi e encima o texto carrega em si a memória de um facto real ocorrido no dia 4 de Fevereiro de 1888, quando na sua terra, Riotinto , na serra de Huelva, uma grande manifestação reclamava contra os baixos salários praticados pela companhia mineira, e também contra a poluição da queima do minério a céu aberto, indutora de gases que roubavam a fertilidade dos

Buscando o inverno

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Quando Outubro nos rouba a fina subtileza dos trajes de água, emergem na tarde quente, e como que em íntima prece ao céu, as marcas da história que trazemos coladas ao peito. Pessoas, beijos, deceções, desapegos, encontros, silêncios, ilusões, crenças e mágoas… Tudo registado e perene, no coração, moldando por dentro, a epidérmica orografia que lhes oferece um teto e uma casa. Passos que tomaram matrícula das vontades da alma descansam agora sonolentos na berma das rugas, essas estradas que foram nossas e secaram pelo desamor ou pela má sorte. Mas o inverno talvez não tarde e cubra de fontes os dias que virão, semeando flores e pão sobre este esqueleto que a idade, aos poucos, foi tecendo. Quem olha para o passado, não vive, limitando-se a rodopiar num círculo fechado, sucumbindo pela vertigem, e magoando-se ao tropeçar nas lápides que jazem por ali. Vive quem toma o tempo e bebe o fôlego das suas águas soltas, caminhando sem temer o desconhecido que existe para lá do

O açúcar

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Engana-se quem pensa que a vida é o caminho para uma cova apertada e escura. Abraçados pelo sol no conforto de um velho banco de madeira, que é o próprio tempo, cada livro que lemos, cada cidade a que oferecemos os pés e o olhar, cada beijo, cada verso, as palavras todas, as paixões, as praias onde falámos, sós, com o mar... Oferecem-nos troncos, ramos e folhas que encurtam a distância para o céu; e é por aí que vamos. Esta semana partiu um velho amigo de Vila Viçosa, vizinho da mesma rua em casas frente a frente, rapaz da minha idade, colega de escola e de muitas brincadeiras. No inevitável revisitar das memórias desse tempo, deparei-me com os curtos passeios que fazíamos às vezes entre a nossa Rua de Três e o Convento da Esperança, onde vivia a sua avó, a D. Ascensão, que nos dava de lanchar: pão barrado com banha e depois polvilhado com açúcar. Nós, os que não precisamos de perfumar a nossa existência com os aromas de povo, porque o somos verdadeiramente na essência e