O açúcar


Engana-se quem pensa que a vida é o caminho para uma cova apertada e escura.
Abraçados pelo sol no conforto de um velho banco de madeira, que é o próprio tempo, cada livro que lemos, cada cidade a que oferecemos os pés e o olhar, cada beijo, cada verso, as palavras todas, as paixões, as praias onde falámos, sós, com o mar... Oferecem-nos troncos, ramos e folhas que encurtam a distância para o céu; e é por aí que vamos.
Esta semana partiu um velho amigo de Vila Viçosa, vizinho da mesma rua em casas frente a frente, rapaz da minha idade, colega de escola e de muitas brincadeiras.
No inevitável revisitar das memórias desse tempo, deparei-me com os curtos passeios que fazíamos às vezes entre a nossa Rua de Três e o Convento da Esperança, onde vivia a sua avó, a D. Ascensão, que nos dava de lanchar: pão barrado com banha e depois polvilhado com açúcar.
Nós, os que não precisamos de perfumar a nossa existência com os aromas de povo, porque o somos verdadeiramente na essência e no gosto pela liberdade, aprendemos a colocar um doce sentido sobre tudo aquilo, pouco, que temos, acrescentando troncos à árvore que sonhamos, e no cimo da qual é tão mais fácil partir a voar.
Às vezes, numa tarde quente de Outono.


(Agradeço a foto ao meu amigo José Marques – Kirstenbosch National Botanical Garden / Cidade do Cabo)

 

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