O homem e a montanha


Numa manhã de Outono, o homem saiu de casa muito cedo, abrigando o corpo do frio, e apoiando-se no bordão de tudo aquilo que já viveu no tempo que enfeitou de rugas a sua idade.
Subiu a montanha à sua frente, devagar, a passo curto, conversando, em silêncio, com as ervas do caminho, enquanto o sol penteava o horizonte usando todas as cores que moram na claridade.
Os bolsos grandes, de um e outro lado do fato, guardam pedras colhidas aqui e ali, búzios da terra que contam a história da estrada e do caminheiro.
É forte a tentação de olhar para trás, mas resiste, porque ele sabe que a verdadeira dimensão de um homem é o destino que assume ter à sua frente.
Mais um passo, outro... e finalmente, o topo.
Ali, o vento sopra versos que aprendeu com as árvores e os pássaros, o horizonte espreguiça-se em novos dias para caminhar, e as nuvens, essas que o povo diz trazerem novas de Alcácer nas manhãs da esperança, são os gestos de um céu que se curva só para nos vir beijar.
Mais logo, à noite, as pedras do bolso e o bordão avivarão a memória que sentará com o homem, à lareira, todas as coordenadas de um inédito chão.
Mas, denunciado pela foto que nos enlaça, está um detalhe essencial da história deste dia árduo, mas inteiro.
O homem caminhou sempre envolto pelo abraço maior, a sombra do seu companheiro.


(Agradeço a foto ao meu amigo Paulo Nande)

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