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A mostrar mensagens de setembro, 2014

Pai Natal em Setembro

Quando uma criança de seis anos nos olha com um ar entre o surpreendido, o intrigado e o feliz, franze o sobrolho e espontaneamente nos atira: - Tu és o Pai Natal! É impossível não sentir que já atravessámos a estrada do tempo e estamos definitivamente do outro lado da magia. Ele sente a necessidade de justificar-se perante a admiração manifestada pelos pais: - Tens as barbas brancas. Mas eu resolvo entrar no jogo: - Pois sou o Pai Natal. Só que hoje resolvi vir vestido de outra forma e não vim de vermelho. Foi a minha vez de surpreender porque definitivamente ele não deve estar habituado a que alguém com as barbas já tão brancas, a assim com algum jeito de ter juízo de adulto, se disponha a entrar na sua brincadeira, levando-o a sério. E continuo: - Se quiseres diz-me quais os presentes de Natal e assim já não tens de escrever a célebre carta. Os pais assustam-se mas o pedido vem logo de seguida: - Quero os Stikeez . Não me surpreende, o meu sobrinho Luís and

A face nova de todas as velhas ruas

A lua nova acesa atrás de mim é irmã da cidade que descubro diferente quando lhe entrego o meu olhar. As mesmas ruas, os mesmos templos, as mesmas casas… mas tudo se revela novo nesta hora em que o teu respirar insufla no meu a atmosfera única dos mais perfeitos beijos de amor. Os teus lábios a temperarem de sonhos e rosas, a brisa fresca e cor de Tejo, da noite de Lisboa. E aquele abraço… Aquele instante em que a minha mão se funde com a tua e descemos juntos com a cidade aos nossos pés, sem sabermos nunca onde acaba um, onde começa o outro; felizes juntos e apenas porque este Outono é nosso, como serão todas as demais estações. E bebo do teu cheiro e sinto a minha pele a saciar-se na tua… No Carmo, a liberdade transpira de todos os recantos, das tílias, da promessa lilás dos jacarandás; e nós, os filhos da madrugada, fazemos desta hora a festa rubra de todas as flores. Cumpre-se o amor sem os grilhões que lhe apagam a verdade, e assim se grita a liberdade. Gosto tan

O anormal ali era eu

A pequena Jéssica, chamemos-lhe assim por inspiração do seu fato de treino cor-de-rosa com a “Hello Kity” da cabeça aos pés, é claramente uma princesa para o pai, que olha embevecido para aquele esplendor anafado ao estilo de uma “Morcela de Burgos”. A mãe, precursora daquela forma extra lipídica de ser, parece ter andado a roubar roupa a gente que vestia três números abaixo dela, e os calções deixam-lhe as pernas à porta do casting para o anúncio aos melhores presuntos de Chaves. Bebe o café revelando umas unhas pintadas de vermelho mas já muito descascadas, não se percebendo muito bem se estão a meio caminho da acetona ou do próprio verniz comprado na banca da Feira de Carcavelos. Há ainda um irmão com piercings e que rapou parte da abundância de pêlos das pernas para fazer uma tatuagem com uma figura imperceptível; mas esse, recostado na cadeira como se estivesse na praia, nem levanta os olhos do i-phone . A mãe fala com o pai mas este só lhe responde com monossílabos emit

Há tanta vida que se esconde nos dias escuros

É noite de uma segunda-feira que inundou Lisboa, e chove também copiosamente quando já noite, eu me despeço de Vila Viçosa da forma de sempre, rezando uma ave-maria à Senhora da Conceição ali naquela rampa que liga o Terreiro do Paço e o depósito da “cegonha” e me faz passar ao portão do meu velho liceu. Tenho sempre a sensação de que expresso um “até já” a tanta coisa minha que persistirá sempre por ali. Sigo… A auto-estrada para Lisboa está um breu só rasgado pelos faróis do meu carro e de uns muito poucos que se cruzam comigo, e também pelos relâmpagos da trovoada que generosamente me vão revelando a elegância dos sobreiros e dos montes, meus fiéis companheiros em tantas tardes de viagem pelo Alentejo. E não fosse a trovoada, até o castelo de Evoramonte passaria despercebido, ganhando no entanto com estes flashes , um semblante misterioso a lembrar os sumptuosos repousos eternos dos desinquietos espíritos dos condes da Transilvânia. Não vejo corvos a rasgar os céus. Só

Um cardápio demasiado pobre

No meu país a grande maioria das pessoas está objectivamente de costas voltadas para a política, e quem não está parece virar-se para o “Costa”, muito empenhado nas primeiras “Primárias” nacionais, num tempo em que este léxico até foi retirado às escolas que passaram a ser “Básicas”. Mas primária ou básica, pouco importa, para a escola ou para o ideário deste “estrabismo socialista” que parece motivar mais pela atracção pelo poder do que propriamente por um projecto exequível e credível, o qual ainda estará a ser construído tendo em vista o calendário eleitoral. Para quem pede eleições antecipadas há tanto tempo… Do outro lado dão-se “Passos” para as eleições que supostamente todos deveríamos mandar “lixar” a bem da nação; e directamente do “Cadafalso”, o carrasco que há muito nos cortou a cabeça quer pôr-nos na boca um rebuçado adocicado por migalhas de IRS ou Salário Mínimo. Meu amigo, só pode ser para que os nossos cadáveres fiquem mais doces e as formigas (as mesmas ou ou

Derrota? Uma vitória por goleada.

Há dias em que o mundo parece ter sido convocado por alguma entidade divina para nos massacrar arduamente e testar o nosso espírito de resistência… Hoje foi assim. O despertador tocou ainda o sol não tinha nascido, o arrancador da lâmpada fluorescente da cozinha não cumpriu a sua função e o pequeno-almoço foi tomado às apalpadelas, o café da vizinhança não abriu hoje por motivos de ordem pessoal e não houve hipótese de tomar uma bica, o trânsito para Lisboa estava caótico e a esperança de encontrar fluidez ao virar de cada esquina foi sempre uma ilusão, as “louras” motivaram dezenas de apitadelas por se esquecerem que há piscas no carro, as pessoas estavam antipáticas, os guarda-chuvas pingavam-nos os pés nos elevadores, a fila para a bica estava como a do trânsito… À medida que as situações se sucedem, nós vamos sentindo interiormente uma fúria a trepar por nós que nos vai tomando conta da voz só entregue agora a monossílabos lançados como pedras, os olhares transformam-se em

Estas palavras que nos oferecem asas

Quando o silêncio se impõe a qualquer hora, pesa muito e faz com que me sinta só; confesso-vos que a esferográfica e um pedaço de papel são os meus melhores amigos. Por palavras vou registando tudo aquilo que a mente vai ditando, e de repente, morreram os impossíveis, o silêncio também foi enterrado com eles... e eu estou muito para lá das quatro paredes onde fisicamente me encontro; com o privilégio de estar onde quero realmente estar. E com quem quero estar. Do meu quarto vejo um jardim com plátanos de folhas amarelecidas e avermelhadas, sinto o Outono, e leva-me a memória para os finais das tardes de Vila Viçosa, quando o aquecedor já se agradecia aceso por detrás do balcão da Livraria Escolar, servindo simultaneamente para assar bolotas e castanhas que nos aqueciam as mãos e a alma, esta então solta e empenhada em tantas histórias. Acho que foi aí que aprendi a força das palavras e me fiz eternamente seu amigo, aprendendo a voar com elas muito para lá do óbvio, por mais q

Dublin por uma montra

Estou só numa mesa próxima da montra Bebo um chá de jasmim Quente Muito quente E assim… Com o i-phone desligado por falta de bateria Sem nada para ler O que me resta? Olhar a gente Que mais poderia ser? Passa um homem de bigode Franzino mas espigadote Que para beijar a loura que vai à sua frente Só se fosse de escadote E de repente… Passam três senhoras carregadas de ouro Que pelo tamanho comprido da saia E pelo dossier tão antigo que levam consigo Eu diria Vêm da igreja e do ensaio do coro Vejo um gordo que se abana a cada passo Dois homens envolvidos num abraço Uma rapariga de cabelo lilás Que pelos sacos que traz Esgotou a Zara Uma velhota de cachecol Que para sair a esta hora Por certo o fez por pão mole Quase é atropelada Por um rapaz que corre nos passeios e na estrada E que… suado Com o cansaço que leva Pode ir para qualquer lado Mas não para muito longe Do mesmo lado das do coro Passa então um com

Até o Liffey ganhou ares de Tejo…

Numa conversa que começou com assuntos exclusivamente profissionais e que desembocou em Portugal com a admiração e o porquê de eu falar um Castelhano fluente (Juan Blas andas sempre a ser falado!), uma médica de nome Maria, da Cidade do México e, suponho, porque não lhe perguntei, com uma idade algures pelos setenta anos; disse-me que conhecia muito bem Lisboa e o Rio Tejo. Perguntei-lhe quantas vezes é que ela tinha estado por ali, e a resposta, surpreendeu-me: - Nenhuma. E explicou: - Conheço Lisboa e o Tejo através das canções de Amália Rodrigues. Nem mais. Eu respondi-lhe com a minha admiração por Chavela Vargas, e assim, num Centro de Congressos em Dublin e a mirar o Liffey, a conversa acabou com um dueto improvável entre as duas divas, imortais como assim se prova. E porque o Tejo voltava sempre à conversa, eu falei-lhe de Camões, das Tágides, ninfas evocadas para dar inspiração em “Os Lusíadas”, e de como o nosso rio é então berço de tantos deuses que inspiram po

O mundo, esse T0 tão apertado

Começar o dia a comer um Bolo Finto torrado trazido na véspera de Vila Viçosa… Tomar o café na pastelaria da D. Isabel, que é de Proença-a-Nova e conhece dezenas de pessoas que eu também conheço, aproveitando como sempre para falar do tempo, das viagens que a minha mala sempre denuncia, e das ocorrências transmitidas pelas notícias da TV… Uma manhã de trabalho no escritório em Porto Salvo, em conjunto com os meus colegas, e almoçar com eles uma muito agradável e saudável “Pescada Cozida com Todos”… Tomar um chá em Dublin depois de aterrar pelas seis da tarde e de ter descoberto no ar que a Air Lingus nem uma bolacha de água e sal nos serve a bordo. Vá lá que descobrimos na revista de bordo algumas palavras em Gaélico que são semelhantes ao Português. A revista chama-se “Cara” (amigo) e até narra a história de um bebé que nasceu a bordo há quarenta anos, que recebeu o nome de Patrick em homenagem ao santo dos Irlandeses… bebé que por acaso até é Português… Jantar com o meu co

Mas sim… amor…

Mesmo que os quilómetros tenham o sabor a décadas que parecem não ter fim, envolve-me e embala-me a certeza de chegar a ti naquele instante que reescreve a História, reordena a vida, despreza todo o supérfluo, e sepulta as dores e todas as solidões. A oeste nada de novo… mas a oriente há uma ponte que desenha uma curva sobre o rio e que me transporta para o essencial: para ti e para o teu abraço, de onde sei, sempre se solta a poesia. Encontro-me comigo e com todo o melhor do universo na hora em que me entrego ao teu olhar, e quando por entre a timidez que nos ofereceram os anos, nos dizemos: - Amo-te! E se outra palavra maior existisse para cumprir fidelidade a um tão grande e perfeito sentir, por certo habitaria aqui. Mas sim… Amor… E amor somos afinal nós os dois; e de nós soltam-se milhões de palavras que enchem a tarde da cidade. Há um barco muito pequeno com homens à pesca no Mar da Palha, há formigas em delírio a trepar por um banco à sombra do jardim, há um le

Instantes de uma romaria

Vindo do lado do Castelo vejo a lua tímida por entre as nuvens e por cima da Igreja de São Tiago. Na igreja mais antiga de Vila Viçosa, as pedras carregam letras de outras devoções. Endóvelico? Presorpina? Nós somos simples elementos de um universo gigante e somos instantes, pedaços de uma História longa feita de muitas devoções e muitos outros templos. E a marca desta noite, o que a História e o universo nos pedem por aqui quando por cima de nós há um tecto de luzes coloridas, é a celebração da festa.  A vida cantada por afectos, beijos, abraços, palavras, gestos... A amizade saboreada como uma fartura polvilhada de açúcar e celebrada num brinde com sabor a ginja. Antes do fogo de artifício, sobem ao céu então as muitas palavras, as gargalhadas tecidas das cumplicidades de anos e nascidas do assumido cruzamento das nossas histórias, o que nos faz tão bem, como se fosse pão a fornecer as raízes do alento. E fazem-se projectos porque de aqui à próxima festa há doze meses

Capuchos 2014 - Dia 1 / Programa de prevenção da depressão

Aos doze dias do mês de Setembro do ano da graça de dois mil e catorze reuniu-se em távola rectangular de febras e grelhados no ancestral Largo dos Capuchos, em Vila Viçosa, o grupo de amigos mais fantástico do universo. À sombra da igreja da Senhora da Piedade, não tivemos qualquer piedade para a má disposição e numa terapia feita de gargalhadas renovamos os votos de felicidade para o ano que se segue. Duas deliberações importantes a registar, vamos reiniciar os passeios de Outono e Primavwra mas em versão Low Cost - Crise 2014, e aprovamos novo plano anti-depressão. Relativamente a este último ponto, cada elemento do grupo deverá olhar-se ao espelho pela manhã, louvar a Deus pela sua beleza e repetir de seguida: "Eu sou fantástico(a), quem gosta de mim tem um gosto de excelência e quem me deixa comete suicídio". Se ao longo do dia sentir a auto-estima a fraquejar, deverá repetir o gesto. Foi declarado por unanimidade que a camisola vermelha da Madalena que tem um burro

A previsível terrível queda do pão do pobre e a possibilidade de comer um bom fiambre

Talvez a saudade seja da mais arável e fértil terra para deixar florescer a poesia; e não estranho que na manhã de Setembro em que já chove como no mais adiantado Outono, eu siga pelo trânsito infernal da manhã, pensando em ti e sentindo que o universo se faz meu. Todo meu e com a vantagem de que no universo que me dás não chove nem há engarrafamentos. Hoje é 11 de Setembro. Em Março de 2001 passei por Nova Iorque numa viagem de trabalho. Tinha 24 horas para estar na cidade que nunca dorme e encontrava-me na companhia de um colega que nunca tinha estado por ali e a quem eu tinha prometido uma visita relâmpago pelo que eu rotulava de mais importante da "Grande Maçã" depois de algumas visitas. Prometi: - Não desperdiçaremos nem um segundo. Chegámos ao início da tarde com uma chuva terrível que quase nos impedia de sair do hotel. O Pedro comentou: - O Joaquim mentalize-se de que o pão do pobre cai sempre com a manteiga para baixo. E parecia esse o nosso irres

Os meus versos

Por vezes perguntam-me o que é que existe Que segredos habitam os meus versos Se é coisa alegre, assim-assim, ou triste Temas pacíficos ou controversos Nos meus versos há estradas e ruas Há casas onde mora muita gente Há festa, palavras minhas e tuas Na rima perfeita de estar contente E os meus versos são veias, correntes De sangue, amor, paz, fé e liberdade Há ideias tranquilas ou mais quentes Mas sempre com o que importa: a verdade E os meus versos têm trigo e pão Vinho, café, arroz doce, aletria Têm a acidez quente de um limão Ou o mel de te ter em cada dia Às vezes sente-se neles saudade E os meus versos parecem um fado Que a saudade é dor de qualquer idade Basta apenas amar e ser amado E os meus versos, meu amor-perfeito, São afinal doces beijos para ti A história simples contada ao meu jeito Dos dias mais felizes que já vivi

A abjecta discriminação

Domingo, a missa das 18.30 na Basílica dos Mártires, ao Chiado, tinha começado há algum tempo, e um homem avança pela coxia central procurando um lugar na igreja quase cheia, enquanto outro o tenta impedir puxando-lhe pelo braço. Na primeira igreja construída em Lisboa depois da reconquista em 1147, 867 anos depois de D. Afonso Henriques ter lançado a primeira pedra num templo destinado a enterrar os mártires do cerco da cidade, que lhe dão título; ainda há Homens que por questões mundanas e nada divinas tentam impedir que outros tenham acesso ao “altar”, neste caso porque o indivíduo em causa tinha o aspecto andrajoso de quem tem de vaguear pelas ruas e não tem um tecto. Seria a minha fé uma ilusão, que não é, se eu não considerasse aquele indivíduo alguém em tudo igual a mim, e para naquela circunstância lhe abrir espaço para que ele se pudesse sentar ao meu lado. Não o fiz porque ele rompeu a resistência do outro e subiu pela coxia; mas houve quem o fizesse mais à frente dando

Rima anti-depressiva para sobrevivência na A5

A neblina é densa E a auto-estrada Onde não se vê quase nada Fica propensa a um despiste Um acidente Algo que enerve toda a gente Porque quem é a pessoa que resiste à agonia de estar parada? E de repente… Isto já não anda Ali à frente alguém se despistou Bateu O piso está escorregadio O asfalto parece um rio E ninguém sabe o que lhe deu A criatura acelerou E o controlo perdeu Entre buzinas Acelerações traquinas Sente-se a ânsia de uma ambulância Que quer chegar depressa ao acidente Afasta-se para a berma toda a gente Uma apita a um mais distraído que pela postagem do Facebook foi traído E se esqueceu de chegar à frente Eu desligo o motor Quase esqueço que sou condutor Agarro o jornal Leio as gordas O país segue mal Há faces ocultas descobertas em grandes açordas Não vale a pena desesperar Pouso o jornal Agarro o i-Phone Esta espera é normal Lisboa ainda é uma miragem E antes que eu fique com falta de ar...

(Sem título)

Conhecedora deste intercâmbio permanente entre Céu e Terra, uma das estrelas mais brilhantes do firmamento, e que se destacava de entre todas as que nos enchem as noites de infinitas e mágicas cores; andava há muito inquieta a olhar para a Terra e com uma enorme vontade de se tornar uma menina igual a tantas outras que habitam o Planeta Azul. Confidenciou este propósito às estrelas vizinhas que de imediato lhe chamaram louca pela atracção por tal propósito. - Tu vais deixar de ser uma das estrelas mais brilhantes... Não faças isso, estamos tão bem aqui em cima a ver tudo, e aquilo lá por baixo não parece andar muito bem. E lembravam sempre: - Para além de que o nosso pai não gosta que nos antecipemos às suas decisões. Mas ela insistia: - Eu quero ser uma menina como aquelas que eu aqui de cima vejo por ali a baloiçar, a mergulhar na água dos oceanos, a comer chocolate… E tanto pensou e era tanta a força desta vontade que um dia foi mesmo falar com o pai de todas as estre

Esta noite…

Esta noite... Toda a noite sonhei contigo. Voávamos juntos cruzando o céu que o pôr-do-sol desarmou de azul e tingiu de laranja, como pássaros livres e enamorados pela geometria perfeita das quadrículas das ruas da Baixa de Lisboa. Aqui e ali, numa esquina, a ver o rio, o Chiado ou o Castelo, pousávamos para que as palavras pudessem sair envoltas no acrescento da verdade doce que sempre lhes oferece o olhar. E eu não me canso nunca de te olhar... Caminhante sequioso em busca de uma fonte, sou eu pelos dias nesta vontade de te ter por perto... e poder voar. Às vezes por entre o olhar e as palavras, enquanto voamos ou caminhamos sobre a calçada, interpõem-se as mãos, indutoras perfeitas do despertar sensorial desta  infinita paixão que começa na alma, muito a montante do que é humanamente explicável. E tão siamesa é esta vontade que faz com que as minhas mãos suspirem de amor pelas tuas... E os meus braços pelos teus braços… E os nossos lábios nos convoquem para a hora

Viver ao sol

Por mais que insistam em falar-nos do destino, a verdade é que somos nós os arquitectos da nossa própria história, oferecendo ao tempo essas "mãos" impulsionadas pelo muito querer e inspiradas em tudo o que sonhamos e desejamos muito. Por isso, meu querido amigo, não foi o tempo que te fez assim por artes de magia ou até por um simples acaso, foste tu que sempre te sonhaste e fizeste grande. Por ti, as lágrimas das saudades de casa confidenciadas aos tachos gigantes quando aos quinze anos os lavavas no hotel perdido no meio da serra, se fizeram hoje coloridos cristais de açúcar que tu moldas dando uma expressão única ao amor de tantos. Por ti, por exclusivo mérito teu, os quilómetros percorridos a pé entre a cidade e a aldeia quando os escudos eram poucos para o autocarro, se tornaram hoje caminhos por entre flores e sorrisos, e são os tapetes para sorrires por entre o teu sucesso. Por ti, a neve fria do inverno da serra que te gelava os pés, é hoje um manto gigante

Entre Sophias e Ginas

Depois de uma viagem de táxi para o aeroporto em que o meu estômago foi agitado como numa montanha russa pelas travagens e arranques da condução de um motorista louco que passou o tempo todo ao telemóvel com um tal de Massimo qualquer coisa; regressar de Roma num avião cheio de peregrinos Italianos que vêm para Lisboa para depois irem até Fátima é uma espécie tão estranha de paraíso que quase nos faz querer e desejar muito todas as chamas do inferno. Nada poderá ser pior do que isto. As primas afastadas da Sophia Loren gritam como se não existisse amanhã, não conseguem escutar que o embarque será feito por filas, não vêm a sinalética com os números dos lugares, bloqueiam a coxia com as suas ancas avantajadas alimentadas a Lasanha, esparguete e Cannelloni, tropeçam nas bengalas umas das outras, chamam alto pelos maridos; e por entre os copos de vinho tinto que pedem às meninas da TAP, dão cabo da cabeça ao padre que as acompanha e que ganhará um indiscutível estatuto de santidade

Coisas ao redor de uma cerveja e de um pôr-do-sol

Quando em pequeno eu brincava em Vila Viçosa na minha Rua de Três, uma rua estreita de casas caiadas de Alentejo e rodapés vermelhos, azuis e amarelos; eu aprendi que uma conversa à porta numa roda de vizinhos pode ter mais emoção e efeitos especiais do que um filme de Hollywood, as pedras soltas da calçada podem ser as primeiras peças de uma casa para brincar, um pedaço de madeira pode ser um microfone, e até o portão fechado da olaria do "Tapum" pode ser o palco brilhante do Festival da Eurovisão. A capacidade de sonhar será algo que nasce connosco, mas treina-se assim neste tanto querer que consegue criar impossíveis por cima da aparência do quase nada. E assim, qualquer fim do mundo fica ali ao acessível virar de uma esquina. Ontem ao fim da tarde, depois de andar a tirar fotografias ao pôr-do-sol sobre a Ponte Sisto, tomei uma cerveja fantástica e fresca, sentado numa esplanada do Trastevere, um dos bairros mais especiais da cidade de Roma, talvez um carisma muito