Coisas ao redor de uma cerveja e de um pôr-do-sol

Quando em pequeno eu brincava em Vila Viçosa na minha Rua de Três, uma rua estreita de casas caiadas de Alentejo e rodapés vermelhos, azuis e amarelos; eu aprendi que uma conversa à porta numa roda de vizinhos pode ter mais emoção e efeitos especiais do que um filme de Hollywood, as pedras soltas da calçada podem ser as primeiras peças de uma casa para brincar, um pedaço de madeira pode ser um microfone, e até o portão fechado da olaria do "Tapum" pode ser o palco brilhante do Festival da Eurovisão.
A capacidade de sonhar será algo que nasce connosco, mas treina-se assim neste tanto querer que consegue criar impossíveis por cima da aparência do quase nada.
E assim, qualquer fim do mundo fica ali ao acessível virar de uma esquina.
Ontem ao fim da tarde, depois de andar a tirar fotografias ao pôr-do-sol sobre a Ponte Sisto, tomei uma cerveja fantástica e fresca, sentado numa esplanada do Trastevere, um dos bairros mais especiais da cidade de Roma, talvez um carisma muito idêntico ao do nosso Bairro Alto.
Ao meu lado, um homem toca um Bouzouki, instrumento de corda que nos transporta logo para as bandas do Mar Egeu, numa sonoridade que me faz recuar para 1972 quando a Vicky Leandros, Grega por nascimento, ganhou a Eurovisão pelo Luxemburgo com a fantástica canção “Après toi”, um dos ícones dos festivais organizados por nós à porta do "Tapum", sem que soubéssemos francês e com as palavras a surgirem com um som estranho parecido com o posteriormente famoso “Asereje”.
Por aqui, agora, sabe-me bem a cerveja; releio a ultima mensagem que fala de amor, recebo uma foto com colegas que estando juntas se lembraram de mim e manifestam saudade, recebo a foto dos meus sobrinhos no seu primeiro dia do regresso à escola, telefono aos meus pais e ouço-lhes a voz...
E fico baralhado sem saber se sonhar é uma capacidade que se treina ou se é afinal a própria vida em momentos perfeitos como este; quando a vida se entrelaça assim na nossa mais fiel vontade e em tudo e todos os que amamos, e nos amam.
A resposta não interessa.
O que interessa é que estou feliz aqui ao som do Bouzouki como há quarenta e tantos anos a brincar na Rua de Três quando a percussão das cantigas era dada pelo toque em qualquer lata.
O segredo?
Antes como agora, construirmos o que queremos por cima daquilo que se tem.
Tudo saberá sempre a muito e a perfeito, não tanto pelo que se tem, mas muito mais pela força do que queremos.

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