A fé e a essência das giestas

O calor palpa-se com o olhar à medida que o táxi avança pela cidade vindo do aeroporto.
Aterrei há pouco em Roma, é domingo, mas a multidão de turistas faz com que as ruas mantenham a azáfama de um dia de semana com a gente a acorrer aos seus deveres laborais.
O meu trabalho por aqui só começa no dia seguinte e por isso resolvo juntar-me à massa de gente que invade as ruas.
Passo pelo Quirinale e no museu em frente há uma fila interminável para ver as obras de Frida Khalo, a exposição encerra hoje e ninguém a quer perder.
Eu também não a perderia, mas a fila está impossível.
Desço a colina em direcção à Fontana di Trevi que está em obras e sem água. Nem olho e prefiro levar na lembrança o eterno beijo de Mastroianni a Anita Ekberg no meio da água da Dolce Vita, de Fellini.
Hoje não será definitivamente o meu dia.
Sigo para o Panteão e para além dos turistas há Meet marcado pela Internet. A Europa anda estranha e nem os heróis têm descanso. Tivesse eu excesso de auto-estima e acharia que centenas de adolescentes tinham gritado por me verem dobrar a esquina.
Preciso de um café e vou ao Santo Eustáquio.
Pelo menos ali a fila é suportável embora os grupos organizados de turistas abalroem tudo e até as chávenas com o melhor Cappuccino do mundo.
Fujo e sento-me depois numa esplanada na Piazza Navona, com um gelado, pois claro.
Estou um pouco cansado mas simultaneamente apetece-me andar e por isso decido caminhar para São Pedro. Vou devagar e só paro sobre o Tibre para fazer uma foto ao Castelo de Sant’ Ângelo. O reflexo da ponte sobre a água é irresistível.
Já é tarde, os grupos de turistas recolheram aos hotéis e nem sequer há fila para a segurança antes de entrar na Basílica de São Pedro.
Tenho o caminho quase só para mim, aprecio o tamanho das colunas que só assim ao pé parecem gigantescas e partilho a visão da Pietà com um pequeníssimo grupo que por ali se encontra.
Logo a seguir está o altar de São João Paulo II com o respectivo túmulo e resolvo sentar-me perdendo-me no tempo.
Do sofisticado ouro e do fausto de São Pedro, deixo-me voar até 32 anos atrás quando entre as giestas da primavera de Vila Viçosa me cruzei com o Papa.
Por mais brilhante que seja o ouro dos Homens, nunca será igual em nobreza ao ouro das giestas quando o sol se lhes entrega nos campos. Porque no ouro das giestas está Deus.
E a minha fé tem e terá sempre a marca da simplicidade das giestas, muito mais do que a opulenta exibição das virtudes materiais que os Homens insistem em colar ao divino.
Não me peçam jamais que me vista com uma opulenta capa do ouro de um qualquer humano política e socialmente correcto.
Um Homem com fé, sou eu ali na tarde de Roma sentado entre gente que não conheço, com as minhas verdades, os meus segredos, carregando a mochila com a minha História e todas as dores e inevitavelmente todas as esperanças.
Um irmão das giestas aqui bebendo o sol por detrás dos sorrisos de todos os que amo e que me foram passando pela lembrança.
Fico até a Basílica fechar e vou caminhando depois de volta ao hotel ao ritmo do entardecer, por entre a gente que mantém a azáfama, mas agora para procurar poiso para jantar.
E um Homem com fé sou eu a caminhar feliz com as minhas verdades e a minha essência.
A vida, La Dolce Vita, é no fundo como a Fontana di Trevi, porque por mais que lhe tentem tirar a água, ela terá sempre a essência do amor e de um beijo fantástico.
E um Homem com fé sou eu a caminhar feliz e a sorrir apesar das imensas saudades de um beijo.

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