A previsível terrível queda do pão do pobre e a possibilidade de comer um bom fiambre


Talvez a saudade seja da mais arável e fértil terra para deixar florescer a poesia; e não estranho que na manhã de Setembro em que já chove como no mais adiantado Outono, eu siga pelo trânsito infernal da manhã, pensando em ti e sentindo que o universo se faz meu.
Todo meu e com a vantagem de que no universo que me dás não chove nem há engarrafamentos.
Hoje é 11 de Setembro.
Em Março de 2001 passei por Nova Iorque numa viagem de trabalho. Tinha 24 horas para estar na cidade que nunca dorme e encontrava-me na companhia de um colega que nunca tinha estado por ali e a quem eu tinha prometido uma visita relâmpago pelo que eu rotulava de mais importante da "Grande Maçã" depois de algumas visitas.
Prometi:
- Não desperdiçaremos nem um segundo.
Chegámos ao início da tarde com uma chuva terrível que quase nos impedia de sair do hotel.
O Pedro comentou:
- O Joaquim mentalize-se de que o pão do pobre cai sempre com a manteiga para baixo.
E parecia esse o nosso irresistível fado.
O dia seguinte amanheceu com um sol radioso, e com muito menos tempo para cumprir o prometido, eu desafiei-o:
- Vou mostrar-lhe a cidade toda mas só que de uma outra forma.
E fomos juntos até ao topo do World Trade Center para vermos a cidade, mas numa perspectiva de quem está “quase no céu”.
O Pedro ficou com a impressão de que afinal nem tudo se desperdiçara com a queda do pão.
Seis meses depois, a 11 de Setembro caiam as Torres Gémeas ruindo com elas esta possibilidade de ver a cidade toda numa só manhã e num só olhar.
O imprevisível ensina-nos que não há momentos desprezíveis e até aqueles que parecem mais rotineiros, mais difíceis e com estatuto de recurso, podem ser instantes únicos, irrepetíveis e gravados para sempre na nossa história pessoal.
Uma manhã no trânsito infernal com a manteiga viradíssima para baixo na queda do pão de pobre, mas a pensar em ti, pode ser afinal uma excelente oportunidade para comer o melhor pitéu, o melhor fiambre, e é algo único e irrepetível.
E quem diz comer fiambre diz colher e soltar a poesia; vivendo cada instante como se fosse o último.

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