Rima anti-depressiva para sobrevivência na A5


A neblina é densa
E a auto-estrada
Onde não se vê quase nada
Fica propensa a um despiste
Um acidente
Algo que enerve toda a gente
Porque quem é a pessoa que resiste à agonia de estar parada?

E de repente…

Isto já não anda
Ali à frente alguém se despistou
Bateu
O piso está escorregadio
O asfalto parece um rio
E ninguém sabe o que lhe deu
A criatura acelerou
E o controlo perdeu

Entre buzinas
Acelerações traquinas
Sente-se a ânsia de uma ambulância
Que quer chegar depressa ao acidente
Afasta-se para a berma toda a gente
Uma apita a um mais distraído que pela postagem do Facebook foi traído
E se esqueceu de chegar à frente

Eu desligo o motor
Quase esqueço que sou condutor
Agarro o jornal
Leio as gordas
O país segue mal
Há faces ocultas descobertas em grandes açordas

Não vale a pena desesperar
Pouso o jornal
Agarro o i-Phone
Esta espera é normal
Lisboa ainda é uma miragem
E antes que eu fique com falta de ar...

De repente...

Escuto

Atrás de mim já houve um que bateu noutro depois de uma grande travagem

Abro a janela

No carro ao lado um casal aproveita para namorar
Do outro lado há uma que acaba de se maquilhar
Outro toca bateria no volante

Não há meio de que a neblina se levante

E eu...
Antes de me irritar

Já sei

Vou pôr isto tudo a rimar

Já que estou aqui sozinho e continuo sem poder andar...

Dirão vocês que eu não estou bom
Mas também nunca o fui

Ui
Finalmente

Ligo o motor
Recomeço a andar
E não demora muito a que chegue ao pé do chui

A tipa da maquilhagem
Pára mesmo à frente da cena
E abana a cabeça como que a dizer
Ena
Ena

De aqui a pouco estará no café
Heroína a contar a toda a gente
A história da não travagem

Ah pois é

Se não fosse o acidente
O que teria ela para contar?

E eu sigo
Agora feliz e quase a cantar

Lisboa já se vê

Sem acidentes
A cidade seria mesmo aqui ao pé

Já em Lisboa
Já estacionado
Acabo a rima com afinco
Estou estoirado e a precisar de um café

Que boas e lindas são as manhãs da A5

Ah pois é

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