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A mostrar mensagens de julho, 2011

Além Tejo

O sol a pique incendeia de calor o imenso mar cor de palha à nossa frente onde os sobreiros de tronco cor ocre despejados de cortiça são ilhas castanhas e verdes em alinhamento desordenado no longínquo horizonte que parece não ter fim. Ouvem-se grilos, cigarras e o eco dos nossos passos caminhando ao encontro desta festa de aromas infinitos onde só o poejo é prenúncio da água de alguma tímida fonte. Ao longe, há uma cascata de branco cal, entrecortada a azul e amarelo em linhas rectas verticais e horizontais, e no topo, um campanário de sinos soltos, sinaliza as almas e a fé, e junta-se ao sol a dar as horas à gente que dá vida a esta terra com marca do sul. A solidão, a quietude e a dolência destes dias, devolvem-me a alma. É verão. É Alentejo. Sou eu a chegar a casa.

A árvore no campanário

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Se este é um espaço para partilha e para avivar memórias, tem sido com naturalidade que à sombra das laranjeiras deste Pomar, tenho puxado para a conversa, as histórias das vidas dos que me são queridos e próximos, as histórias que se cruzam com a minha própria história, e de que com grande orgulho e humildade, reconheço que estando presentes, me tornaram mais rico e melhor pessoa. A minha mais assídua interlocutora nestas conversas e minha especial amiga Manuela faz hoje anos (eu sei mas não digo quantos), e hoje tomo a liberdade de a colocar no centro desta conversa, sendo não por acaso mas por mérito seu, um exemplo contrário a tudo o que falei no meu post anterior. Quando há alguns anos atrás se nascia numa terra pequena como a nossa, à saída da maternidade, leia-se o quarto dos nossos pais que era onde nascíamos, já trazíamos connosco o nosso destino traçado e a marca do local até onde a nossa condição nos permitiria chegar. Embora muitas vezes disfarçada de histórias de nobrez

Estrelas, anjos e heróis

Uma estrela da música internacional, dona de uma voz portentosa que de forma fulgurante a projectou para o firmamento da Soul Music, apareceu morta na sua residência. O mundo não estranhou a ocorrência pois há muito se habituara a vê-la viver na zona do risco máximo, os territórios para os quais as drogas e o álcool, são passaportes com visto incluído. Passeio por Lisboa e vejo espalhados pela cidade, cartazes a anunciar um livro sobre um assassino confesso, jovem, modelo de profissão ou de ambição, que aguarda julgamento numa prisão americana. O título da obra é muito representativo, “A queda de um anjo”. Numa via rápida que rompe as terras da Beira Baixa, ali para os lados de Proença-a-Nova, um jovem de 17 anos morre na madrugada, quando com o seu grupo de amigos, se entretinha a tourear carros a alta velocidade, filmando os momentos para posterior colocação na Internet. Três momentos da minha semana, três momentos perturbadores e representativos do nosso tempo, o “tempo da fama”.

Um ataque ao coração da paz

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Aterrei pela primeira vez em Oslo no verão de 2000 e recordo-me da sensação que então tive: a comodidade da chegada a um local tranquilo. O meu hotel ficava numa zona residencial onde embaixadas e famílias conviviam sem grandes aparatos de segurança. Ao deslocar-me do hotel para o centro da cidade, atravessava os jardins do Palácio Real, de acesso livre como qualquer outro jardim público da cidade, sem portões fechados e quase que a permitir tocar à campainha e convidar o Rei e a Rainha para tomar um café. Tive o privilégio de passar a tarde de um domingo no parque Vigeland, esse lugar magnifico criado pelas mãos do escultor Gustav Vigeland, que colocou na pedra, sob a forma de esculturas gigantes, todas as formas de relacionamento entre os Homens, recordando-nos que nascemos para não estar sós e que o amor, a amizade, a paz e a tolerância estão na nossa própria essência. Recordo-me da felicidade de todos quantos buscavam as sombras do parque para estar em família ou em grupos de

Janela (in)discreta

No reino de sua majestade Isabel II, terra de bons princípios e excelentes maneiras, desenrola-se por estes dias um escândalo que tem na sua essência actos ilícitos e indecentes de espionagem e invasão da privacidade de cada um, utilizados como forma de sustentar publicações jornalísticas, os chamados tablóides, que pondo de lado os mais elementares princípios da ética, substituíram a sempre desejada informação credível, por maledicência, boatos, mentira e intrigas. O escândalo envolve milionários, jornalistas e políticos, beliscando até o actual governo, provando que entre o jornalismo e a política, os corredores são imensos e demasiado esconsos, permitindo todas as cumplicidades. Num dilema idêntico ao do ovo e da galinha, nunca saberemos se esta imprensa nasceu primeiro e foi ela que conduziu ao aparecimento de uma geração que compra a futilidade para a ler e alimentar a mais perversa e mórbida curiosidade sobre a vida alheia, ou se foi o inverso, e esta imprensa apenas aproveitou

Português: Reprovado!

Ao longo do meu percurso académico, do básico à universidade, e com pós-graduações incluídas, não tenho dúvidas sobre quem elejo como o meu melhor professor. Pela lembrança das aulas que eu considero como perfeitas, pelas matérias leccionadas da forma mais interessante possível, e sobretudo pelo impacto extremamente positivo que os seus métodos tiveram em toda a minha vida, quer na perspectiva pessoal, de estudante e profissional, o meu melhor professor foi sem dúvida o Padre Dr. Mário Aparício Pereira, então tal como agora, Capelão da Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa. Foi meu professor de Português na Escola Secundária de Vila Viçosa, ainda nas velhinhas instalações anexas ao Paço Ducal, quando eu frequentava o 10º ano de escolaridade. As aulas de apenas um ano lectivo foram suficientes para que eu aprendesse a gostar de Camões, de Eça, Ferreira de Castro, Manuel da Fonseca, e tantos outros escritores maiores da Língua Portuguesa. Aprendi o real valor da Língua e a import

Tolerância servida em tabuleiros

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Confesso-vos que há muito desejava ir a Tomar ver ao vivo a Festa dos Tabuleiros. Consegui concretizar esse desejo no passado fim-de-semana e tenho de vos reconhecer que o que vi superou em tudo as minhas maiores e melhores expectativas. Celebra-se o Espírito Santo fazendo a festa da cor. É a cor dos altos tabuleiros transportados à cabeça pelas mulheres cujo traje branco faz realçar ainda mais, as garridas flores de papel que os enfeitam por entre as três dezenas de pães que compõem cada um. É a cor das ruas decoradas com as mais ricas e melhores colchas de cada Nabantino, e também com as mesmas flores nascidas do jeito e do gosto de quem traduz em pedaços recortados de papel, a vontade de bem receber. É sobretudo a cor dos rostos felizes de quem recebe e de quem chega. A foto que coloquei acima tirei-a com o telemóvel à porta da Sinagoga de Tomar e a Estrela de David feita em flores de papel por cima da entrada, prova que todos, Católicos e Judeus, estávamos na mesma festa. L

Moody’s classificada como MMEE

Em 1991 assentei praça em Tavira para cumprir o então obrigatório, serviço militar. Já com vinte e muitos anos, eu e mais 119 garbosos homens, após alguns anos a estudar na universidade, fomos dar o corpo, e a mente, claro, à preparação da defesa nacional, ficando aptos para em caso de necessidade, sairmos em defesa da pátria. Em finais de Setembro, ainda com muitos turistas nas esplanadas à beira do Rio Gilão, os nossos pelotões carregados com G3, cheios de lama e com a cara pintada de preto com o recurso ao papel químico que antes acompanhava os boletins do Totoloto, um verdadeiro Platoon do Sotavento, eram um elemento que atraia as atenções e animava a malta. Riam os turistas e riamo-nos nós por dentro, pelo facto de estarmos a ser treinados para uma guerra à semelhança da guerra colonial, com os inimigos a atacarem por detrás de arbustos, quando tínhamos a noção, muito clara após a primeira guerra do golfo, de que os perigos e os ataques nesse tempo já eram de outra natureza, vi

Joaquim e Francisca

Este fim-de-semana estive em Montargil num hotel recentemente inaugurado. Pela profusão de palmeiras e piscinas, para além da constante visão da imensa água da barragem, fácil seria imaginar que me encontrava num resort de qualquer destino tropical, mas a decoração dos espaços interiores com fotografias gigantes a preto e branco, todas elas exprimindo rostos, gestos e paisagens do Alentejo, teve o condão de me devolver às memórias dos meus dias no campo, do meu tempo de infância. Por estes dias assinalámos o trigésimo aniversário da partida dos meus avós maternos, Joaquim e Francisca, que ocorreu no verão de 1981 apenas com o intervalo de 13 dias, porque quem muito ama não sobrevive na ausência do amado. Registei esta coincidência porque foram eles os meus mestres, os melhores professores a explicar-me como é esta arte de viver da e com a terra, pagando a suor o duro tributo pela fertilidade que nos permite alimentar a vida. Algures numa manhã de Inverno aprendi como com varas, mãos