Tolerância servida em tabuleiros


Confesso-vos que há muito desejava ir a Tomar ver ao vivo a Festa dos Tabuleiros.
Consegui concretizar esse desejo no passado fim-de-semana e tenho de vos reconhecer que o que vi superou em tudo as minhas maiores e melhores expectativas.
Celebra-se o Espírito Santo fazendo a festa da cor.
É a cor dos altos tabuleiros transportados à cabeça pelas mulheres cujo traje branco faz realçar ainda mais, as garridas flores de papel que os enfeitam por entre as três dezenas de pães que compõem cada um.
É a cor das ruas decoradas com as mais ricas e melhores colchas de cada Nabantino, e também com as mesmas flores nascidas do jeito e do gosto de quem traduz em pedaços recortados de papel, a vontade de bem receber.
É sobretudo a cor dos rostos felizes de quem recebe e de quem chega.
A foto que coloquei acima tirei-a com o telemóvel à porta da Sinagoga de Tomar e a Estrela de David feita em flores de papel por cima da entrada, prova que todos, Católicos e Judeus, estávamos na mesma festa.
Li um dia e faz-me algum sentido, de que estas manifestações de fé e devoção pelo Espírito Santo, tão evidentes nos Açores, em Tomar ou em alguns locais da Beira Baixa, nasceram em territórios de elevada presença de Judeus, que em tempos de intolerância pela fé que professavam, encontraram nestas manifestações uma forma de se integrarem num contexto também abarcado pela fé Católica, sem ferirem assim, no essencial, a fé que transportavam no seu íntimo.
Encontraram no Espírito Santo o denominador comum, o ponto de encontro.
Por estes dias ouço e vejo as notícias que chegam de Belfast, na Irlanda do Norte.
Neste mês de Julho, tal como acontece todos os anos, os Protestantes celebram as vitórias de Guilherme de Orange sobre os Católicos, realizando marchas que são sempre brindadas com chuvas de pedras atiradas pelos crentes da Igreja de Roma.
O que une na essência da fé, Protestantes / Anglicanos e Católicos, é muito maior do que aquilo que une Judeus e Católicos, apenas não existe vontade de procurar os denominadores comuns e atiram-se pedras, ferem-se e matam-se Homens, tudo em nome de um Deus que até é Amor e se fez Homem para pregar a paz.
Há pois duas formas distintas e antagónicas de estar na vida e olhar o mundo.
Podemos viver com espírito positivo, procurando o que nos une e apoiando-nos aí para viver em paz e construir comunidade.
Podemos viver obcecados pela procura das diferenças, sustentando dessa forma a separação, a guerra e a violência com todos os que nos rodeiam.
Quando o olhar é temperado pelo coração e o bom senso, impera a primeira opção e aí verdadeiramente o mundo avança, porque a paz e a tolerância serão sempre pilares essenciais ao desenvolvimento.
E isto aplica-se às nações mas nasce do mais íntimo do nosso ser.
Em Tomar, nos Tabuleiros, talvez seja a Tolerância o maior segredo que dá cor à festa.

Comentários

  1. Quando se trata de religiões, nada me dá mais tristeza do que os conflitos entre elas. Quando nos referimos apenas às religiões cristãs, ainda é mais triste.
    Diz Hans Küng (teólogo contemporâneo, 1928-):
    "Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem padrões éticos globais. O nosso planeta não irá sobreviver, se não houver um ethos global, uma ética para o mundo inteiro".

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