O Natal de 2016


No roupeiro da casa de Vila Viçosa está pendurado um capote castanho que estreei no dia de Natal de 1975.

- Compra-se grande porque o rapaz está a crescer.

Vejo-o agora tão pequeno que custa a acreditar ser o mesmo das abas avantajadas que dificultavam transportar a mala às costas a caminho da escola.

O mundo era imenso quando eu tinha nove anos, e me sentava no velho canapé colhendo o benefício das almofadas para chegar à mesa da ceia de Natal.

Talvez o avô Chico tivesse fabricado uma ronca para cantarmos ao Menino Jesus, e de certeza que haveria Borrachos polvilhados de açúcar que comíamos acompanhados de cacau.

Era o tempo em que não faltava ninguém entre mim e o sonho. Um tempo doce e lento que se espreguiçava enquanto sorriamos sem pressa.

Fecho a porta do roupeiro, desço as escadas, passo pelo canapé, agora envernizado, e devolvo-me à Avenida. Sinto na cara o vento de Dezembro cumprindo a coerência fria do Alentejo interior. Sem esta brisa que gosto poderia ter o meu Natal?

O mundo, reparo, ficou de repente do tamanho do meu capote, estranhamente pequeno; talvez porque viver seja afinal aproximarmo-nos do céu.

As laranjas tão inacessíveis de ontem estão agora tão próximas enquanto o tempo voa e me obriga a travá-lo à esquina de um café onde um vizinho de sempre escuta Alfredo Marceneiro no seu i-phone.

Calaram-se as roncas, mas a mãe pôs Borrachos no prato dos fritos que veio para a mesa ao pequeno-almoço.

Parece que juntamente com o frio e as filhós só o meu sonho parece igual; mas com muito menos gente por ali e o aroma estranho de uma saudade.

O Natal?

A pretexto de celebrar Cristo nascido em Belém, é afinal um tempo para lembrar que tudo muda mas o nosso sonho permanece igual.

Um beijo e boas festas.

 

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