Nem um só minuto…



Sempre que referíamos que o tempo passava demasiado depressa, a minha avó Natividade dizia congratular-se com tal facto, garantindo que quando ela tinha de trabalhar de sol a sol e esperar pelo sábado para receber o parco salário, o tempo era insuportável e dolorosamente lento.
Assim, cedo aprendi que sobre o sentido racional do tempo, os dias são directamente proporcionais à solidão, e, pelo contrário, inversamente proporcionais ao pão.
E a solidão é tudo aquilo que dói, e o pão é a festa do trigo que nos enche os dias.
Sobrevoei há pouco o Convento de Mafra, vi a Ericeira tomando o Atlântico como rumo até aos Açores e à Ilha Terceira.
No banco atrás de mim segue um casal Australiano que fala em Inglês fluente com um “rapaz” Português.
Os estrangeiros confessam vir aos Açores “com pressa” pois não querem partir desta vida sem cumprirem a promessa que fizeram nos anos cinquenta aquando da erupção do vulcão dos Capelinhos. Da Terceira seguirão para o Faial.
O Português que diz chamar-se Manuel e ser oriundo de uma família de Braga, confessa ter planos para ir até ao outro lado do mundo, à Austrália, mas não tem pressa; afinal de contas já confessou ser da idade do Cristiano Ronaldo.
E aqui estamos todos sentados no mesmo instante cumprindo o mais objectivo sentido do tempo, mas uns com pressa, outro sem ela, e eu, um tonto que decalca palavras sobre os sentires da alma, que os escuto sabendo que o tamanho dos dias, o dita afinal a paixão, ganhando um travo a infinito quando tu não estás.
Sim, é verdade, tu és o trigo que me alimenta.
Existisse então um relator nesta “conferência” em que eu cumpro o pecaminoso papel do ouvinte indiscreto, e sempre se poderia concluir que, lento ou rápido, importa que nem um só minuto se deixe órfão da nossa vontade.

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