Respira comigo na mesma Ave Maria




Por muito que saibamos que as verdadeiras catedrais habitam o peito dos Homens, há templos de pedra que se inscrevem nos caminhos da fé, e nos auxiliam, decisivamente, amainando o rugido feroz das lutas e das batalhas.

Na minha Vila Viçosa, no recanto mais nobre e solarengo do espaço entre muralhas, a igreja de Nossa Senhora da Conceição, num dia da já longínqua primavera de 1646, acolheu o preito de um rei lusitano, D. João IV, que, fazendo de Maria, rainha, lhe entregou a terra lusitana e todo o seu imenso mar, rogando aquela divina paz que vem de Deus.

Cessou a guerra da restauração, as rainhas e os reis Portugueses jamais usaram coroa na cabeça, e até um Papa, entretanto já canonizado, São João Paulo II, veio aqui rogar-lhe a paz, numa outra manhã de primavera, como parecendo cumprir uma coerência que existe entre Maria, a nossa fé e os meses de todas as flores.

Mas porque as mães são bênção maior sobre qualquer tempo, é por entre o frio e a bruma agreste de dezembro, no seu oitavo dia, que a gente acode aqui, sempre, com preces no gesto e nas palavras, e o coração com a esperança de quem nunca perde o sentir da primavera.

Hoje é dia 8 de dezembro, e as ruas da minha terra estão anormalmente vazias. Não fossemos nós, os Calipolenses, e até pareceria que da festa tinham restado apenas as laranjas a brincarem, anormalmente em sossego, com estas brumas de quase inverno.

As estradas estão cortadas, porque é realmente preciso que assim seja, para segurança de todos, mas não cuide quem ficou em casa, mais longe ou mais perto daqui, que as suas preces se apagaram ou estão suspensas, no gesto ou no verbo mudo, porque nós, os que estamos cá, fazemos nossa a prece de todos, e atearemos com a vossa, a nossa imensa esperança… ou não fosse Portugal, um único e imenso coração.

Em Vila Viçosa, uma das primeiras coisas que se aprende é de que aqui não se morre, apenas se adormece atrás de Nossa Senhora, e que viver é este privilégio de estar frente a frente com o Céu, encarando o rosto da rainha imaculada.

Por isso, que ninguém se entristeça, porque não faltará, hoje e aqui, a vossa Ave Maria… quiçá mais lenta, doce e cantada, porque sob este sotaque pausado do sul.

E haja esperança, muita esperança.


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