MADALENA

Algures num dia de Dezembro de 1981, e é impossível recordar-me exactamente de qual, estávamos nós a passar uma tarde no Convento das Chagas no contexto do nosso grupo Sementes de Esperança com o saudoso Padre Armando Tavares, e o Senhor Arcebispo de Évora, D. Maurílio de Gouveia, que tinha chagado à diocese uns dias antes, precisamente a 8 de Dezembro, e estava de visita a Vila Viçosa, passou por lá para nos cumprimentar.
Tu envergavas uma camisola vermelha com a estampa de um burro e a frase “Olá mano!”, e tentaste esconder-te atrás de nós para evitar que Sua Excelência Reverendíssima pudesse ler e ofender-se com semelhante “cumprimento”.
E o que nos rimos todos, e tu própria, à conta desta aflição…
Fui buscar este episódio passado num espaço que foi nosso por eleição, e quem hoje frequenta a selecta Pousada de D. João IV desconhece que um dia existiu um grupo de amigos que por ali foi tão feliz; porque ele ilustra exactamente tudo o que sempre soubeste criar à tua volta e que tanto o nosso grupo de amigos tem beneficiado ao longo destes anos: a fé vivida de uma forma séria e responsável com tudo o que ela acarreta de honestidade, simplicidade, amizade, desprendimento, atenção aos outros, etc; e o sentido de humor e a alegria com que tudo isso é vivido.
Quem tem o prazer de conhecer toda a tua família sabe que tu não és assim por um qualquer acaso, é um enorme benefício genético que tu enobreceste muito com o teu grandíssimo carácter muito particular.
As tuas gargalhadas são inigualáveis, e quando nos rimos, rimo-nos sempre de nós próprios. Tu contrarias claramente Jean Paul Sartre quando disse que os Cristãos não têm cara de ressuscitados: tu tens!
Quem fala das tardes das “Chagas” pode falar de Barcelona e da missa em Catalão em que não “pescámos” nem uma palavra mas rezámos todos juntos no nosso Português com sotaque assumidamente Alentejano, um pouco antes de termos acabado o serão a cantar na Plaza Real à sombra das enormes palmeiras (a letra da cantiga fica para sempre reservada à intimidade do grupo de amigos), ali paredes meias com as Ramblas por onde passeámos um dia todos juntos na companhia de uma melancia que não perdemos oportunidade de comprar numa promoção de supermercado, na mesma altura em que te perdemos no El Corte Ingles da Plaza da Catalunha e te fizemos anunciar nos megafones e em ar de uma verdadeira e dolorosa tragédia como “Madalena de Portugal”.
Com a discrição natural das pessoas que são grandes, às vezes nem damos por ti e pela tua presença, mas todos temos a enorme certeza de que se tu não existisses e não estivesses connosco, era impossível que fossemos todos tão unidos e tão felizes.
E a vida é tantas vezes como aquele passeio a pé que demos pelos Alpes, em Gavarnie na companhia do Manuel e da Ana Cristina, caminhando de encontro à montanha e por entre montanhas, provando da água gélida mas tão límpida do regato, rindo desalmadamente pelas anedotas contadas por entre o pó que os nossos passos levantavam no caminho…
Louvando a Deus pelas montanhas, pela água, pela amizade, pelo riso e pela vida.
Obrigado por existires nas nossas vidas e se puderes perdoa-me esta partida de escrever sobre ti, mas decretei 2014 como o “Ano da Amizade” e ninguém dos “nossos” irá escapar.
Parabéns, grande Madalena.

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM