As férias despenteiam o tempo…


As férias despenteiam, definitivamente, o tempo, possibilitando que, por debaixo da habitual cortina da franja e da rigidez formal da risca ao lado e da marrafa, reencontremos partes de nós que andavam perdidas.
Suspendemos a pressa e a norma, como quem dispensa o pente ou a escova, encerrando-os numa gaveta, e com a cúmplice informalidade do “vento”, revolvemos as memórias, afinando a nossa história pela verdade; tomamos o fresco da manhã nas margens das ribeiras que nos servem de espelho, reabrindo e reentrando nos espaços esquecidos que laqueámos por amor e primavera, mas que acabámos por descurar e abandonar ao pó e às agruras húmidas de um inverno mais ou menos tortuoso.
Quem ama "aluga" muitas salas dessa casa imensa que traz ao peito, espaços que regressarão um dia à sua posse, sabe Deus em que estado de conservação... e ânimo.
Nas férias, descalçamo-nos e beijamos a terra com os pés soltos, saboreando sem reservas e a cada passo, o doce prazer da liberdade. Sentimos intensamente, e a três dimensões, o caminho por onde queremos ir.
Assim, as férias despenteiam o tempo por entre o coma profundo do despertador, não apenas para que descansemos o corpo nos espreguiçares mais ou menos secretos, mas também, e sobretudo, para que o Outono não nos encontre incompletos.
Com a certeza a crescer, verão a verão, de que apesar de despentearem o tempo, as férias não deixam que qualquer minuto se perca por cair no chão.
 

(Agradeço o desenho ao meu sobrinho Luís)

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