Papoilas na cave

Uma carta da Liga Portuguesa contra o Cancro convocou-as na quinta-feira santa para um encontro hoje de manhã na sede da instituição ali para os lados de Sete Rios.
Na sequência de um rastreio ao cancro da mama que tinham realizado num posto móvel nas suas terras, o qual acabou por motivar algumas suspeitas, ali estavam sentadas três mulheres, todas na casa dos sessenta anos, oriundas do triângulo alentejano de Borba, Vila Viçosa e São Romão.
Com cada uma delas, um filho com uma idade algures na década dos quarenta. Eu era um deles.
Na cave demasiado apertada onde mais ninguém caberia, a marcada pronúncia cedo nos denunciou a todos e nos fez comprovar que todos estávamos certos quando aos primeiros olhares trocados, dissemos para nós próprios:
- Conheço esta cara!
Começámos a falar, partilhámos percursos, histórias das nossas vidas tão próximas e entrecruzadas, deixámo-nos mergulhar na infinitude das cumplicidades e quando nos demos conta já tínhamos derrubado as paredes daquela sala estreita e já tínhamos voado até à imensa planície onde todos nascemos, a que orgulhosamente pertencemos e a que chamamos casa.
E foi assim nesse contexto dos afectos que unem instintivamente quem partilha a terra, que as duas gerações, as mães e os filhos, talvez motivados pelo facto de nos sentirmos na antecâmara de algo desconhecido e potencialmente final, nos centrámos no que a vida tem de melhor, no prazer, no riso, no amor, dando corpo à emergência do viver, e de o fazer plenamente cumprindo a felicidade.
Enriquecemos este tempo precioso que nos foi dado viver juntos, com a festa do melhor riso.
E no final veio o resultado para todas as mães.
Quando era criança, por esta altura no Alentejo, brincávamos uns com os outros tentando adivinhar a cor das pétalas que se encontravam nas cápsulas ainda fechadas das papoilas. Ficávamos felizes quando saía o vermelho.
O resultado para todas as mães foi negativo.
Saiu o vermelho da cor do sangue e da vida e por entre as searas da longa planície lá continuarão rubras e viçosas, como três papoilas rainhas dos campos, as três mães, rainhas perfeitas e sublimes dos nossos mundos e dos nossos corações.

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