A pátria das alcunhas

De entre as marcas que nos distinguem a todos os que nascemos além Tejo, na minha pátria, há uma que nos está colada de forma muito relevante: a complementaridade com que brindamos os nomes civis tendo sempre por base as características e a história de cada um.

As alcunhas são de facto uma verdadeira instituição.

Damos-lhe uso relativamente aos lugares sobrepondo-as a todos os nomes que existam nas placas toponímicas. Por exemplo, em Vila Viçosa se perguntarem onde fica a Rua António Matos Costa, toda a gente terá dificuldade em responder, mas se perguntarem pela Rua das Escadinhas, toda a gente saberá onde fica. São uma e a mesma coisa.

Mas utilizamos as alcunhas sobretudo em relação às pessoas e aqui a sua origem poderá ter por base uma característica física, um hábito ou um tique, uma profissão, etc.

Por exemplo, se o indivíduo apresentar mãos ou cabeça grande, pés ou pernas tortas, por certo será brindado com um “apelido” extra que lhe saliente esse facto: “Manuel das mãos grandes”, “Manuel da mão pequenina”, “cabeçudo”, “Maria do olho”, “Maria pequenina”, etc.

Os hábitos e costumes que alimentam alcunhas podem ser das mais variadas naturezas mas os relacionados com o acto de defecar são uma verdadeira obsessão para a qual jamais conseguirei ter uma explicação razoável. “Cága na canastra”, “cága na cântara”, “cága na semana” ou “cága no tacho”, são apenas alguns exemplos.

Mas há mais hábitos e vícios. A última alcunha de que me foi dado conhecimento foi atribuída a um indivíduo que por dizer muitas mentiras foi baptizado de “Primeiro de Abril”.

Para não andar a falar de famílias alheias sempre vos digo que tive um bisavô que por ter uma inclinação no pescoço era o “cabecinha ao lado”, o meu pai, por andar muito depressa é conhecido pelo “foguete” e tive um outro bisavô que ironicamente tinha a alcunha de “padre santo”.

E digo ironicamente, pois são-lhe atribuídas façanhas só possíveis num indivíduo nos antípodas da santidade. Só para vos ilustrar o que digo, sempre vos conto que um certo dia este meu bisavô, que era músico na Banda Filarmónica de Vila Viçosa, brigou com um outro indivíduo e jurou-lhe que jamais, através da sua arte de músico, contribuiria para que ele tivesse um minuto de alegria.

Bem o prometeu e melhor o cumpriu. Um dia quando a Banda se preparava para passar à rua do indivíduo em causa, ele saiu da formatura e de instrumento debaixo do braço, desceu sozinho por uma rua paralela, tendo-se depois voltado a juntar aos seus colegas.

Um verdadeiro exemplo de coerência e talvez por isso não consta que alguma vez tenha manifestado interesse pela política.

Seria impossível indicar-vos aqui todas as alcunhas da minha terra, e muito menos dar-vos as justificações por detrás de cada uma delas, mas sempre vos digo que da minha memória de Vila Viçosa há uma família “vai à vila”, os “famosos” e os “pachorras”, um “cueca” e um “ceroulas”, a “batatinha”, o “tip top”, o “bucha”, o “bóia”, o “batenai”, o "pica três”, a “mama na burra”, o “macho”, o “traz modas”, a “sem tripas”, a “estreita” e a “larga”, o “xiribiu”, o “traganai”, os “nicos”…

E para terminar sempre vos digo que aceitamos as alcunhas e respondemos quando nos chamam por elas, manifestando um sentido apurado de humor e a inteligência de sabermos rir confortavelmente de nós próprios, tal como fazemos quando contamos as anedotas sobre nós.

Alentejo, pátria minha, terra de gente simples e sempre bem-disposta, por favor contamina-me este Portugal vazio de humor e tão sem graça.

Comentários

  1. O meu pai desde sempre me colocou alcunhas como: Jágunço, Jimbras, Cócas, Pichas, Rica Picas, Jóli, etc. Acho de certa forma interessante e divertido. Mas é engraçado como uma alcunha faz as pessoas saberem do que estamos a falar. Os meus pais têm um café há cerca de 37 anos e fica mais conhecido por "o café da Dona Ester" do que pelo nome "Marister".

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. eu tb sei mas nao digo
    RUI PEREIRA

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