Donos do tempo...


Recordo-me bem do Natal de 1983.
Évora é uma cidade que Dezembro quase sempre encontra fria, mas nesse ano, até a água que escorria tímida das torneiras da velha Quinta de Santo António parecia empenhada em congelar-nos os dentes na hora de os lavarmos, muito cedo, pela manhã.
Poderia partilhar convosco mil detalhes do que então fazíamos, mas nada seria tão justo quanto a expressão do nosso propósito: procurarmos o tempo para o pormos a jeito de lhe chamarmos nosso.
Tínhamos fé, rezávamos juntos, e prometíamos ser felizes, arrastando à força as primaveras para cima de qualquer tempo frio.
Partimos...
E hoje, por um feliz e imenso “acaso” traçado pela agenda de amigos comuns, vimo-nos juntos a bordo de um barco no Mar da Galileia, em Tiberíades, Israel. Desses dias de Dezembro estou eu, a Isabel, a Mina, a Manuela, o Zé e o Padre Manel Zé, com a felicíssima coincidência de a Isabel celebrar hoje 50 anos.
As águas doces deste mar são calmas numa manhã quase sem brisa, com o dia inabalavelmente rendido aos mais de quarenta graus de um Julho agreste, neste oriente que é médio, mas de sol intenso.
Fazemos silêncio junto à proa, rezamos com o peito solto, e olhamo-nos no espelho informal que só o barco, aqui e ali, agita de mansinho. 
Nós somos mestres pescadores a bordo de um tempo que é definitivamente o nosso, por ser capaz de nos levar até ao cais de todas as margens que continuamos a sonhar. 
A fé é Cristo que caminha connosco sobre as águas amainando a tormenta, e oferecendo-nos peixe e pão nessas nossas margens, numa informal mesa de pedra à sombra de qualquer prece.
Indiferentes à idade, nós seremos sempre assim, mestres eternos sobre a latitude de qualquer lago, tempo ou qualquer estio, porque mesmo que tudo possa perecer, teremos sempre connosco a esperança desses dias frios do Natal de Évora de 1983.
Ser gente é não desistir do tempo nem de qualquer margem.
Parabéns Isabel.

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