Da velha Olisipo a Constantinopla…


Um copo de chá de jasmim que guardei do lanche da véspera e que arrefeceu no frigorífico durante toda a noite; um pedaço de pão torrado untado discretamente com manteiga sem sal...
Encosto-me ao móvel da cozinha e entretenho-me a olhar pela janela enquanto tomo o pequeno-almoço. Vejo os últimos detalhes do Tejo, o Bugio, e o Atlântico em curva para o Cabo da Roca, o ocidente máximo da velha Europa.
Nem sequer me sento porque pressinto o trânsito complicado até ao aeroporto; e tenho razão, será uma hora e meia de marcha lenta para percorrer dezoito quilómetros.
Chego ao aeroporto e embarco para Istambul aproveitando os primeiros momentos da viagem para ler uma reportagem da revista Sábado sobre os refugiados na fronteira da Croácia com a Eslovénia.
E sinto…
Há lágrimas semeadas no chão que eu sobrevoo hoje para chegar a Oriente.
Há muros reacendidos travando o passo de quem busca um pouco de céu e a liberdade.
Há a dor lancinante da gente numa marcha lenta onde se perdem muito mais do que apenas horas, em distâncias que envergonham os meus dezoito quilómetros.
Gente do Oriente perdida e a perder vidas em estradas sem fim, gente a servir de fundo nas selfies dos turistas com visto que cruzam as mesmas fronteiras.  
É precisamente a Ásia que eu vejo agora do outro lado do Bósforo, espreitando à janela do hotel enquanto cai a noite na velha Constantinopla.
Do Tejo ao Bósforo, da Olisipo a Constantinopla, voei hoje sobre a Europa, a terra perfeita do meu sonho de liberdade, mas em contramão com o sol e com a dor de muitos.
A Europa...
Cumpre o seu cíclico destino de ser sonho e pesadelo, desfazendo-se em muros onde morremos e morre esmagada a nossa dignidade.
Se ao menos soubesses tomar dos mares a arte e o engenho de unir continentes.
E vou dando pequenos goles num chá fresco com sabor a menta.

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