Festas de verão


Para além de adorar bacalhau e de nunca resistir a comê-lo acompanhado por um copo de bom tinto, de sofrer com a saudade, de gostar de fado e de reconhecer uma deusa em Amália, de ser do Benfica e sentir tristeza por nunca ter presenciado um golo do Eusébio, de ir frequentemente a Fátima por fé e convicção, eu, de corpo inteiro, Português me confesso: adoro festas de verão.
E este ano, não sei se por temer que os nossos “Troikos Credores” coloquem sobre as ditas as frases que insistem em colocar sobre todos os nossos prazeres: “Liquidação Total”, “Falência” ou “Encerrado”; fui a todas quanto pude.
Depois do carro estacionado nos improvisados parques de terra batida onde as matrículas portuguesas estão em minoria, perdendo por goleada para as francesas, suíças e luxemburguesas, activei o meu GPS Festas Populares, herdado dos anos 80 e armazenado na memória, e deixei-me seguir em direcção à igreja iluminada (ao estilo Trio Odemira), procurando o rasto dos aromas de frango assado no espeto, sardinhas na brasa ou, maravilha das maravilhas, as farturas polvilhadas com açúcar e canela.
E logo aí, pelos aromas, notei as primeiras diferenças. Também há cheiro a pipocas, cachorros quentes com Ketchup e mostarda, crepes com ou sem recheio, waffles, e até as farturas deixaram o seu estado normal para passarem a ser recheadas com uns cremes de cores vivas, que só de olhar nos põem com carência de Kompensan.
É a globalização, expressa de forma tão evidente nesse acasalamento entre a Caipirinha e a Mini na lista do preçário das bebidas das barraquinhas de comes e bebes.
Nem a Mini resistiu às brasileiras.
Depois de identificar uma tômbola onde há umas meninas casadoiras a vender rifas, aproximo-me de uma delas e peço-lhe 10 papelinhos enrolados para ver se a sorte me assiste.
Pergunta-me a pequena:
- E quer rifas para rapaz ou menina?
Não acredito, mas a noção do politicamente correcto chegou às rifas levando ao assumir de medidas tendentes a evitar qualquer violação da identidade de género. Presumo que assim se evitará por exemplo que um qualquer rapaz machão, homófobo e muito homem, possa processar uma Comissão de Festas por lhe ter saído uma Barbie na Barraca da Sorte.
No tempo em que a ASAE permitia sortear galinhas, patos e coelhos vivos, nada disto acontecia.
Peço então as rifas para rapaz, abro papel a papel e… uau. Saiu-me um brinde.
Vou com o número à tômbola e recolhe um yo-yo fluorescente e com uma penugem que brilha a cada movimento, num jeito totalmente Drag Queen.
Não sei quem terá feito a classificação dos prémios entre rapaz ou rapariga, mas fiquei com suspeitas de que poderá ter sido a Belle Dominique.
Aguardo a actuação de um rancho folclórico e não resisto no entretanto, a dedicar alguma atenção à música que vai sendo emitida pela aparelhagem e pelos amplificadores de som espalhados pelo recinto.
Pela batida, pelo ritmo e pela profusão de sintonizadores, é claramente música pimba.
Tenho dificuldade em identificar os intérpretes. O meu contacto com a música pimba cessou quando a RTP deixou de emitir aos domingos o Made in Portugal, programa memorável que eu todas as segundas-feiras não resistia a discutir e analisar com a minha amiga e colega Isabel Pimenta.
Isso foi de facto há muito tempo, numa altura em que a Ágata de costas ainda não se confundia com a Heloísa Miranda ou em que a relação entre a Ana Malhoa e o silicone era unicamente estabelecida através das porções do dito produto que lhe protegiam a banheira de casa dos pais.
Apercebo-me no entanto que embora os ritmos sejam iguais, as letras foram adaptadas aos novos tempos. E nem as Lojas Chinesas escapam:
- Se queres algo que só funcione uma vez, vai ao Chinês, vai ao Chinês.
Não me perguntem quem canta, mas há uma elevadíssima probabilidade de ser uma Vanessa Sofia qualquer com o alto patrocínio de alguma loja de ferragens.
Segue a festa...
O Rancho Folclórico dança bem, fez uma recolha cuidada das músicas da nossa terra e no final até convidou a malta para entrar na roda, no que foi uma boa ideia para passar de aberto a escancarado, o meu apetite por uma fartura.
Peço-a simples, só com açúcar e canela, e vou saboreando a iguaria no regresso ao carro, retomando depois a condução com algum óleo de fritar intrometido entre as minhas mãos e o volante.
Vão oleadas as mãos, e claro, reluzente vai o humor.
Viva o verão e que jamais se nos acabem as festas.

Comentários

  1. O coração que está em paz vê uma festa em todas as aldeias.
    RUI PEREIRA

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  2. Caros possíveis leitores de comentários, festas, como o próprio nome indica, são momentos de alegria, momentos para mais tarde recordar. Mas há momentos ... e momentos. Eu também por aí andei a festejar a alegria da música, embora tenha tentado aliar a alegria propriamente dita, à qualidade do que tinha hipótese de presenciar e vivenciar. Assim, fui ver a "Orquestra de Glen Miller", fui ver o "Carlos do Carmo", fui ver o "Rui Veloso", fui ver uns novatos e atrevidos "HMB", fui ver o "Boss AC" e a sua magnífica "6ª feira", fui ver os "Azeitonas", fui ver o "Miguel Ângelo" e na próxima 6ª feira, dia 07 Setembro, irei, com muitísimo prazer, ver o meu particular amigo, e grande cantor, "Paul de Carvalho" com o seu espectáculo de 50 anos de actividade musical (passe a publicidade). Assim, garanto que a festa perdure por mais tempo na minha frágil cabeça. Um abraço a todos.

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  3. Tinhas de estragar tudo no primeiro paragrafo...
    Abraço

    C Delgado

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