O aroma das rosas persiste sempre entre os dedos muito para lá do instante em que as pétalas voam
Nem
a proximidade do Atlântico tem conseguido contrariar o destino gelado das
manhãs dos últimos dias. O edredão é um refúgio memorável que nem um só pêlo da
barba despreza até àquele terrível momento em que o despertador induz a razão e
nos faz acelerar para o inevitável duche; destino onde até não se está mal
depois da água quente começar a chegar vencendo a congénere gelada que passou a
noite nos canos e nas paredes lá de casa.
Depois…
as torradas, o copo de leite, o café, a mochila ao ombro, a confirmação do que
há nos bolsos, o sair de casa, o elevador, alguma conversa de circunstância com
os vizinhos, e a porta da rua a revelar uma brisa só comparada à que recordo de
Vila Viçosa quando a geada matava o verde do jardim para nos dar a ilusão da
neve.
Ajeito
o sobretudo e o cachecol com as mãos e a mesma genética que antes puxava para
cima a gola de pele do capote castanho para melhor resistir ao frio que a
caminho do velho liceu sempre se cruzava comigo no Terreiro do Paço.
Agora
acelero em direcção ao carro.
Vejo
o sol a nascer intenso, redondo e em tons de ouro, por detrás da mais
resistente das árvores, aquela que entregou todas as folhas ao vento e se
manteve assim firme e majestosa na verdade despida dos seus troncos e ramos,
isolada no alto do monte fronteiro à porta do meu prédio.
O
carro está frio, o rádio liga automaticamente, o volante está gelado e antes de
arrancar é necessário um esfregar e um bater de mãos extra… sempre a olhar o
sol por detrás da “minha” árvore.
Tenho
saudades tuas… mas sinto-te inevitavelmente perto.
O
aroma das rosas persiste sempre entre os dedos muito para lá do instante em que
as pétalas voam; e o sol não deixa de brilhar mesmo nas manhãs frias do inverno
que despiu as árvores e desrespeitou o Atlântico que lá ao longe vou
descobrindo azul à medida que avanço pela estrada.
Não
sei qual a música que o rádio me ofereceu pelo caminho à medida que as minhas
mãos foram aquecendo o volante, viajei com a persistência da lembrança do teu
olhar azul como o mar.
Tenho
saudades tuas…
Mas
és tu quem me vai aquecendo pela manhã.
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