Acho que todos os opositores à adopção por casais de pessoas do mesmo sexo por entenderem que tal impossibilita o desenvolvimento equilibrado do individuo, deveriam hoje explicar o porquê dos concorrentes à “Casa dos Segredos” serem na quase totalidade oriundos de famílias formadas por casais heterossexuais


À porta do IPO de Coimbra estão a três homens à conversa, e discutem questões de fé.
Confesso que o sítio é logo à partida verdadeiramente atentatório para as mais convictas e enraizadas crenças.
Sem me poder parar só consigo ouvir um deles a afirmar que uma das provas da não existência de Deus é o facto de haver guerras. Se Ele existisse viria cá acabar com elas.
Para este homem Deus é pois incompatível com a sua liberdade: seria Deus a mandar de forma absoluta e ditatorial, vindo de vez em quando cá “abaixo” dar um valente par de “sopapos” nos beligerantes ao jeito de “acabou o Carnaval de Ovar”.
Sigo.
Daí a pouco estou sentado na pastelaria que tem a televisão ligada num canal de notícias sem que quase não se escute o que a jornalista diz, abafadas as palavras pelo tilintar das meias de leite, dos galões e afins. No entanto, passa um destaque em rodapé e uma senhora sentada atrás de mim e tão atenta quanto eu ao ecrã, emite um suspiro profundo quando se apercebe que o tema é a discussão na Assembleia da República da adopção por casais homossexuais.
E não resiste a um desabafo:
- Ai credo, onde já se viu tamanha pouca vergonha… e com tanta gente a morrer à fome.
O “credo” dá um toque religioso, a “pouca vergonha” puxa a moral para o assunto… e a ligação com as mortes à fome eu não entendo bem até porque quem é adoptado irá para uma casa onde possa beneficiar de comida, com independência do género das pessoas que o recebam…
Mas fixo-me no “credo” e na “pouca vergonha” para mais uma vez assinalar que Deus é “humanizado” na forma que mais nos convém. No caso desta senhora e por certo de muita gente, Deus é amor, mas só se o amor cumprir escrupulosamente as regras rígidas de uma certa moral que fica bem levarem à igreja com o fato novo.
E em pouco mais de uma hora tenho duas vertentes de Deus: o ditador e o moralista.
Por acaso até são dois conceitos que matam o próprio Deus, mas vá lá esta gente entender que a expressão da sua fé resulta na morte do Divino.
Antes de me levantar e pagar a conta confesso que tive vontade de perguntar à senhora se tinha a noção de que os concorrentes da “Casa dos Segredos” são quase todos oriundos de famílias formadas por casais heterossexuais, por certo abençoados pela Santa Madre Igreja no dia do casamento, sendo a prova de quão importante é ter um modelo feminino e masculino dentro da “casa” onde se cresce para se ser equilibrado e assaz perfeito.
Também a poderia lembrar da violência doméstica, da educação esmeradíssima e do civismo dos jovens com quem ela se cruza todos os dias…
Mas ela já não vai a tempo de aprender.
Paguei e saí.
Valha-nos Deus.

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