Retalhos e histórias


Quem guarda objectos sem qualquer valor que não o afectivo, mais cedo ou mais tarde, arrisca-se seriamente a ressuscitar histórias e os seus respectivos protagonistas.
Em fim-de-semana de arrumações aqui por casa casa deparei-me com os meus cartões de há exactamente trinta anos, “festivalmente” falando, numa altura algures entre o “Silêncio e tanta gente” da Maria Guinot e o “Penso em Ti” da Adelaide Ferreira, quando vim para Lisboa.
O Passe Social onde colocávamos os selos autocolantes comprados mensalmente ainda tem o de Abril de 1992, o último, mas a foto a preto e branco reporta exactamente a 1984: sem barba, óculos de metal, um penteado de risca ao lado, e uma camisa às riscas (já nessa altura…) mas ainda de uma minha fase pré-Porfírios.
Entre o elevador da Glória, o Metropolitano entre o Restauradores e o fim da linha, em Entrecampos; ou o autocarro 32 para subir a Avenida das Forças Armadas, não sei onde é que mais vezes mostrei aquela face dos meus dezoito anos.
O cartão da Universidade de Lisboa tem uma foto tirada na altura e na própria máquina que imprimia os cartões, e um picotado com as letras “UL” sobre cada ano lectivo dos cinco previstos para concluir o curso. Está todo picotado (e não foi necessário um cartão extra) mas acho interessante recordar-me do primeiro ano em que o utilizei. O primeiro-ministro de Portugal era o Dr. Mário Soares que implementava então um apertado programa de austeridade na sequência de uma ajuda do Fundo Monetário Internacional, tendo existido na universidade um dia de greve contra o aumento do valor das refeições nas cantinas de 55 escudos para 75 (qualquer coisa como de 27 cêntimos para 32), decisão do Ministro da Educação, Prof. Augusto Seabra.
Como o tempo muda e como ele faz mudar os protagonistas da história.
No cartão de leitor da Biblioteca Nacional tenho a mesma foto do Passe Social, e para mim nessa altura ir fazer trabalhos na Biblioteca era fantástico pois permitia ver o sistema “besidróglio” que sugava os pedidos por uns tubos e que mais tarde foi utilizado e baptizado assim num Concurso da RTP apresentado por Júlio César, “Aprender a valer”. Hoje basta ir ao Continente e nas caixas vemos o mesmo sistema.
E por entre os cartões e outros papéis há um bilhete de Abril de 1985 para a peça “O Esfinge Gorda” no Teatro Aberto, de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, encenado e interpretado por Mário Viegas e com músicas interpretadas pelo Janita Salomé; e há cartas sobretudo do Manuel com relatos fantásticos dos acontecimentos por Vila Viçosa. Algumas cartas têm direito a banda desenhada.
Enfim…
Por entre objectos e histórias convém referir que as arrumações seguem assim a um ritmo muito lento.
Mas saboroso, é claro.

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