Construir cidades...


Fosse em casa com peças da Lego, carrinhos miniatura ou casas de cartão, fosse na rua com pedras e areia, nós brincámos a construir cidades por onde depois nunca tínhamos tempo para caminha e “viver”.
As mães chamavam-nos para jantar e a brincadeira acabava ali, sendo que no outro dia, algo novo e mais interessante nos esperava para passarmos o tempo.
Certo, qualquer que fosse o contexto em que nos encontrávamos nas férias de verão, era matarmos a sede nos bebedouros de mármore, partilhando-os com os pardais e todos os outros pássaros.
Na semana que passou fui apresentar o meu livro “As bolachas mágicas da avó Inácia” a cerca de 400 crianças de uma escola em Algés, e uma delas, ao formular uma questão, referiu:
- “A minha avó, que é idosa como o Francisco e também gosta de fazer bolachas...”
Sorri-me para dentro, porque as crianças não têm filtros e todos aqueles que temos barbas e cabelos brancos...
“Se deixasses crescer um pouco mais a barba poderias ser o Pai Natal” - confidenciou-me outro à saída enquanto se despedia.
Regressei ao carro depois de caminhar um pouco ao sol, liguei o ar condicionado e conduzi em silêncio até ao meu almoço.
O espelho é cúmplice do rosto na perversa mentira de qual é a nossa idade.
Um dia, lá mais para a frente, talvez aqueles meninos aprendam, que embora a face possa indiciar o contrário, eu jamais envelhecerei, tendo tempo para morar tranquila e passivamente nas cidades todas que construo, tão só porque viver em pleno é não parar de construir cidades, por palavras, gestos, paixões… deixando-as depois como a marca da nossa história.
E esta liberdade de construir cidades a nosso jeito, tendo apenas areia e pedra lascada, aprende-se com os pássaros, quando partilhamos com eles a água fresca de beber, em enormes cálices de mármore que estão espalhados pela nossa terra.
 

 

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