Estes “António´s” de que somos feitos…


As salas de cinema são as únicas testemunhas do nosso sequestro pela arte (que dizem ser a sétima) de um filme.
Apagam-se as luzes e lá se nos foge o tempo e o espaço, baralhando-se o tempo verbal e todos os lugares.
E a gente que se deixa ir sem opor a mínima resistência.
Fui ver o “Variações” na maior sala de um Centro Comercial, às 15.30 de um sábado a chamar para a praia, e só quando as luzes se voltaram a acender, restituindo-nos a idade, é que consegui perceber que éramos muitas dezenas e todos entre a “Febre (de Sábado de Manhã)” e o “Passeio (dos Alegres)”.
A febre doce de uma revolução que não se cumpre no momento em que o lençol cobre os canhões e as chaimites inundadas de cravos, porque a liberdade chega em ondas, aos poucos, ao grito e ao gesto, alinhando-os com o pensamento e a vontade.
O passeio triunfal dos vencedores pelas ruas que lhes oferece a vida, sem temerem mostrar qualquer cor mais “estranha” para onde lhes resvale a alma.
Não batemos palmas ao realizador, aos atores, e a todos os que se empenharam neste projeto brilhante, mas talvez tenha sido melhor assim: aplaudir o filme e António Variações, cantando, sabendo de cor as letras da música que se ouvia ao abandonarmos a sala.
Porque as letras serão sempre reflexo da melhor essência da minha geração, sendo tão eternas quanto nós.
Entre o “Povo que lava no rio” e o “Cansaço”, Amália cruza o filme, tal qual a nossa História:
Por trás do espelho quem está
De olhos fixados no meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao Deus dará
Deixando os olhos nos meus

Quem dera que jamais seguíssemos ao “Deus dará”, e que o nosso olhar, alinhado com a coerência da memória dos versos, fosse para sempre, o reflexo da liberdade e da vitória do respeito pela diversidade.
Porque de tudo isso, e de muito “António”, somos feitos.  

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