Natal de 2019


Éramos rapazes e raparigas do Sul, mas sempre que chegava o Natal, não nos cansávamos de acariciar o Norte, buscando nessa face mais húmida das oliveiras, o musgo viçoso para o presépio.
A par com as deixas da peça de teatro que ensaiáramos afincadamente, e que emocionaria os nossos pais, nada nos preocupava mais do que os verdes campos de uma Belém imaginada a partir das cores que a chuva de outono já plantara sobre a nossa terra, que por sinal até cumpre esse destino na sua graça: Vila Viçosa.
E o presépio, assim como a peça, saía sempre bem, porque ao contrário daquilo que pensávamos então, mais importante do que tudo o que se vê, é o belo sentido do amor com que tudo se faz.
Este ano, as nossas mãos, que antes tratavam o musgo por tu, acariciam a pequena chávena quente do café, quando no mesmo contexto de amigos, e na nossa terra, discutimos a colocação de uma caixa de madeira que permita eliminar dois degraus da casa dos meus pais, colocando-os em segurança perante as limitações que o novo tempo impõe.
Dezembro, Vila Viçosa, e o Natal que nos acompanha na idade, pela coerência deste zelo que treinámos durante muitos anos, cuidando do conforto da gruta de Belém e do viço por entre o caminho dos pastores, sabendo agora, no entanto, que Jesus não é uma figura de barro resgatada dos caixotes e das folhas de velhas dos jornais, sempre que chega dezembro.
Belém, confirmei-o também, pessoalmente, em julho deste ano numa breve visita à Palestina, é uma terra árida e quente, sendo a gruta do presépio, um espaço pequeno, do tamanho de uma lareira, mas aonde nos vemos a nós, a nossa gente, a história que vivemos... nos poucos segundos em que nos é dado estar ali.
É assim o infinito que cabe na singeleza de um diminuto e inexplicável pedaço de fé.
O meu pai, por quem necessito eliminar os degraus de casa, colocou-me há poucos dias, uma pergunta difícil, daquelas que fogem à razão que a doença lhe foi roubando. Não fui capaz de responder e dei-lhe um beijo, sorrindo.
Um beijo nunca falha, sendo a melhor resposta para o deserto de qualquer pergunta impossível ou para qualquer tempo que nos perturbe.
Afinal, o Natal, hoje como antes, é esta infinita dimensão de Jesus, o Menino Deus, sobre a aridez de qualquer espaço e de qualquer instante, e, Jesus é um beijo.
Sem necessitar de sujar as mãos, acariciando o musgo, o Norte palpa-se então neste suave perfume da fé, por onde seguimos, cumprindo o nosso caminho.
A sorrir.

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