As contra-indicações dos beijos dos avós…


Não me recordo se algum dia alguém me ensinou a beijar os meus avós naquela idade precoce da qual não guardo qualquer memória de mim, mas tenho quase a certeza que não foi preciso, porque os beijos são detalhes que fluem naturalmente entre quem se ama.
Recordo-me sim de ter quatro anos e ter caído da escada pela pressa de ir beijar o avô Joaquim que chegava do campo com um saco de limões, e lembro-me bem do aroma dos xailes das minhas avós e tias-avós, que nos ofereciam os seus braços para adormecermos felizes, sempre que vinham a nossa casa passar o serão.
Se eu visse um avô vinte vezes por dia teria de dar-lhe vinte pares de beijos, e nem mesmo assim, seguindo essa regra do coração, eu consegui evitar esta presente saudade de já não os ter.
Os beijos, os afagos, os olhares doces, “o meu Quim” repetido mil vezes com orgulho... semearam o melhor que possam encontrar em mim. Qualquer face lunar é da minha inteira responsabilidade.
Durante um programa de televisão emitido esta semana e em que se abordava o tema do assédio e da violência sexual, um investigador afirmou que “obrigar” uma criança a beijar os avós é um ato emocional e fisicamente violento exercido contra a vontade do próprio, o qual poderá ter reflexos futuros no comportamento do indivíduo.
A “exigência” de ser moderno às vezes conduz ao ridículo de andar a procurar maçãs no fundo do mar e pargos entre os troncos bravos dos castanheiros, por entre nexos de causalidade que fazem cócegas na alma.
Cuidado com a embriaguez provocada por um copo de água, e jamais comam canja de galinha, porque é de facto a sopa mais indigesta.
Na última semana tive o privilégio da companhia dos meus pais em casa, e saindo cedo para trabalhar, só a minha mãe me acompanhava ao pequeno-almoço. Mais dorminhoco, eu só via o meu pai quando regressava a casa ao fim da tarde, e de imediato, ele se ajeitava no sofá para que eu pudesse cumprimentá-lo com dois beijos.
Neste assumido império de beijos onde eu fui criado e onde vivo muito a gosto, eu tenho tudo para ser um serial killer … ou não, porque entre beijos sempre aprendi dos meus pais e dos meus avós que ser homem ou ser mulher é um detalhe irrelevante perante a grandeza de ser gente, e que ser “poderoso” não é ter dinheiro, é ser rico dos valores que se cultivam na alma, que nos fazem felizes e se partilham com os demais sob essa sombrinha tão airosa que é o respeito por tudo e pela sua liberdade.

 

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