O vento forte nas pontes do sul…


Desde Vila Viçosa, regresso a Lisboa ao fim da tarde de domingo de Páscoa, e nos placards da autoestrada, a mensagem é clara: “Precaução: vento forte”...
Sempre acreditei que quando crescesse deixaria de gostar de brincar com o pôr-do-sol. Pensamos tantas coisas destas a nosso respeito, sem nos darmos conta de que elas são tão intrinsecamente da genética da alma, e não da idade ou do tempo, que subsistiriam mesmo que vivêssemos mil anos.
Na sexta-feira santa andei a brincar com o pôr-do-sol ali para os lados do palácio, e segui a frontaria caiada da porta do nó, até ao portão do meu antigo liceu.
Não encontrei ninguém, mas o espaço e as pedras das ruas têm o condão de guardar a fala, o riso e o choro da gente, e apesar de quase ser hora de enterro do Senhor, ressuscitei mil lembranças que guardei nos bolsos fundos da memória.
Nós temos esse condão de cruzar a nossa genética com a genética das ruas, e por mais camadas de cal que imponham às paredes das casas, a nossa silhueta de rapazes ou raparigas ficará sempre por ali a brincar entre os primeiros amores.
Quem quer sentir-se eterno deverá, portanto, voltar ao lugar onde nasceu e cresceu, reencontrando sempre o pai à porta a dar-lhe um beijo, e a mãe à janela a acenar-lhe na antecâmara ou no depois de um beijo.
Inicio o regresso a Lisboa, vendo pelo retrovisor que os meus pais permanecem ainda no seu sítio de sempre, à porta e à janela, na esperança de que a curva da avenida, a caminho da praça, jamais me roube ao seu olhar.
O sítio dos pais será sempre a porta e a janela da esperança de nos sentirem chegar.
Subo a praça, olho São Bartolomeu, e cruzo-me com o meu professor da instrução primária que faz o seu passeio pela fresquidão da tarde, acompanhado pela mulher.
A nossa alma será sempre igual e grande, mesmo que o cansaço nos trave o passo sobre as ruas onde vivemos e ajudámos a criar vida.
“Precaução: vento forte”.
Leio a informação no placard da autoestrada e não consigo deixar de sorrir ao vento, porque talvez só ele nos compreenda quando sopra forte sobre as pontes que nos trazem do sul até Lisboa.
É só mais um bocadinho para desfrutarmos da nossa casa.

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